Extrema-direita

Patriotas pela Europa? Não, vassalos de Trump

09 de fevereiro 2025 - 18:55

A cimeira de Madrid foi teatro e propaganda, com os principais representantes da ofensiva ultra na UE a revelarem-se o cavalo de Troia do trumpismo. Mas foi também uma tentativa de encostar Meloni e o Partido Popular às cordas para os forçar a uma aliança estável.

por

Steven Forti

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Comício da extrema-direita europeia em Madrid
Comício da extrema-direita europeia em Madrid. Foto publicada por Matteo Salvini nas redes sociais.

Teatro e propaganda. Foi, em grande parte, o que se passou na cimeira dos Patriotas pela Europa, realizada a 8 de fevereiro, em Madrid. Entre gritos, aplausos e vivas dos menos de dois mil adeptos do Vox, reunidos num hotel dos arredores da capital, o que Santiago Abascal, Marine Le Pen, Viktor Orbán, Matteo Salvini, Geert Wilders, André Ventura e alguns outros ultradireitistas repetiram não foi novidade. Podem tê-lo afirmado de forma ainda mais descarada e explícita do que noutras alturas, mas é, afinal, business as usual: a ditadura progressista e woke está a destruir as nossas nações, o multiculturalismo é uma ameaça, a imigração descontrolada é financiada por George Soros, os valores cristãos da Europa devem ser protegidos, é necessária uma nova Reconquista, o “fanatismo climático” deve ser combatido, a União Europeia é responsável pelos males que nos afligem... Tudo regado, ça va sans dire, com constantes apelos à liberdade. E, pasmem, à “verdade”. É, no mínimo, irónico que o digam aqueles que espalham boatos e teorias da conspiração como se não houvesse amanhã.

Extrema-direita

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Até agora, este é um breve resumo da farra ultra. No entanto, há alguns elementos interessantes a que devemos prestar atenção. Em primeiro lugar, todos os oradores citaram, elogiaram e lisonjearam Donald Trump. É óbvio que a cimeira foi organizada para tirar partido do tsunami trumpista. Há três semanas que estamos a ser bombardeados e atordoados pelas declarações e ordens executivas assinadas pelo novo inquilino da Casa Branca. Os patriotas europeus (sic) querem aproveitar a onda e surfá-la, conscientes, além disso, de que têm boas relações com o magnata nova-iorquino e contam com o apoio do chefe tecno-oligarca, Elon Musk. O próprio slogan da cimeira, “Make Europe Great Again”, não é mais do que o slogan que o proprietário do X, o antigo Twitter, lançou há alguns dias nas redes, adaptando o MAGA (Make America Great Again) trumpiano.

Mas, na realidade, Abascal e companhia ajoelharam-se perante o novo “Deus” da extrema-direita mundial. Wilders definiu-o como o seu “irmão de armas”. Para usar uma metáfora, se pudessem, os “patriotas” pediriam a Trump que os deixasse limpar a sua macro-piscina na residência de Mar-a-Lago.Ou que os deixasse cortar a relva. Por outras palavras, afirmaram clara e simplesmente que não são apenas o cavalo de Troia do trumpismo na UE, mas diretamente os vassalos dos Estados Unidos.No seu zelo anti-europeu, para os Patriotas pela Europa (sic outra vez), qualquer pessoa que queira enfraquecer a UE é um amigo.Quer se trate de Putin ou de Trump, não importa. Porque, para além disso, são o mesmo: autocratas.

De facto, no jantar que antecedeu a cimeira, o convidado de honra foi Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, o poderoso think tank conservador que produziu o Projeto 2025, um plano de mais de 900 páginas que descreve preto no branco como esvaziar um sistema democrático a partir do seu interior. Trump está a aplicá-lo à letra e vários membros da Heritage estão a trabalhar na nova administração. Numa entrevista ao El Español, Roberts não poupa palavras: “Apoiamos todos os que querem virar a União Europeia do avesso”. Ursula von der Leyen, tome nota, se ainda não sabe.

Em segundo lugar, os ataques a Pedro Sánchez foram constantes. Abascal atacou obviamente o primeiro-ministro, mas Salvini, Ventura e Orbán também o fizeram. Esta é a principal razão pela qual a cimeira se realizou em Madrid. Não se deve apenas ao facto de Abascal ter sido nomeado presidente do Patriotas pela Europa em novembro. A questão de fundo é que, para a extrema-direita, Sánchez - ou seja, o governo de “esquerda” espanhol - é o inimigo a abater. Elon Musk, o techbro pró-apartheid, foi rápido a atacar o chanceler alemão Olaf Schölz e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer por terra, mar e ar, bem como a patrocinar a Alternativa para a Alemanha e o neofascista Tommy Robinson. Os “patriotas” estão a cargo de Sánchez. As tropas digitais de Musk e as ameaças de Trump virão mais tarde. Preparem-se.

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Em terceiro lugar, se há muito que todos olham para a Hungria como um modelo, na cimeira de Madrid isso foi explicitado de uma forma agora completamente descarada. Orbán vangloriou-se, naturalmente, de que o país magiar, que governa com mão de ferro desde 2010, é um “laboratório de política conservadora”. Os outros já não se escondem: querem transformar os seus países noutras tantas Hungrias. Friendly reminder: a Hungria já não é uma democracia plena, mas uma autocracia eleitoral, como confirmam inúmeros estudos académicos e uma moção do próprio Parlamento Europeu em setembro de 2022. Orbán, aliás, antecipou-se a Musk: no final de junho do ano passado, lançou o slogan Make Europe Great Again para apresentar a presidência húngara do Semestre Europeu. Foi exatamente na mesma altura que foi criado o Patriotas pela Europa.

