Observatório da Fundação para a Saúde chumba medidas do Governo

10 de dezembro 2024 - 12:24

O primeiro relatório do recém-criado Observatório arrasa o plano de emergência apresentado pela ministra e diz que a incapacidade de fixar profissionais vai tornar o SNS ainda mais “anémico”.

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Observatório da Fundação para a Saúde

A Fundação para a Saúde lança esta terça-feira o seu Observatório (OSNS) que irá lançar anualmente o relatório “SNS em foco” com os objetivos de “estabelecer e explicitar detalhadamente um quadro de expetativas” em relação ao desenvolvimento do SNS e do sistema de saúde português, comparar as expetativas com a realidade da implementação das políticas de saúde e tirar lições dessa comparação.

No primeiro relatório, cujas conclusões são avançadas pelo Expresso, o OSNS faz um balanço negativo da orientação do atual Governo e também deixa críticas aos anteriores executivos. O principal problema diagnosticado é a incapacidade de atrair e reter profissionais, com consequências graves na falta de acesso da população aos cuidados de saúde em Portugal.

As críticas centram-se nas medidas apresentadas pela ministra da Saúde no Plano de Emergência e Transformação da Saúde, no qual o Observatório diz que “seria razoável esperar que uma política para as profissões de saúde no SNS teria especial proeminência nesse Plano de Emergência”. No entanto, o plano que o Governo encomendou ao médico e empresário Eurico Castro Alves “não dá qualquer relevo à prioridade evidente de tomar medidas urgentes para atrair e reter profissionais de saúde no SNS”, apontam.

Algumas das medidas do Governo, prossegue o relatório, irão tornar o SNS ainda mais “anémico”. E no que diz respeito à capacidade do SNS atrair e reter profissionais de saúde de que necessita, “a situação não pára de se agravar – abertura equivocada de concursos necessários, atrasos nas contratações, negociações sindicais insuficientes e continuação do abandono.”

Para o OSNS, as transformações prescritas pelo líder da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos e aceites pelo Governo “têm um efeito adverso”, referindo-se á criação se 20 Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo C no setor social e privado, o estabelecimento de Centros de Atendimento Clínico – públicos ou privados, começando por Lisboa e Porto, e a implementação de consultas de cuidados de saúde primários no Hospital de Cascais (único hospital português em Parceria Público-Privado). Ou seja, na leitura do OSNS o Governo considera que “como as unidades do SNS deixaram de ser atrativas para os profissionais, há que promover soluções privadas”, em vez de “recorrer aos instrumentos disponíveis para corrigir rapidamente problemas há muito identificados”.

Ou seja, ao não fazer “o investimento indispensável no SNS”, o que o Governo está a provocar é uma situação em que “atrás dos doentes transferidos para o setor privado irão os recursos financeiros necessários e atrás de ambos irão os profissionais de saúde do SNS”.

Em suma, ao contrário do que o nome indica, o que o plano do Governo faz não é transformar o SNS melhorando a sua resposta, “mas mas antes transformar a natureza do sistema de saúde”. E fá-lo “sem qualquer desenho estratégico”, num plano onde “nada é minimamente fundamentado e não há qualquer indicação da magnitude e origem dos recursos associados ao 'plano' (aspetos essenciais para um plano ser um plano)”. Essa ausência é também um indicador “que os recursos de planeamento do Ministério da Saúde e da Administração Pública ou não foram utilizados, ou o foram muito insuficientemente”, apontam. Pela positiva, apontam as medidas contra as listas de espera cirúrgicas, sobretudo em oncologia, e a nova componente obstétrica da linha de atendimento SNS24.

As críticas do Observatório da Fundação para a Saúde estendem-se também aos anteriores executivos, por exemplo sobre a ausência de uma avaliação independente da gestão da covid-19, ao contrário do que foi feito noutros países. Mas também à falta de empenho na expansão das USF do modelo B ou na criação do Registo de Saúde Eletrónico, que ao fim de 15 anos de existência ainda não saiu do papel.

No ciclo político iniciado em 2015 e encerrado com as últimas eleições legislativas, o OSNS distingue entre o período até 2020, a pandemia de 2020-21 e o período pós pandémico até 2023. E critica que algumas das iniciativas mais importantes para transformar o SNS tenham sido tomadas tardiamente, limitando a sua eficácia. Na comparação entre expetativas e realidades do anterior e do atual ciclo político, o documento escolhe quatro temas para analisar em detalhe: Pessoas, comunidade e saúde local; Resposta do SNS e do sistema de saúde à doença aguda; Resposta do SNS e do sistema de saúde às situações de morbilidade múltipla e dependência; e Plano plurianual de desenvolvimento do SNS – o Quadro Global de Referência do SNS.

Outra conclusão deste relatório é que apesar dos progressos significativos alcançados nas últimas décadas em indicadores como a mortalidade infantil e a esperança de vida, nem todos os anos de vida ganhos são vividos com boa saúde, especialmente entre os idosos.

“Não se pretende que todos estejam de acordo com a análise proporcionada pelo SNS em Foco 2024. Procuram-se sim, explicações plausíveis para os desvios observados às expetativas formuladas, no âmbito das diferentes situações analisadas, assim como identificar os pontos de acordo e desacordo e beneficiar com o debate e a discussão”, refere a apresentação deste relatório.