Os drones votam em Bruxelas

porLuís Fazenda

23 de maio 2024 - 10:11
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Entre o tratado orçamental e a militarização, o que vai sobrar para o clima? Essa é a grande pergunta do nosso tempo para evitar o desastre e as respostas que se anunciam são irracionais para a maioria social.

A Defesa militar tornou-se o centro da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. A invasão da Ucrânia pela Rússia, e a guerra de ocupação que lá mantém, são o pretexto da direita para tentar que a opinião pública aceite um significativo aumento das despesas militares. Não especialmente para ação militar conjunta dos 27 mas para um forte investimento em indústrias militares dos países, França, Alemanha, Suécia, Itália e outros. O receio de uma eventual vitória de Trump nas eleições presidenciais  americanas tem sido utilizado como argumento de orfandade europeia. Trump dificultaria o reabastecimento dos exércitos europeus, razão acrescida, insistem líderes europeus, para um forte investimento militar.

Segundo Sebastião Bugalho, caberia a Portugal produzir capacetes e coletes. O ridículo mata mas foi tomado a sério. A palavra de ordem da elite das potências é armar, armar como nunca! Seria um investimento tão extraordinário que poderia ser acompanhado de eurobonds para a Defesa, ou seja dívida conjunta da União Europeia, a exemplo do que aconteceu com o PRR. Bugalho também quer eurobonds destes. Temos de admitir que é o desejo do governo de Montenegro.

Esta perspetiva é veiculada pelo Partido Popular Europeu, onde se inserem PSD e CDS, e tem sido a bandeira recente de Ursula von der Leyen. Em aliança tácita com Meloni e com o seu grupo de extrema-direita, ECR. O maior problema advém de que os liberais de Macron e outros, parte dos socialistas e parte dos verdes, todos subscrevem esta linha de grande salto em frente na militarização europeia.

Esse investimento militar pode sorrir às multinacionais que encontram aqui um filão aditivado para viverem às custas dos impostos dos cidadãos europeus. Percebemos todos, dados os limites orçamentais europeus, mesmo com eurobonds, que as políticas públicas de coesão interna e coesão social seriam fortemente sacrificadas a favor do armamento.. Tudo isto, à margem do aumento das despesas militares da NATO, onde Portugal, pela palavra do ministro Rangel, se compromete a gastar 2% do PIB em 2030. O Chega, entretanto, quer uma força multinacional de reação rápida (com estranho eco no PAN), em paralelo com a NATO, ou seja, ainda mais gasto.

A lógica agora, mesmo para setores centristas, não é a de apoiar serviços públicos para habitação ou educação, embora sejam graves problemas transversais da União Europeia.

Não se diminui a resistência da Ucrânia, onde a UE não ensaia qualquer tentativa de diálogo dos beligerantes, diga-se, mas o aproveitamento do conflito para a despesa militar é claramente desproporcionado. Bem se verá que a maior parte da produção não tem destino para a Ucrânia mas para os negócios de venda de armas que vários países europeus fazem por todo o mundo.

A Europa ocidental já constitui um grupo com várias potências militares, com despesa comparável à China e superior à Rússia (em valores absolutos). Esta questão é às vezes confundida com o exército europeu que faltaria criar. Não só não é necessário duplicar os exércitos dos países, como ninguém quer isso, a começar pela França e pela Alemanha. Esta corrida armamentista é uma loucura do capitalismo para esvaziar mais rapidamente as resistências dos estados sociais.

Sejamos claros, quando o Bloco de Esquerda defende a Transição Justa e isso requer avultado investimento em energias renováveis e condições sociais, já estamos em choque com as regras do tratado orçamental, um colete de forças para esse objetivo inadiável. Entre o tratado orçamental e a militarização, o que vai sobrar para o clima? Essa é a grande pergunta do nosso tempo para evitar o desastre e as respostas que se anunciam são irracionais para a maioria social.

Nota difícil desta campanha tem sido, entre portas, a concordância de AD e PS com o Pacto das Migrações, feito para agradar à extrema-direita que, mesmo assim, o repele por falta de medidas para expulsão de migrantes para países terceiros, a exemplo das transferências inglesas para o Ruanda. Todos os setores democráticos consideram esse Pacto um atentado aos Direitos Humanos mais elementares. É triste o consenso do bloco central sobre estas políticas desumanas de hostilidade imigrante.

Sobre o/a autor(a)

Luís Fazenda

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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