Em quarto lugar, a presença do Presidente argentino Javier Milei, que há meses insulta Sánchez ao ponto de provocar uma crise diplomática entre Madrid e Buenos Aires, não deve surpreender. O seu hiper-ativismo na cena internacional é doentio. Desloca-se a Mar-a-Lago ou a Washington para abraçar Trump de vez em quando, encontra-se com Musk assim que pode, visita frequentemente Meloni e Netanyahu... Já tinha estado em Madrid em maio passado para participar no Europa Viva '24, o comício organizado pelo Vox na abertura da campanha para as últimas eleições europeias. Desta vez, Milei enviou um vídeo. O que é interessante na sua presença, no entanto, está relacionado com a crescente aceitação da sua receita paleolibertária entre as direitas de todo o mundo. Se há um ano a maioria dos ultras europeus o considerava um aliado, mas não um modelo, agora parece que até os mais social-chauvinistas começam a olhar para Buenos Aires para aprender com a receita ultraliberal autoritária, que pode ser resumida numa das frases cuspidas por Milei: “A justiça social é aberrante”. Para Roberts, a Heritage Foundation e os tecno-oligarcas à la Peter Thiel e Elon Musk, este é o caminho a seguir.

Em quinto lugar, os “patriotas” são o terceiro maior grupo no Parlamento Europeu, atrás dos socialistas e dos conservadores. Com poucos lugares, ultrapassam os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), o partido presidido até há um mês por Giorgia Meloni, que foi substituída pelo antigo primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki. Existe concorrência entre os dois partidos, embora as relações sejam fluidas e a colaboração frequente. Como é sabido, Meloni caiu nas boas graças de Von der Leyen e, apesar de haver formações nada recomendáveis no seu partido, como o Lei e Justiça polaco, as portas de Bruxelas abriram-se-lhe de par em par. O ECR (Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus), apresentado como uma direita conservadora não tão radical, passou para esse lado da barricada: o italiano Raffaele Fitto foi nomeado vice-presidente executivo da nova Comissão, o Partido Popular atribuiu-lhe duas vice-presidências em catorze no Parlamento Europeu e três presidências de comissões em vinte... Em suma, o cordão democrático só se aplica agora aos Patriotas pela Europa e ao grupo criado pela Alternativa para a Alemanha, a Europa das Nações Soberanas.

Abascal, Orbán, Salvini e Le Pen quiseram encostar Meloni às cordas. É como se lhe tivessem dado uma bofetada, dizendo: de que lado da barricada estás, Giorgia? De facto, nos discursos, todos eles atacaram duramente não só a UE, mas também Von der Leyen e o Partido Popular Europeu. O português Ventura disse, por exemplo, que Feijóo e Sánchez são a mesma coisa. É óbvio que Meloni não pode responder à pergunta: tem de jogar dos dois lados. Abraços e sorrisos com Von der Leyen para ser aceite em Bruxelas e viagens a Mar-a-Lago e Washington para obter a aprovação de Trump. Até agora, a jogada tem funcionado bem, mas as tensões vão explodir em breve. Os “patriotas” sabem-no.

Dito isto, não se enganem: Meloni é também um cavalo de Troia trumpista na Europa. O antigo primeiro-ministro italiano Matteo Renzi definiu-a corretamente como o “capacho” de Trump. A líder do Irmãos de Itália, que estabeleceu uma excelente relação com a administração Biden, teve de provar ao novo presidente dos EUA que é de confiança. Foi visitá-lo a Mar-a-Lago no início de janeiro, onde teve de engolir a “ antestreia” de um documentário conspirativo sobre o assalto ao Capitólio. Em seguida, assistiu à tomada de posse republicana em Washington: foi a única presidente de um governo europeu a assistir. Para dissipar todas as dúvidas e tornar clara a sua vassalagem, também prometeu a Musk um contrato milionário para uma das suas empresas, a Starlink, e recusou-se a assinar a declaração das Nações Unidas em defesa do Tribunal Penal Internacional face às sanções decretadas por Trump. Entre os países europeus, apenas a Itália, a República Checa e a Hungria não assinaram, três países governados pela extrema-direita.

Em suma, por muito que nos vendam Meloni como uma pessoa moderada, não há muitas diferenças em relação a Orbán e companhia. Além disso, a estratégia do Patriotas pela Europa e dos Conservadores e Reformistas Europeus é a mesma: quebrar a já enfraquecida maioria pró-europeia em Bruxelas e formar uma maioria de direita com o Partido Popular. Isto já aconteceu em várias votações nos últimos três anos: desde a eleição de Roberta Metsola como Presidente do Parlamento Europeu em 2022 até à decisão de atribuir o Prémio Sakharov 2024 à oposição venezuelana. A propósito, María Corina Machado enviou um vídeo para a reunião dos “patriotas europeus”, no qual os considera seus “aliados” numa “guerra global”.

A Cimeira de Madrid foi teatro e propaganda, ou seja, uma tentativa de demonstração de força com o objetivo de ganhar visibilidade mediática. Para o dizer sem rodeios, querem que lhes façamos caso. Mas foi também uma tentativa de encostar Meloni e o Partido Popular às cordas para os forçar a uma aliança estável. E, acima de tudo, foi um ato de vassalagem a Trump. Ironia da vida: os mais nacionalistas são aqueles que se ajoelham perante o valentão americano. Como os colaboracionistas do período entreguerras, fantoches da Alemanha nazi.


Steven Forti é professor de História Contemporânea na Universitat Autònoma de Barcelona. Membro do Conselho Editorial do CTXT, é autor de “Extrema derecha 2.0. Qué es y cómo combatirla' (Siglo XXI de España, 2021). Artigo publicado em CTXT. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net