As negociações com o Governo arrastam-se sem resultados e a mudança de ministro não significou mais abertura para atender as reivindicações dos médicos. Esta quarta-feira, no primeiro dia da greve convocada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), há concentração às 15h em frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa. Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM, explicou ao Esquerda.net as razões desta greve.
As reuniões entre sindicatos e Ministério arrastam-se há meses sem resultados concretos. Qual é o ponto da situação?
Estamos num ponto pior do que estávamos anteriormente. Na última reunião negocial, entre a FNAM e o Ministério da Saúde, foi-nos apresentada, pela terceira vez, uma proposta que prevê perda de direitos: introduzir novos parâmetros, mais alargados, para as listas de utentes dos médicos de família; e aumentar em mais cinco anos a idade para os médicos fazerem trabalho noturno e serviço de urgência.
Por outro lado, não nos é apresentada nenhuma proposta de valorização salarial nem de melhoria das condições de trabalho. É inadmissível: estamos numa situação insustentável e o SNS não aguenta este caminho – que é uma escolha política do Governo – de desinvestimento nos médicos e profissionais de saúde.
Os médicos do SNS estão sem esperança e sem futuro. O Ministro apenas propõe mais trabalho até à exaustão, a impossibilidade de conciliar a nossa vida profissional com a vida pessoal e familiar e baixos salários.
A pandemia veio agravar o estado de exaustão dos profissionais do SNS. Além dos elogios do Governo, o que receberam em troca?
E mesmo elogios… foram poucos. Até o Primeiro-Ministro nos chamou de cobardes em plena pandemia, quando estivemos totalente entregues ao seu combate, num esforço inaudito.
A situação não estava fácil antes da pandemia e durante a pandemia demos, realmente, o nosso melhor. Esperávamos, apesar de tudo, que depois houvesse abertura para, pelo menos, negociar melhores salários e condições de trabalho, que o SNS fosse devidamente valorizado. Mas não, esbarramos contra uma parede.
No último ano houve mudança de ministro e a criação da direção executiva do SNS. Ainda é cedo para um balanço completo, mas como olham para essas mudanças?
O Dr. Manuel Pizarro sentou-se connosco na mesa negocial, nas duas primeiras reuniões, ao contrário da sua antecessora. Esperávamos que essa mudança de atitude trouxesse alguma vontade política em negociar, mas foi o contrário: mais do mesmo.
Entre as razões da greve está a falta de respostas do Governo quanto às grelhas salariais e o que chamam de "falta de medidas para salvar o SNS". No vosso entender, que medidas seriam essas?
É começar por priorizar o SNS. Não podemos continuar a assistir à fuga de médicos e profissionais de saúde para o sector privado e para a emigração como temos assistido. É uma sangria brutal. E isso só se combate valorizando o trabalho dos médicos no SNS. Tem de se começar por aí, mas não basta. É preciso melhorar condições de trabalho, a nível das infraestruturas e dos equipamentos. É preciso reduzir as listas de utentes dos médicos de família, para melhorar os cuidados de proximidade. É preciso reduzir o trabalho em serviço de urgência, das 18 para as 12 horas, para permitir que descansemos e possamos melhor cuidados dos nossos doentes. É preciso reverter as medidas da troika, repondo dias de férias, por exemplo. Precisamos de ter a perspetiva que há vida para além do trabalho, estando em casa sabendo que o SNS garante os cuidados de saúde para todas as pessoas. Não podemos continuar a trabalhar nesta aflição. Se estas medidas fossem atendidas, mais médicos ficariam no SNS.