Países Baixos estão em risco de se tornar um narcoestado", alerta autarca de Amesterdão

06 de janeiro 2024 - 14:19

A presidente da Câmara de Amesterdão diz que o proibicionismo tornou o seu país num destino para os narcotraficantes lavarem dinheiro, transferindo-o para offshores ou contaminando a economia legal através de negócios imobiliários.

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Femke Halsema
Femke Halsema em 2022 num encontro com a autarca de Barcelona. Foto Câmara de Barcelona/Flickr

Num artigo publicado esta sexta-feira no Guardian, a presidente do município de Amesterdão, Femke Halsema, lança o alerta de que o seu país se tornou "num destino para os barões da droga virem branquear o seu dinheiro e transferi-lo para os paraísos fiscais". Além disso, "o seu dinheiro está a contaminar cada vez mais a economia legal, em particular no imobiliário, serviços e hotelaria", pelo que se nada for feito, "a nossa economia será inundada com dinheiro do crime e a violência atingirá os máximos de sempre", levando os Países Baixos ao "risco de se tornarem um narcoestado".

A par do aumento das apreensões de drogas - quase 30 mil toneladas de cocaína na primeira metade de 2023 no porto de Roterdão, uma das principais placas giratórias do tráfico de drogas internacional, a autarca chama a atenção para o aumento da violência e o recrutamento de adolescentes para serem correios de droga. A isto junta-se a impunidade dos grandes traficantes, com três figuras-chave de um processo a uma rede internacional de narcotráfico a serem assassinadas nos últimos anos em plena luz do dia nas ruas de Amesterdão: o irmão de uma das principais testemunhas do processo, o seu advogado e um jornalista que o aconselhava.

Femke Halsema elogia a abordagem que privilegia a redução de danos face à repressão, criticando a pressão internacional que levou os Países Baixos a classificarem o MDMA - ou ecstasy - "uma droga utilizada em festas e considerada relativamente inofensiva" como "droga dura" em 1988. "Esta mudança contribuiu inadvertidamente para a rentabilidade da produção ilegal de MDMA e criou um modelo de negócio lucrativo para as organizações criminosas, como o demonstra o valor de mercado estimado em 18,9 mil milhões de euros da produção anual de ecstasy nos Países Baixos", aponta a autarca que preside ao município desde 2018, eleita pela Esquerda Verde.

Assim, entende que "não se trata de recuar na nossa política centrada no utilizador, mas sim de defender o reconhecimento internacional de que a guerra às drogas é contraproducente". Tendo em conta que "a proibição das drogas está consagrada em tratados internacionais que limitam o espaço para as políticas nacionais em matéria de droga", isso significa que é necessário "forjar novas alianças internacionais que dêem prioridade à saúde e à segurança em detrimento de medidas punitivas".

Além dos exemplos do seu próprio país, como a distribuição de metadona e salas de consumo assistido para utilizadores de heroína, que levaram à redução da criminalidade e dos efeitos sociais adversos do consumo na via pública, a autarca dá os exemplos do projeto piloto de distribuição de cocaína em discussão na cidade suíça de Berna, que também tem em marcha um programa piloto de canábis legal, ou da legalização da canábis no Uruguai com o Estado a regulá-la.

"A regulação do mercado, os monopólios governamentais ou o fornecimento para fins médicos são apenas algumas das alternativas possíveis, não necessariamente exclusivas. Mas nenhuma delas é uma solução rápida", avisa, lembrando que "os criminosos já mostraram que vão recorrer à violência para proteger os seus lucros e os riscos para a saúde de algumas drogas são enormes". Mas "nada disto pode ser desculpa para não agir", quando está em jogo "o futuro da nossa juventude, a nossa qualidade de vida, a estabilidade da nossa economia e o estado de direito".

No próximo dia 24 de janeiro, Amesterdão vai acolher a conferência internacional "Lidar com as drogas - As cidades e a busca pela regulação". O objetivo desta conferência é "explorar de que forma - e não se - uma maior regulamentação do mercado da droga pode constituir uma solução e que passos podem ser dados no sentido de uma abordagem mais realista da política da droga".