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Oitava grande série de manifestações contra a reforma das pensões em França

Nas ruas, o movimento continua as manifestações contra a reforma das pensões em França. Além disso acontece uma miríade de ações reivindicativas. Na frente política, o Conselho de Estado arrasou o projeto, o Senado pretende abrandar o ritmo da discussão e a esquerda prepara uma moção de censura ao governo e propõe um referendo.
Manifestação contra reforma das pensões de Macron. Paris, janeiro de 2020. Fonte: Attac France.
Manifestação contra reforma das pensões de Macron. Paris, janeiro de 2020. Fonte: Attac France.

Esta quarta-feira voltou a ser dia de “jornada nacional interprofissional de mobilização” contra a reforma das pensões em França. A oitava depois de, na sexta-feira passada, terem sido 1,3 milhões de pessoas nas ruas segundo os sindicatos. Com as contas finais deste dia ainda por fazer, aparentemente terão sido menos os manifestantes desta feita. Mas o que é certo é a duração notável do processo de luta, um dos mais longos da história recente do país.

Nas maiores cidades de França, o mesmo aparato, feitos de cartazes, canções, coreografias, entre outras ações mais imaginativas, continua a dizer não à reforma das pensões. Leem-se e ouvem-se palavras de ordem como “em greve até à morte”, “vai-se sempre longe de mais para quem não quer ir a lado nenhum”, “Macron reforma-te aos 42 anos, não te vamos impedir”.

Ao fim da tarde, os sindicatos voltam a reunir-se para decidir como dar seguimento aos protestos.

Greves e protestos variados e prolongados: a cartografia dos movimentos sociais

Entretanto, as greves dos transportes que foram o esteio do movimento durante mais de um mês, abrandaram definitivamente. Os sindicalistas dizem que é preciso “parar para ganhar fôlego”.

Um novo setor emerge agora como o epicentro da luta: o dos trabalhadores da energia que dizem que estão a “pegar o testemunho” dos trabalhadores dos transportes. A sua luta começara a cinco de dezembro mas foi ganhando destaque apenas nos últimos tempos.

Para isso contribuíram, e muito, as ações espetaculares de apagões de eletricidade em várias cidades. Os bloqueios à porta de centrais nucleares, como a maior do país em Gravelines, também foram ganhando destaque nas notícias. Aqui desde 14 de janeiro que os trabalhadores se concentram à porta das instalações. E outros pontos como a barragem de Grand'Maison foram paralisados.E os estivadores, com os seus bloqueios de portos, também começaram a ser mais notados.

A última novidade deste setor vem da decisão de alargar a greve até três de fevereiro em três incineradoras dos arredores de Paris que servem seis milhões de pessoas. Estas estão bloqueadas desde dia 23 e a administração pede já uma requisição civil. Em causa está não apenas a acumulação de detritos mas sobretudo a falta de energia. Já que a companhia de aquecimento urbano de Paris obtém 47% da sua energia através destes fornos de incineração.

E há muito mais mobilizações de várias ordens a acontecer no país. Tantas que um coletivo de geógrafos do Ensino Superior criou um mapa colaborativo para “cartografar os movimentos sociais em curso: saúde, educação, justiça, cultura, transportes, indústria ou energia” de um movimento cuja amplitude “impressiona”.

É uma forma de informarem, de apoiarem o movimento e dizerem que não se resignam “à rutura do serviço público de ensino e investigação organizada nos últimos vinte anos” nem “caucionam o clima de competição e concorrência” imposto.

Conselho de Estado critica governo

Não são apenas os trabalhadores a lançar críticas à reforma de Macron. O insuspeito Conselho de Estado francês, instituição independente encarregue de aconselhar o governo, emitiu no passado dia 24 uma posição extremamente crítica sobre a reforma das pensões. A entidade começa por criticar o governo por não ter tido tempo para “assumir a sua missão com a serenidade e o período de reflexão necessários para garantir no mínimo a segurança jurídica” do documento, algo “lamentável” dado tratar-se de uma reforma “destinada a transformar durante as próximas décadas (…) uma das componentes maiores do contrato social”.

Para além do timing, o mais alto corpo de funcionários estatais arrasa o estudo de impacto financeiro por ser “insuficiente” e ter “projeções financeiras lacunares” sobre aspetos essenciais da reforma. Sendo a proposta de reforma, um documento em que se “perde a visibilidade de conjunto”.

Esquerda unida vai apresentar moção de censura

Na frente política, também há várias movimentações. O Senado, de maioria de direita, quer o levantamento do procedimento acelerado, através do qual o governo procura força uma discussão e aprovação-relâmpago do projeto.

Transversal a direita e esquerda é o pedido de que o Conselho Constitucional se pronuncie sobre o estudo de impacto. Quatro grupos parlamentares (Republicanos, PS, França Insubmissa e Partido Comunista Francês) reforçam assim a ideia de que este é incompetente.

À esquerda, haverá uma moção de censura contra o governo em fevereiro que juntará os grupos parlamentares dos “insubmissos”, comunistas e socialistas. De acordo com o dirigente da La France Insoumisse, Jean-Luc Mélenchon, em declarações à BFMTV, “os deputados falhariam ao seu dever se não utilizassem todas as armas possíveis para atrasar a decisão final”.

Os grupos da esquerda parlamentar concordaram unir-se para utilizar todas as armas regimentais possíveis para tentar impedir o andamento de um processo que o governo pretendia célere. 75 deputados escreveram também o presidente da Assembleia da República, Richard Ferrand denunciando “uma democracia expeditiva” e “condições de trabalho inadmissíveis que apenas inspiram vergonha”.

Outra das cartas jogadas pela esquerda é uma moção que pretende levar o projeto a referendo. Se aprovada, implicaria a suspensão da discussão. Mas as várias iniciativas de unidade ficam curtas de acordo com a matemática parlamentar.

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