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Passado, presente e futuro de um movimento

Junho é o mês da magia para a comunidade LGBT. O mês do orgulho. Somos uma comunidade! Mas, somo-lo todos os dias. Não só durante o mês como forma de celebração e depois sayonara. Se um de nós não está a salvo, nenhum de nós está. Texto de Ana Aradas
Somos uma comunidade! Mas, somo-lo todos os dias. Não só durante o mês como forma de celebração e depois sayonara
Somos uma comunidade! Mas, somo-lo todos os dias. Não só durante o mês como forma de celebração e depois sayonara

Junho é o mês da magia para a comunidade LGBT. O mês do orgulho. O mês para toda a comunidade se juntar, em diferentes dias, em diferentes locais, mas com o mesmo objetivo: celebrar as vitórias, relembrar as perdas e continuar a luta.

A primeira vez que o fizemos foi em Junho de 1970, um ano após os míticos Stonewall Riots, as manifestações que muitos acreditam terem dado início ao nosso movimento e outros tantos não sabem quem começou.

Marsha P. Johnson, Sylvia Rivera ou Stormé DeLarverie, nomes que já todos ouvimos associados a um tijolo voador (ou garrafa ou pedra) há 50 anos atrás. Quem o atirou? Quem começou? Será que existiu mesmo um tijolo? Ninguém sabe. Mas, será que é importante?

Eu penso que não!

O que realmente importa é o que tudo isso foi e tudo o que significou. Aqui tínhamos uma comunidade perseguida e discriminada durante décadas que lutou como senão tivesse nada a perder. E não tinham. Apenas as suas vidas, porque direitos não tinham nenhuns e até os próprios e poucos “safe spaces” eram frequentemente invadidos por polícias e no dia a seguir, quem estivesse a aproveitar uma noite de vida verdadeira era despedido e atirado para fora das suas casas.

Até que, no dia 28 de junho de 1969, os “outcasts”, as minorias, aqueles que mereciam tudo, mas não tinham nada, fartaram-se. Fartaram-se de uma vida com muito sobreviver e pouco viver e lutaram. Lutaram por eles, pelo passado, pelo presente e por um futuro incerto, lutaram por um movimento que ainda não existia, mas que estava, naquele dia, a dar os seus primeiros passos.

E assim nasceu uma comunidade! E daí em diante continuamos a lutar. Lutámos durante os anos 80 contra a discriminação e a indiferença do Governo perante a morte de dezenas, centenas de pessoas devido a uma doença que ninguém compreendia. Lutámos pelo casamento e pela adoção por casais do mesmo sexo e quão bem nos souberam essas vitórias.

E o que ficou? Uma comunidade com a sensação que ganhou tudo o que tinha para ganhar. E é muito fácil depois de vitórias monumentais como estas sentirmos isso. Mas, é também muito fácil, depois de exaustivas e longas lutas como estas sentirmo-nos cansados demais para continuarmos a lutar.

Mas, a verdade é: ainda há muito pelo que lutar e ainda há muito que ganhar:

Existem 70 dos 193 países membros das Nações Unidas onde homossexualidade é ilegal e 6 têm pena de morte para gays.

Em 2017, começámos a ter relatos dos “primeiros campos de concentração para homossexuais desde o tempo de Adolf Hitler nos anos 30” na República da Chechénia. Sobreviventes relataram que foram espancados, eletrocutados e privados de comida. Um deles, Amin Dzhabrailov em entrevistas recentes relembrou o dia onde os militares encarregues dos campos levaram vários prisioneiros às suas famílias que os esperavam dentro dos campos e pediram às mesmas que os matassem para “limpar a honra com sangue.” Justificações para estes atos hediondos? “Não existem esse tipo de pessoas na Chechénia, mas se existissem, os militares nem sequer falariam para eles quanto mais tocar-lhes.”

Um relatório divulgado para marcar o Dia Internacional da Lembrança Trans, realizado anualmente em 20 de novembro, em 2019 deu conta de 331 mortes no mundo de pessoas transgénero e ainda há ativistas transgénero que sentem que o resto da comunidade se esqueceu e não está a lutar por eles. Não com a mesma força e agressividade que tivemos para todas as outras lutas.

E se há 50 anos atrás lutámos mesmo sem ter um movimento que nos pudesse apoiar, qualquer um pensaria que, agora, com tantas lutas para se ter e com o apoio de uma comunidade gigantesca, que lutaríamos com ainda mais força.

Mas, não! Porquê? Será que temos demasiado medo de sair do conforto e felicidade que todas as nossas vitórias nos dão?

Não nos podemos deixar afogar e cegar pelos ganhos, pelos bons momentos e sentimentos de vitória. Claro que os merecemos. Mais do que merecemos, já deveriam ser nossos desde sempre! Nunca nenhuma comunidade deveria de ter a necessidade de lutar pelos direitos básicos à vida humana. Mas, não podemos tomá-los por garantidos.

Somos uma comunidade! Mas, somo-lo todos os dias. Não só durante o mês como forma de celebração e depois sayonara. Se um de nós não está a salvo, nenhum de nós está. Se um de nós não pode sair à rua de mãos dadas com a pessoa que ama, nenhum de nós pode. Se um de nós não pode casar, porque é visto como uma ameaça aos “valores da família tradicional”, nenhum de nós pode. Se um de nós não é livre, nenhum de nós é. É por isto que marchamos. É por isto que lutamos e iremos continuar a lutar até que cada vida LGBT, em todo o mundo, desde a mais remota vila do calcanhar do universo esteja salva.

É um por todos, e todos por um.

Texto de Ana Aradas

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