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No centenário da Casa do Alentejo: associativismo em tempo de ditadura

A Casa do Alentejo comemora este sábado cem anos. Uma ocasião para lembrar o papel de quatro dos seus dirigentes na luta contra o fascismo. Por Luís Carvalho.
 António Carrilho, dirigente da Casa do Alentejo, preso pela PIDE em 1947.
António Carrilho, dirigente da Casa do Alentejo, preso pela PIDE em 1947.

Era um projeto na fragilidade dos seus primeiros passos, ainda sem sede própria. Quando um golpe militar submeteu Portugal a uma ditadura, em 1926.

Foi constrangida nesse contexto que a Casa do Alentejo cresceu e se consolidou. Ao longo de quase metade do centenário que agora está celebrando.

Vitor Santos

De uma forma geral, nesse longo tempo de ditadura, as associações de cariz cultural e recreativo puderam continuar a eleger democraticamente os seus corpos sociais. E constituíram, aliás, um importante espaço de intervenção cívica para muitos antifascistas.

Na Casa do Alentejo, um exemplo mais paradigmático terá sido o professor Vitor Santos.

Por onze vezes que ele foi eleito como presidente da direção. Além de outras funções, dirigiu a revista daquela associação a partir de 1937, e até falecer, já depois do 25 de Abril,

Vitor Santos era um assumido opositor à ditadura. Em 1945, participou na fundação do MUD (Movimento de Unidade Democrática); e em 1949, na campanha presidencial de Norton de Matos.

Durante mais de vinte anos (a partir de 1932), foi ele o diretor do principal jornal antifascista alentejano que se publicava na legalidade: o «Democracia do Sul», sediado em Évora.

Foi ainda ele quem presidiu, em 1954, à reunião fundadora da «Sociedade Portuguesa de Escritores». Uma importante coletividade cultural, da qual Vitor Santos chegou a ser vice-presidente (eleito). Mas que acabaria dissolvida pela ditadura, em 1965.

António Carrilho

O que começou por ser uma ditadura militar, em 1926, transformou-se num regime de tipo fascista, em 1933. Sob a liderança de Salazar.

Foi esse regime que dissolveu a Sociedade de Escritores. Embora, de uma forma geral, não submetesse as associações culturais e recreativas ao mesmo nível de controle e repressão que impôs a outras organizações, em especial aos sindicatos de trabalhadores.

Não deixou foi de vigiar muitas atividades das associações toleradas. Nem deixou de prender muitos dirigentes associativos legitimamente eleitos…

No dia 25 de março de 1947, a PIDE (polícia política) prendeu um membro da direção da Casa do Alentejo. E manteve-o recluso durante dois meses, no Forte de Caxias.

Seu nome era António Carrilho.

O fim do seu cativeiro, e o seu regresso à vida coletiva, ficou registado em ata da direção da Casa do Alentejo. Nos termos que passamos a citar:

O senhor presidente [Vitor Santos] manifesta a sua satisfação pelo motivo do senhor António Carrilho regressar ao nosso convívio e ao desempenho das funções diretivas onde tem prestado os melhores serviços à Casa do Alentejo. O senhor António José Bravo, pelo Conselho Fiscal, associa-se às palavras do senhor presidente, agradecendo o senhor Carrilho a maneira como vem de ser acolhido” [ata nº21 da direção, de 21 de Maio de 1947].

António Carrilho faleceu alguns anos depois. Sendo então enaltecido como um exemplo de “republicano e democrata de firmes convições” [jornal «República», 08/02/1956, pág. 6].

Ramon de la Feria

Quando se deu o golpe que instaurou a ditadura militar, em 1926, era ele o presidente da direção da Casa do Alentejo. E foi já depois do exercício dessas funções que que lhe calhou ser duas vezes preso político.

Chamava-se Ramon Nonato de La Feria. E passou, ao todo, dois anos encarcerado, na década de 1930.

Mas continuou ativo naquela coletividade até ao final da vida, como médico responsável pelo posto clínico ali inaugurado em 1941.

E também continuou a ser vigiado pela PIDE, ao longo dos anos…

Velho democrata republicano e antigo combatente da 1ª Guerra Mundial, o capitão Ramon de la Feria teve um relevante papel na resistência à ditadura, como dirigente da Maçonaria.

Quer antes, quer depois da Maçonaria ser remetida à clandestinidade, em 1935.

Isto além de intervenções mais visíveis, nomeadamente na fundação do MUD, em 1945.

Como tantos antifascistas, Ramon de la Feria morreu sem ver o fim da ditadura.

Mas dele se disse que “manteve-se firme nas suas convicções e na atitude sempre assumida a despeito das maiores contrariedades e perseguições de que foi alvo”. E que “jamais tergiversou ainda quando muitos hesitavam e outros procuravam posições mais cómodas” [jornal «O Século»,11/11/1970, pág. 12].

Era o elogio possível, perante a censura prévia que a ditadura impunha à imprensa…

António Casanova

Houve pelo menos um terceiro dirigente da Casa do Alentejo que foi preso político, sob a ditadura de Salazar.

Tinha o nome de António Casanova e era uma figura grada do associativismo em Portugal.

Quando foi preso, em 1938, era o presidente da direção da «Associação de Socorros Mútuos dos Empregados no Comércio e Indústria». E liderava também a “comissão de propaganda” que na época deu brado aos «Inválidos do Comércio» – uma coletividade que chegou então a reunir mais de quarenta mil sócios.

Foi já marcado como ex-preso político que António Casanova foi várias vezes eleito para os corpos sociais da Casa do Alentejo, nas décadas de quarenta, cinquenta e sessenta.

Faleceu quase nove anos antes do 25 de Abril. E terá sido “sempre um homem íntegro e coerente com os seus ideais republicanos” e democráticos [jornal «República», 02/11/1965, pág. 15].

Associativismo

Estes quatro antifascistas merecem, por certo, um lugar de honra na história da agora centenária Casa do Alentejo.

E não são casos isolados, no quadro mais geral do associativismo no tempo da ditadura.

Pelo contrário, simbolizam bem como, também aí, se fez sentir a repressão salazarista.


Nota: a imagem de António Carrilho que ilustra este artigo é do “Registo Geral de Presos”, Arquivo PIDE/DGS - Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

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