Europeias 2024

“Não podemos dizer que queremos dois estados quando só reconhecemos Israel”

24 de maio 2024 - 12:09

Catarina Martins criticou a posição do Presidente da República de que “não é o momento adequado” para o reconhecimento do Estado da Palestina. E lembrou a viagem de Mário Soares a Gaza em 1995 “para ajudar a que os acordos de Oslo pudessem fazer caminho”.

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Catarina Martins
Catarina Martins. Foto RTP/Flickr

Em entrevista ao programa 360º da RTP3, a cabeça de lista do Bloco às eleições europeias criticou esta quinta-feira as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, que se opôs a que Portugal seguisse o exemplo dado pela Espanha, Irlanda e Noruega esta semana e antes seguido pela grande maioria de países do mundo: o reconhecimento do Estado da Palestina. Apesar da guerra de extermínio que Israel tem levado a cabo na Faixa de Gaza - que valeu aos seus líderes mandados de captura pedidos pelo procurador do Tribunal Penal Internacional - e do aumento da perseguição aos palestinianos na Cisjordânia, o Presidente português diz que este “não é o momento adequado” para aquele passo diplomático.

“Portugal já provou que pode mais, que pode melhor no cenário internacional”, afirmou Catarina Martins, recordando que “em 1995, Mário Soares, enquanto Presidente da República, foi a Gaza. Tinha relações com Israel e a Palestina e  esteve em Gaza para ajudar a que os acordos de Oslo pudessem fazer caminho. Portugal afirmava-se como mediador que acreditava mesmo na solução de dois estados”. Passados quase 30 anos, conclui Catarina, “Portugal nem sequer reconhecer a Palestina, porque nós não podemos dizer que queremos dois estados quando só reconhecemos Israel, é absolutamente lamentável”.

Alianças dos Verdes à direita “acabaram por dar mais força à extrema-direita”

A questão do genocídio em Gaza também foi lembrada a propósito do que já apelidou de “eurocinismo” das grandes famílias políticas europeias, de que a situação alemã é o melhor exemplo: “o governo alemão é formado por sociais-democratas da família do Partido Socialista, por liberais e por verdes, e está a mandar armas para Netanyahu”. Catarina considera o que se está a passar na Alemanha “gravíssimo, e precisava de uma denúncia forte que não estamos a ver”, nomeadamente por parte dos partidos que integram os Verdes europeus, o que em Portugal inclui o PAN e o Livre.

“Portugal deve ter uma postura clara de defesa do direito internacional contra crimes de guerra pelos direitos humanos, mas é também importante pela forma como nós vemos a União Europeia. Nós não podemos aceitar que a União Europeia tenha esta posição cínica de achar que está tudo bem com Gaza e não impor sanções a Israel. Enfim, é preciso denunciar muito claramente os governos que têm esta posição e que são cúmplices do massacre que está a acontecer”, resumiu a candidata do Bloco às eleições de 9 de junho.

Questionada sobre as diferenças com o grupo europeu da Esquerda, apontou a estratégia dos Verdes europeus “de aliança com a direita, mesmo com os liberais, e com essa aliança acabaram por fazer com que a extrema-direita ganhasse mais força, como se vê agora com as alianças que o PPE está a fazer”, procurando integrar o grupo de Giorgia Meloni na maioria que governa a UE.

E contrapôs que o grupo da Esquerda tem sido “uma força que consistentemente tem defendido o direito internacional e tem defendido soluções para a paz, que consistentemente tem defendido uma agenda ambiental e climática, que consistentemente defende os direitos das mulheres, o direito das minorias”, sublinhando que no próximo período isso vai ser importante na Europa, haver “quem tenha a coragem de defender os direitos das mulheres”. E é com essa força “que o Bloco se articula, que é uma força de esquerda, é uma força que é ambientalista e que percebe que na União Europeia ou temos projeto comum, coletivo, de comunidade para as grandes missões deste tempo, ou estaremos a dar mais espaço à política do ódio”.

