A ditadura de Miguel Primo de Rivera em Espanha deve ser entendida como parte de um tempo histórico marcado pelo terramoto sócio-político que se seguiu à Primeira Guerra Mundial em toda a Europa. Tal como Benito Mussolini, Miguel Primo de Rivera, marquês de Estella, soube beneficiar desse contexto de crise profunda.
A sua chegada ao poder com o golpe de Estado de 13 de setembro de 1923 e o apoio que recebeu inicialmente de diversos grupos conservadores apenas se podem explicar neste contexto de grandes dificuldades para o sistema político da Restauração.
Assim como o ditador italiano, Primo de Rivera apresentou-se como a alternativa regeneracionista que iria acabar com um sistema corrupto controlado por uma oligarquia de caciques e políticos profissionais. Primo vendeu-se como um homem providencial, um Messias destinado a salvar a nação do seu desaparecimento e um líder que lutava contra umas elites imorais que afogavam o povo virtuoso.
Mas, ao contrário de Mussolini, ao chegar ao poder o marquês de Estella impôs um regime castrense.
O início da ditadura
Como presidente do Diretório Militar (1923-1925), Primo afastou todos os governadores civis. Trocou-os por militares de alta patente e criou a figura dos delegados governativos. Estes eram oficiais do Exército nomeados para cada uma das divisões judiciais do país com objetivo de controlar a política municipal e destruir as redes de caciques.
O ministério da Governação passou para as mãos do general Severiano Martínez Anido, bom amigo de Primo de Rivera. Foi uma figura chave na organização de assassinatos de sindicalistas em Barcelona. Instaurou-se o estado de guerra de um modo permanente, a censura tornou-se omnipresente e o sistema judicial foi claramente submetido ao executivo. Isto tornou-se especialmente patente depois de Primo ter ordenado a libertação de La Caoba, uma conhecida madame sua amiga detida por tráfico de drogas.
A ditadura combinou censura e propaganda para silenciar os opositores. Entretanto, fomentava um discurso nacionalista, populista e regeneracionista que conseguiu ter bom acolhimento em amplos setores da sociedade espanhola. Tudo isto aconteceu sob um extenso sistema repressivo montado por Primo de Rivera e Martínez Anido, com milhares de detidos, centenas de desterrados e dezenas de executados.
Para além disso, a guerra no Protetorado espanhol de Marrocos foi uma das principais preocupações do ditador.
O conflito, com altos níveis de brutalidade de ambos os lados, com a pender para o lado espanhol depois do desembarque de Alhucemas em setembro de 1925.
Depois de encaminhada a guerra em África, Primo de Rivera decidiu perpetuar-se no poder criando um Diretório Civil. Apostava assim na construção de um novo Estado autoritário.
Diretório Civil
Com o Diretório Civil (dezembro de 1925-janeiro de 1930), Primo de Rivera tentou criar uma nova Espanha moderna e profundamente contra-revolucionária.
A continuidade da censura e a repressão aos críticos do regime; a convocatória de um “plebiscito” sobre a figura do marquês de Estella (que foi na realidade uma recolha de assinaturas); a criação da Assembleia Nacional, a primeira câmara corporativa na Europa do século XX; a implantação de um modelo corporativo, influenciado pelo fascista italiano, para solucionar os conflitos laborais; e o projeto de uma nova constituição, que reforçava o poder do executivo, foram alguns dos fatores através dos quais Primo de Rivera foi formulando um novo Estado antiliberal.
A construção do novo regime de Primo de Rivera também implicou um investimento sem precedentes em obra pública. Formaram-se monopólios estatais de telefones, petróleo, tabaco e transportes, geralmente geridos por grandes empresas privadas, e gerou-se uma dívida pública desmedida. Para além disso, a expansão estatal, a ganância dos primorriveristas, a falta de controlos e o despotismo com que o marquês de Estella exercia o poder converteram a Ditadura num regime profundamente corrupto.
As políticas do Diretório Civil conduziram à paulatina perda de apoio da ditadura por parte de grupos sociais que, em setembro de 1923, se tinham mostrado a favor do golpe de Estado. A hierarquia da Igreja católica e os seus grupos políticos afins – catalanistas conservadores, amplos sectores das classes altas urbanas e rurais, bem como funcionários e profissionais das classes médias – foram abandonando o ditador.
A perda de apoio social da ditadura primorriverista é, claro, uma das chaves para entender a queda do marquês de Estella. Mas foram as tensões entre Primo de Rivera e Afonso XIII, a perda de apoio entre alguns segmentos do Exército, como sectores de Infantaria, e a aberta oposição de outros, como a arma de Artilharia no seu conjunto, que, em última instância, obrigaram o ditador a demitir-se a 28 de janeiro de 1930.
Ainda assim, rapidamente tentou retomar o poder e começou a organizar outro golpe de Estado, desta vez com assumidas conotações republicanas. Contudo, os seus planos para voltar a liderar o país foram imediatamente recusados pelos seus antigos colaboradores.
Nos inícios de fevereiro, Primo, doente com diabetes e magoado com o que considerava uma traição dos seus companheiros de armas, mudou-se para Paris. Ali iria morrer de uma embolia a 16 de março de 1930.
O governo do general Dâmaso Berenguer desmantelou rapidamente a ditadura de Primo de Rivera. Apesar disso, o seu legado no âmbito ideológico e a continuidade do pessoal político seriam determinantes para todo o espetro da extrema-direita durante a Segunda República, a Guerra Civil e a ditadura franquista.
Alejandro Quiroga Fernández de Soto é investigador na Universidade Complutense de Madrid.
Texto originalmente publicado no The Conversation a 13 de setembro de 2023.
Traduzido para português por Carlos Carujo.