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O setor da energia tem lucros extraordinários. Porque é que lhe falta liquidez?

O setor da energia tem estado em destaque pelos lucros extraordinários que as principais empresas têm registado, mas pode enfrentar dificuldades em breve. Em causa estão movimentos financeiros especulativos que podem obrigar o Estado a resgatar empresas com dinheiro público.
Foto: Alan Irons/Flickr.
Foto: Alan Irons/Flickr.

Nos últimos tempos, o setor da energia tem estado em destaque pelos lucros extraordinários que as principais empresas têm registado. Em Portugal, a Galp viu os seus lucros aumentar 153% só nos primeiros seis meses do ano (comparando com o mesmo período do ano anterior), e a EDP Renováveis teve um aumento dos lucros de 87% no mesmo período, seguindo a tendência internacional. Há poucas dúvidas de que o setor está a beneficiar da escalada dos preços do petróleo, do gás e da eletricidade.

Mas apesar dos ganhos extraordinários do setor, as empresas podem encontrar-se em dificuldades financeiras em breve. O Financial Times avança que alguns países europeus estão preocupados com os riscos de uma crise nas empresas energéticas. Para explicar este aparente paradoxo, é preciso olhar para os mercados financeiros e, em particular, para os chamados “produtos derivados futuros”.

O que são os contratos futuros?

As empresas produtoras de eletricidade recorrem ao mercado de “futuros” para se salvaguardarem em relação aos riscos da sua atividade. Os futuros são contratos celebrados entre duas partes, em que uma acorda entregar à outra um determinado produto numa data posterior, a um preço fixo. As empresas apostam nestes produtos para se protegerem de mudanças nos preços da eletricidade: se o preço cair, as perdas serão mitigadas pelo ganho que obtêm com os contratos futuros, ao passo que se o preço subir, os lucros permitirão cobrir o custo do contrato.
 
Num contrato futuro, quando o preço do ativo (neste caso, a eletricidade) sobe, o vendedor tem de apresentar ativos colaterais adicionais. E é isso que está a preocupar as gigantes energéticas: como muitas tentaram proteger as suas vendas através de contratos futuros assinados há vários meses (ou mesmo anos), a escalada dos preços obriga-as agora a apresentar ativos colaterais de centenas de milhões de euros.
 

De onde vêm as dificuldades do setor energético?

O economista Paulo Coimbra explica que a volatilidade dos preços da energia “gerou uma necessidade tal de colateral que compromete a viabilidade económica e financeira das empresas que estão obrigadas a fornecê-lo, ou seja, das empresas que se comprometeram a vender no futuro, digamos, por 100, energia que atualmente custa 475 e que agora estão contratualmente obrigadas a mostrar capacidade de honrar o seu compromisso”.
 
Este tipo de negócio pode ser lucrativo quando a energia for verdadeiramente vendida, mas as condições dos contratos futuros obrigam as empresas a apresentar colaterais muito elevados e pode levar algumas a esgotar os seus recursos no curto prazo. É por isso que se fala de uma crise de liquidez no setor. Algumas estimativas apontam para que faltem 1,5 biliões de euros em colaterais – mais de 5% do PIB de toda a Europa.

Novos resgates com dinheiro público?

Os principais operadores do mercado de futuros na Europa são o Nasdaq, na Suécia, o ICE Futures Europe, em Londres e em Amesterdão, e a EEX, na Alemanha. São estes que gerem os riscos dos produtos financeiros derivados e que requerem os tais ativos colaterais como prova de capacidade de pagamento. Para satisfazer estas condições, as grandes empresas da energia costumam recorrer a linhas de crédito dos bancos. No entanto, nos últimos meses, já há sinais de que alguns destes créditos podem estar a chegar ao limite.
 

“Temos todos os ingredientes para uma versão do Lehman Brothers no setor energético”, disse o ministro da Economia finlandês, Mika Lintillä, numa alusão à crise financeira desencadeada pelo colapso do banco norte-americano. Alguns governos estão a ponderar novas linhas de crédito garantidas pelo Estado para apoiar as empresas energéticas. Vai ganhando força a possibilidade de os Estados serem chamados a resgatar as grandes empresas do setor e a cobrir as perdas da especulação financeira, à semelhança do que aconteceu com os bancos em 2008.

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