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Os acórdãos mais chocantes dos ”Netos de Moura” deste país

No início de março, o Esquerda publicou o Top 16 das alarvidades de Neto de Moura. Agora fazemos referência aos acórdãos mais chocantes dos ”Netos de Moura” deste país, compilados pela revista Visão.
Foto de Paulete Matos.

Os acórdãos polémicos de Neto de Moura não são, infelizmente, casos únicos em Portugal.

Em 2000, o Tribunal da Relação do Porto acusou uma vítima de sete anos de ter “facilitado” a sua violação. No acórdão é sinalizado que o agressor, dez anos mais velho, tapou a boca da menor para esta não gritar enquanto praticava sexo anal com a mesma. Na decisão, Manuel Braz, atual juiz-conselheiro no Tribunal de Justiça, refere que a violação foi “facilitada pela menor”, por ter pedido boleia ao agressor na sua bicicleta, e não passou “de um ato isolado facilitado pelas circunstâncias”. O Tribunal considerou que a pena não deveria ir além dos dois anos e seis meses.

Em maio de 2002, depois de um ano de agressões, ameaças e insultos, uma mulher foi morta com dois tiros de caçadeira à queima-roupa pelo seu marido e pai dos seus três filhos. O mais novo assistiu ao crime. O Supremo Tribunal de Justiça considerou que, até a esse momento, “o arguido não passava de um homem normal”. O antigo juiz-conselheiro Pereira Madeira, e os outros juízes que assinaram a decisão, referiram que o facto de a mulher não querer ter relações sexuais com o marido “permitirá”, no mínimo, “a afirmação de que nem só do lado do arguido terá havido violação dos deveres conjugais”. A recusa da vítima “pode, até, ajudar a explicar as dúvidas surgidas naquele espírito pouco iluminado sobre a (in)fidelidade dela”. Os juízes consideraram que o motivo que levou o homicida a atirar sobre a sua mulher não era “um motivo fútil”.

Em 2006, o Tribunal da Relação do Porto considerou que não ficou provado que a violação em causa, que envolveu um ato de cúpula, outro de coito anal e a ameaça “agora vou marcar-te a cara para poder provar eu estive contigo”, causou um “sofrimento físico ou psicológico agudo” à vítima. Durante a madrugada, a mulher foi perseguida de carro, tendo sido violada dentro do interior da sua viatura por um desconhecido. Tendo em conta que a vítima, abandonada num local ermo, foi capaz de anotar a matrícula do carro do seu agressor, o Tribunal da Relação do Porto assinalou que “pela presença de espírito” que esta ação revela, “é pouco compatível com um grande abalo psicológico”. No acórdão lê-se ainda que, sobre o sofrimento físico, “provou-se apenas que o arguido, ao introduzir o seu pénis no ânus da ofendida, provocou a esta dores que a levaram a gritar”. No entanto, estas dores, “mesmo que tenham sido intensas”, o que “nem está provado”, “foram pouco mais que instantâneas e não queridas pelo arguido”. O agressor, depois da desistência da queixa por parte da vítima, foi somente condenado a uma pena suspensa de 15 meses de prisão por sequestro simples. O relator do acórdão foi Manuel Braz. Os juízes Luís da Silva, Francisco Marcolino de Jesus e José de Paiva não apresentaram qualquer voto de vencido.

Em 2007, o juiz Rodrigues da Costa, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), optou por atenuar a pena de um condenado por abuso sexual de crianças. Em causa estava o facto de a vítima ser um jovem de treze anos que já despertara “para a puberdade” e já era “capaz de ter ereção”.

Em 2008, os juízes Souto de Moura e Soares Ramos, também do STJ, que julgaram um arguido que, em grupo, assaltou violentamente um casal de namorados, violando a mulher, decidiram que devia ser tido em conta o facto de o arguido ter usado preservativo e não ter sido o primeiro a violar a jovem.

