Esta quarta-feira a oposição argentina promoveu o primeiro grande teste nas ruas à intenção do presidente Javier Milei aprovar a sua "lei motosserra", um conjunto de mais de 300 leis que aplicam o projeto ultraliberal de austeridade e corte de direitos sociais. Em dia de greve geral, as manifestações juntaram 600 mil pessoas em Buenos Aires e um milhão e meio no conjunto do país, sob o lema "A pátria não se vende!".
Com as primeiras medidas de Milei após a tomada de posse, como a desvalorização da moeda em 54,3%, os preços dispararam ainda mais do que já tinha acontecido ao longo do ano passado. Em sentido contrário, os salários e pensões acumulam perdas significativas de poder de compra, maiores do que no tempo do governo de Mauricio Macri ou no da pandemia.
“Nenhum trabalhador pode ignorar a crise social e económica que estamos a viver. A inflação corrói os salários e dispara os preços a níveis inacessíveis, mas nenhuma crise pode servir de oportunidade para se arrasar com os direitos fundamentais de todos os argentinos”, afirmou a Confederação Geral do Trabalho da República Argentina (CGT). Num comunicado subscrito por esta central sindical e muitas outras organizações promotoras do protesto, afirma-se que "os deputados e senadores devem fortalecer-se com esta marcha multitudinária, para defender com o seu voto a separação de poderes e a Constituição".
"Querem multiplicar por dez a inflação para impedir as pessoas de comprarem e consumirem, para que haja uma grande recessão económica. Depois, talvez apareça a paz, mas a paz dos cemitérios", afirmou Hugo Yasky, o líder da Central de Trabajadores de la Argentina (CTA) e deputado da Unión por la Patria (UxP).
Nas redes sociais, a ministra da Segurança e candidata derrotada da direita na primeira volta das presidenciais, Patricia Bullrich, acusou os promotores da greve de juntarem "sindicalistas mafiosos, gestores da pobreza, juízes cúmplices e políticos corruptos" que resistem "à mudança pela qual a sociedade decidiu democraticamente e que o presidente Milei lidera com determinação".
Para conseguir aprovar o seu pacote de leis, Milei precisa estabelecer alianças com outros grupos políticos. E num dos discursos mais marcantes do dia, o líder sindical dos camionistas e co-secretário-geral da CGT, Pablo Moyano, criticou os deputados que "fazem campanha cantando a marcha peronista, com imagens de Perón e Evita, mas quando têm de enfrentar uma lei, escondem-se e nós temos de vir procurá-los aqui nos seus gabinetes".
"Estão a tomar uma decisão histórica. Que digam publicamente se estão com os trabalhadores ou com as empresas monopolistas e o modelo económico que Javier Milei está a levar a cabo", prosseguiu Moyano, concluindo que "um peronista não pode votar a favor desta lei" que ataca direitos sociais, corta pensões e privatiza dezenas de empresas públicas.
No final da manifestação, a organização destacou também o seu carácter pacífico, afirmando que "aqui não há sacos funerários, não há forquilhas, não há guilhotinas, não há motosserras. Marchamos, vivemos e trabalhamos em paz".
Avanços e recuos do "pacote motosserra" na justiça e no parlamento
No dia da greve, a CGT recebeu a noticia de mais uma vitória nos tribunais, com uma juíza do trabalho a anular seis artigos do decreto de necessidade e urgência (DNU) do presidente, que tratavam de aspetos ligados à negociação coletiva e aos sindicatos. A juíza Liliana Rodríguez Fernández deu razão à CGT, considerando que não há justificação para que o executivo recorra a um instrumento extraordinário para alterar essas regras sem passar pelo poder legislativo.
E no poder legislativo, Milei continua com dificuldades em conseguir maioria para aprovar os aspetos mais contestados do seu pacote de leis que inclui no plano laboral fortes limitações do direito à greve, o aumento do período experimental e o corte das indemnizações por despedimento. O partido presidencial La Libertad Avanza, com pequena presença parlamentar, tem de negociar com a Unión Cívica Radical do ex-presidente Mauricio Macri, deputados peronistas de direita e partidos regionais para conseguir o seu voto em troca de vantagens para os seus interesses. A última negociação foi com o governador da província de Tucumán para manter as tarifas aduaneiras à importação do açúcar, que é uma importante fonte de emprego local. Em troca garantiu o voto de três deputados peronistas da província. O arrastar das negociações levou a que as votações em plenário fossem adiadas para a próxima terça-feira.
Perante a resistência de deputados "aliados" a aprovar artigos como o das privatizações ou cortes nas pensões, o ministro das Finanças foi claro em deixar a ameaça: "Todas as dotações provinciais serão imediatamente cortadas se alguma das rubricas económicas for rejeitada", afirmou Luis Caputo.