“Eu não quero ter dinheiro internacional contra a democracia para crescer”

Questionada sobre as razões do ascenso da extrema-direita nos últimos anos e que as sondagens indicam que prossiga nas eleições europeias, Catarina destacou o investimento feito nesses partidos através do financiamento vindo da órbita de Vladimir Putin e de grupos ultrarreligiosos que antes não o faziam, mas também a capacidade desses partidos em “cavalgar os problemas que não estão resolvidos na nossa sociedade, do racismo ao machismo, para criar indignação, e com essa indignação conseguir uma enorme audiência. Isso faz-se sim tanto pelos algoritmos das redes sociais, mas também acontece na comunicação social tradicional, que lhes dá imenso espaço”, apontou.

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Para responder a esse crescimento, “eu não quero ter dinheiro internacional contra a democracia para crescer, mas quero ser capaz de mobilizar pessoas”. E deu o exemplo das mulheres em países europeus onde os seus direitos estão sob ataque “a organizarem-se para garantirem, por exemplo, o direito ao aborto seguro e a serem solidárias nos países de umas para as outras”. Catarina defende que são essas maiorias sociais que a esquerda tem que disputar do ponto de vista institucional e do ponto de vista político mais geral. “E acho que esse trabalho está a ser feito. Aliás, as sondagens a nível europeu também dizem que o grupo da Esquerda europeia pode crescer”, acrescentou.

“Agora fazemos de conta que a União Europeia está indefesa. Não é verdade”

A guerra na Ucrânia e a campanha em torno do reforço das despesas militares nos países europeus foi outro dos temas da entrevista, com Catarina a criticar a forma “como se agora faz-se de conta que a União Europeia não investe em defesa”, contrapondo que a União Europeia investe em defesa cinco vezes mais do que a Rússia e tem um gasto na defesa em percentagem do PIB comparável ao dos Estados Unidos, além de contar entre os seus países com uma potência nuclear e exércitos muito fortes.

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“Agora fazemos de conta que a União Europeia está indefesa. Não é verdade. O que está a acontecer é uma outra coisa. Existe um projeto de uma indústria de armamento muito forte na União Europeia, de desviar dinheiro da coesão - ou seja, dos fundos que têm a ver com a nossa capacidade no território, nas infraestruturas, na saúde, na educação - para a indústria de armamento, nomeadamente a indústria de armamento alemã e não só, que, por sinal, está a armar Netanyahu”, prosseguiu Catarina.

Em alternativa a esse projeto, o Bloco está nestas eleições para defender que “a Europa deve ter uma autonomia estratégica em vez de fazer os investimentos que os Estados Unidos decidem que a Europa deve fazer”. E essa autonomia estratégica deve passar pela posição face à guerra na Ucrânia e à forma de “obrigar Putin a retirar as suas tropas da Ucrânia”.

“A Europa fez uma coisa muito bem logo no início da guerra: foi claramente condenar a invasão russa”, apoiar a defesa da Ucrânia e acolher os oito milhões de refugiados que saíram da Ucrânia e que precisavam de apoio. “É preciso apoiar a Ucrânia para se defender, seguramente, porque as pessoas têm direito a defender-se. Nós não podemos dizer que a Ucrânia tem direito à autodeterminação e depois abandonar”. Mas Catarina defende que a União Europeia “pode fazer mais e pode constituir-se como mediadora, em vez de ficar sempre à espera dos Estados Unidos”, numa negociação em que esteja claramente definida à partida a condição de retirada das tropas russas daquele país e que possa incluir a disponibilidade inicial manifestada por Zelensky para a neutralidade da Ucrânia como fator importante para conseguir o caminho da paz. “E a União Europeia, se quisesse ser mediadora, tinha aqui uma capacidade extraordinária nesse caminho”, concluiu a candidata do Bloco.