Em 2011, o Tribunal da Relação do Porto absolveu um psiquiatra do crime de violação de uma paciente grávida de 34 semanas. Os juízes Eduarda Lobo e José Castela Rio entenderam que a vítima não tinha resistido o suficiente e que “o simples desrespeito pela vontade da vítima” não podia ser “qualificado de violência”. No que respeita ao facto de ter existido sexo oral, além de penetração, os magistrados consideraram que não era possível “considerar o ato de agarrar a cabeça” como “uso de violência”, “a não ser que se admitisse que o mero ato de agarrar a cabeça provoca inevitável e automaticamente a abertura da boca”. O Juiz José Papão apresentou um voto de vencido.

Em 2014, o Tribunal da Relação do Porto mandou repetir um julgamento devido ao teor da decisão do Tribunal Judicial de Gondomar. Uma mulher, com dois filhos e que trabalhava como ajudante de cozinha, foi obrigada por um homem que conheceu a prostituir-se nas ruas do Porto. O agressor ameaçava-a de contar aos filhos qual era a sua atividade, caso ela deixasse de obedecer-lhe. O coletivo de juízes não acreditou que o sentimento de vergonha tivesse demovido Deolinda de denunciar os atos violentos do seu agressor, já que este argumento “não era muito plausível para quem” conseguia “prostituir-se”.

Num processo de negligência médica de 2014, dois juízes e uma juíza do Supremo Tribunal Administrativo decidiram reduzir a indemnização a pagar a uma mulher que tinha ficado com lesões irreversíveis na sequência de uma cirurgia, argumentando que para a vítima, com “50 anos e dois filhos”, “a sexualidade” já não tinha “a importância que assume em idades mais jovens”.

Em 2016, o Tribunal da Relação de Coimbra deu razão Tribunal de Castelo Branco, que absolveu um sexagenário acusado de manter uma conversa pornográfica com uma menor de dez anos. Em outras ocasiões, este homem já a tinha agarrado, beijado e tocado na vagina à força. Os juízes Orlando Gonçalves e Inácio Monteiro consideraram que, não obstante as expressões do arguido terem “intensidade pesada e baixamente sexual” não houve qualquer diálogo porque a menor não respondeu e fugiu.

Também em 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa deu como provado que, durante três anos, um homem insultou a mulher e a filha, intimidou-as, inclusive mediante a presença de uma arma em casa, e que, por duas vezes, violou a sua esposa. Os juízes José Adriano e Vieira Lamim condenaram o agressor a uma indemnização de somente 750 euros e a pena suspensa de quatro anos e onze meses por um crime de violência doméstica e dois de violação.

Em 2018, os juízes desembargadores da Relação de Guimarães Jorge Bispo e Pedro Cunha Lopes absolveram um jovem de 19 anos, que esfaqueou a ex-namorada, de tentativa de homicídio qualificado, condenando-o apenas a pena suspensa de cinco anos de prisão. Os juízes argumentaram que o esfaqueamento foi um ato “repentino”, distinto do “plano criminoso”, e que, movida pelo ciúme, a atitude do agressor, sendo “muito reprovável”, não permitia “qualificar de fútil, isto é, de insignificante, sem sentido, o motivo de que o homicídio tentado resultou”.

Em outubro de 2018, uma decisão do Tribunal Judicial de Viseu põe em causa que uma mulher moderna e autónoma possa ser vítima de violência doméstica. “Denotou em audiência de julgamento ser uma mulher moderna, consciente dos seus direitos, autónoma, não submissa, empregada e com salário próprio, não dependente do marido”, lê-se na decisão. “O seu carácter forte e independente foi mesmo confirmado por várias testemunhas [...]. Por isso cremos que dificilmente a assistente aceitaria tantos actos de abuso pelo arguido, e durante tanto tempo, sem os denunciar e tentar erradicar, se necessário dele se afastando”, sinaliza o acórdão, do qual foi relator o juiz Carlos de Oliveira. “A senhora não tinha filhos, portanto, a primeira coisa que podia fazer era sair de casa”, lê-se, por outro lado, nas transcrições do julgamento. O agressor foi absolvido de todos os crimes de violência doméstica e perturbação da vida privada e injúria, sendo apenas condenado por porte de arma, com uma coima de 1600€. 

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