Em entrevista ao programa 360º da RTP3, a cabeça de lista do Bloco às eleições europeias criticou esta quinta-feira as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, que se opôs a que Portugal seguisse o exemplo dado pela Espanha, Irlanda e Noruega esta semana e antes seguido pela grande maioria de países do mundo: o reconhecimento do Estado da Palestina. Apesar da guerra de extermínio que Israel tem levado a cabo na Faixa de Gaza - que valeu aos seus líderes mandados de captura pedidos pelo procurador do Tribunal Penal Internacional - e do aumento da perseguição aos palestinianos na Cisjordânia, o Presidente português diz que este “não é o momento adequado” para aquele passo diplomático.
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“Portugal já provou que pode mais, que pode melhor no cenário internacional”, afirmou Catarina Martins, recordando que “em 1995, Mário Soares, enquanto Presidente da República, foi a Gaza. Tinha relações com Israel e a Palestina e esteve em Gaza para ajudar a que os acordos de Oslo pudessem fazer caminho. Portugal afirmava-se como mediador que acreditava mesmo na solução de dois estados”. Passados quase 30 anos, conclui Catarina, “Portugal nem sequer reconhecer a Palestina, porque nós não podemos dizer que queremos dois estados quando só reconhecemos Israel, é absolutamente lamentável”.
Alianças dos Verdes à direita “acabaram por dar mais força à extrema-direita”
A questão do genocídio em Gaza também foi lembrada a propósito do que já apelidou de “eurocinismo” das grandes famílias políticas europeias, de que a situação alemã é o melhor exemplo: “o governo alemão é formado por sociais-democratas da família do Partido Socialista, por liberais e por verdes, e está a mandar armas para Netanyahu”. Catarina considera o que se está a passar na Alemanha “gravíssimo, e precisava de uma denúncia forte que não estamos a ver”, nomeadamente por parte dos partidos que integram os Verdes europeus, o que em Portugal inclui o PAN e o Livre.
“Portugal deve ter uma postura clara de defesa do direito internacional contra crimes de guerra pelos direitos humanos, mas é também importante pela forma como nós vemos a União Europeia. Nós não podemos aceitar que a União Europeia tenha esta posição cínica de achar que está tudo bem com Gaza e não impor sanções a Israel. Enfim, é preciso denunciar muito claramente os governos que têm esta posição e que são cúmplices do massacre que está a acontecer”, resumiu a candidata do Bloco às eleições de 9 de junho.
Questionada sobre as diferenças com o grupo europeu da Esquerda, apontou a estratégia dos Verdes europeus “de aliança com a direita, mesmo com os liberais, e com essa aliança acabaram por fazer com que a extrema-direita ganhasse mais força, como se vê agora com as alianças que o PPE está a fazer”, procurando integrar o grupo de Giorgia Meloni na maioria que governa a UE.
E contrapôs que o grupo da Esquerda tem sido “uma força que consistentemente tem defendido o direito internacional e tem defendido soluções para a paz, que consistentemente tem defendido uma agenda ambiental e climática, que consistentemente defende os direitos das mulheres, o direito das minorias”, sublinhando que no próximo período isso vai ser importante na Europa, haver “quem tenha a coragem de defender os direitos das mulheres”. E é com essa força “que o Bloco se articula, que é uma força de esquerda, é uma força que é ambientalista e que percebe que na União Europeia ou temos projeto comum, coletivo, de comunidade para as grandes missões deste tempo, ou estaremos a dar mais espaço à política do ódio”.
“Eu não quero ter dinheiro internacional contra a democracia para crescer”
Questionada sobre as razões do ascenso da extrema-direita nos últimos anos e que as sondagens indicam que prossiga nas eleições europeias, Catarina destacou o investimento feito nesses partidos através do financiamento vindo da órbita de Vladimir Putin e de grupos ultrarreligiosos que antes não o faziam, mas também a capacidade desses partidos em “cavalgar os problemas que não estão resolvidos na nossa sociedade, do racismo ao machismo, para criar indignação, e com essa indignação conseguir uma enorme audiência. Isso faz-se sim tanto pelos algoritmos das redes sociais, mas também acontece na comunicação social tradicional, que lhes dá imenso espaço”, apontou.
Para responder a esse crescimento, “eu não quero ter dinheiro internacional contra a democracia para crescer, mas quero ser capaz de mobilizar pessoas”. E deu o exemplo das mulheres em países europeus onde os seus direitos estão sob ataque “a organizarem-se para garantirem, por exemplo, o direito ao aborto seguro e a serem solidárias nos países de umas para as outras”. Catarina defende que são essas maiorias sociais que a esquerda tem que disputar do ponto de vista institucional e do ponto de vista político mais geral. “E acho que esse trabalho está a ser feito. Aliás, as sondagens a nível europeu também dizem que o grupo da Esquerda europeia pode crescer”, acrescentou.
“Agora fazemos de conta que a União Europeia está indefesa. Não é verdade”
A guerra na Ucrânia e a campanha em torno do reforço das despesas militares nos países europeus foi outro dos temas da entrevista, com Catarina a criticar a forma “como se agora faz-se de conta que a União Europeia não investe em defesa”, contrapondo que a União Europeia investe em defesa cinco vezes mais do que a Rússia e tem um gasto na defesa em percentagem do PIB comparável ao dos Estados Unidos, além de contar entre os seus países com uma potência nuclear e exércitos muito fortes.
“Agora fazemos de conta que a União Europeia está indefesa. Não é verdade. O que está a acontecer é uma outra coisa. Existe um projeto de uma indústria de armamento muito forte na União Europeia, de desviar dinheiro da coesão - ou seja, dos fundos que têm a ver com a nossa capacidade no território, nas infraestruturas, na saúde, na educação - para a indústria de armamento, nomeadamente a indústria de armamento alemã e não só, que, por sinal, está a armar Netanyahu”, prosseguiu Catarina.
Em alternativa a esse projeto, o Bloco está nestas eleições para defender que “a Europa deve ter uma autonomia estratégica em vez de fazer os investimentos que os Estados Unidos decidem que a Europa deve fazer”. E essa autonomia estratégica deve passar pela posição face à guerra na Ucrânia e à forma de “obrigar Putin a retirar as suas tropas da Ucrânia”.
“A Europa fez uma coisa muito bem logo no início da guerra: foi claramente condenar a invasão russa”, apoiar a defesa da Ucrânia e acolher os oito milhões de refugiados que saíram da Ucrânia e que precisavam de apoio. “É preciso apoiar a Ucrânia para se defender, seguramente, porque as pessoas têm direito a defender-se. Nós não podemos dizer que a Ucrânia tem direito à autodeterminação e depois abandonar”. Mas Catarina defende que a União Europeia “pode fazer mais e pode constituir-se como mediadora, em vez de ficar sempre à espera dos Estados Unidos”, numa negociação em que esteja claramente definida à partida a condição de retirada das tropas russas daquele país e que possa incluir a disponibilidade inicial manifestada por Zelensky para a neutralidade da Ucrânia como fator importante para conseguir o caminho da paz. “E a União Europeia, se quisesse ser mediadora, tinha aqui uma capacidade extraordinária nesse caminho”, concluiu a candidata do Bloco.