Há cerca de dois anos, o meu estômago começou a doer-me. Quando fui à minha médica, ela receitou-me alguns comprimidos. Como não resultaram, disse-me para deixar de beber álcool e café. Foi difícil, mas fi-lo, só que também não resultou. Apenas ao fim de meses de dores, a minha médica pensou que o meu problema poderia estar relacionado com o stress, e que eu estava a viver para além do que o meu corpo podia suportar. Tive de reavaliar o meu nível de atividades. Tem sido difícil, e, por vezes, mais doloroso do que a própria dor de estômago, mas estou a recuperar o meu corpo de forma lenta e constante.
O que estamos a fazer ao planeta neste momento é o mesmo que eu fiz ao meu corpo. Destruímo-lo, e estamos a tentar reabilitá-lo sem querer localizar e reconhecer o verdadeiro problema. Deixámos o mundo num estado de stress, de constante expansão e crescimento económico para além do que o planeta pode suportar para subsistir. Insistimos num sistema económico que sobre-utiliza os recursos e o trabalho para manter um crescimento económico aparentemente ilimitado.
E ninguém parece estar a abordar esta questão de frente. As políticas climáticas dominantes são orientadas para o mercado, dependentes do crescimento, injustas e tecnologicamente ingénuas. Elas prenderam todo o espetro político, incluindo o seu, em discussões sobre impostos sobre o dióxido de carbono (CO2), PowertoX e captura e armazenamento de carbono.
Acabamos por ficar com más soluções climáticas porque elas não podem tocar no paradigma do crescimento. Mas isso não faz sentido. Estas soluções podem ser capazes de reduzir as emissões necessárias para 2030. Mas nunca nos levarão à neutralidade climática e a uma sociedade mais justa. Estamos a preparar-nos para falhar. Precisamos de uma alternativa credível.
No entanto, neste momento, perdemos de vista o projeto coletivo. A luta contra o clima tornou-se uma luta entre pessoas comuns sobre apagar a luz ou ferver a água numa panela versus numa chaleira. Foi a BP que inventou o termo "pegada individual de carbono", para colocar os indivíduos dentro deste ringue de boxe e fazer com que as pessoas normais começassem a lutar entre si, deixando a elite e as corporações fora do ringue a comer pipocas. A vergonha e a raiva individualizadas internalizadas pelas pessoas normais são imensas e paralisantes. Isso cria apatia, cinismo, desesperança. Precisamos de uma alternativa credível.
"Eu era vermelha antes de me tornar verde. E quando acordo de manhã, continuo a ser vermelha antes de ser verde". Estas palavras foram proferidas pela atual primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen. Tornaram-se a desculpa para o facto de a Dinamarca não estar a avançar mais rapidamente na transição ecológica. Mas eu não creio que o problema de Frederiksen seja o facto de não poder ser verde porque é demasiado vermelha. Penso que ela não pode ser verde porque não é suficientemente vermelha.
Impostos sobre o CO2 sem compensação social. Pedir às pessoas para trabalharem mais sem que isso se traduza em serviços públicos verdes e acessíveis a todos, e, em vez disso, reduzir os impostos para os ricos. E esperar que as tecnologias resolvam o problema, enquanto os menos afortunados tentam manter a água fora das suas caves. Estas políticas estão a conduzir-nos diretamente a imensas lutas sociais. O que Mette Frederiksen não se percebeu é que não se trata de uma questão de vermelho contra verde. É uma questão de transição impulsionada pelo mercado contra uma transição socialmente justa.
Quando nós, como ativistas do clima, falamos com as pessoas, constatamos que elas veem a necessidade de uma transição verde, mas têm medo. E se formos honestos connosco próprios, se ouvíssemos que tudo tem de mudar e tudo tem de mudar de uma só vez, não ficaríamos também assustados? Penso que só as pessoas realmente privilegiadas, com os fundos, os bens imobiliários e as redes certas, é que não estariam.
E, em parte, o que assusta as pessoas é o facto de, quando lhes pedimos para fecharem os olhos e imaginarem um mundo do outro lado da transição verde, não verem nada. Sofremos de uma falta de uma visão coletiva acessível e atraente na qual acreditar e pela qual lutar. Por isso, as pessoas assustam-se. E como estamos a ser empurrados para um caminho de transição orientada para o mercado, que não presta especial atenção às lutas sociais, as pessoas começam a optar pela opção da direita de não transição. Precisamos de uma alternativa credível.
Enquanto jovens ativistas do clima, começámos por acreditar na transição por dever: não tínhamos outra escolha. Porque vimos onde a ausência de transição nos estava a levar. Mas sinto que os movimentos de jovens verdes em toda a Europa começaram a formular visões mais grandiosas. Porque quando tudo tem de mudar ao mesmo tempo, as visões fortes são as nossas âncoras.
Não precisamos só de conceber políticas que façam recair a atenção e a responsabilidade principal sobre os grandes poluidores e políticas que criem redes de segurança (e não ringues de boxe) para o cidadão comum. Precisamos também de redefinir a noção de vida boa.
Todos nós procuramos a segurança, o bem-estar e por cuidarmos e sermos cuidados. Não é a cereja no topo do bolo, é a essência. Porque não deixamos que o debate sobre o clima evolua em torno disso?
Então, de repente, a economia dos cuidados, os nossos enfermeiros, professores e assistentes sociais são uma parte essencial da transição. Não se trata apenas de empregos com baixas emissões, mas também de prestar os cuidados essenciais para que os seres humanos possam prosperar.
Da mesma forma, quando incluímos o bem-estar na discussão sobre o clima, novos e melhores serviços públicos de educação, cuidados de saúde e transportes, equidade, partilha de trabalho e redução do horário de trabalho fazem subitamente parte da transição. Isto não só limitará a nossa necessidade de produção e consumo excessivos, mas também proporcionará às pessoas uma melhor saúde mental e física, mobilidade, novos conhecimentos e mais tempo livre. E se o debate sobre o clima for orientado para a segurança, então as garantias públicas de emprego, a redistribuição radical, propriedade democrática e assembleias de cidadãos, não só nos proporcionarão uma transição mais suave, mas também tranquilidade e conforto para o cidadão comum, que vê atualmente a transição verde baseada no mercado como uma ameaça aos seus meios de subsistência.
Esta é a alternativa credível.
E sim, isto exigirá uma reestruturação e uma redução planeada da nossa produção e do nosso consumo no Norte Global, mas o mais engraçado é que, quando o fizermos, não só começamos a concentrar a nossa energia e recursos naquilo que é realmente essencial para o bom funcionamento das sociedades, como também libertamos grande parte do nosso ser natural, que são práticas regenerativas.
Descansar o suficiente. Passar tempo com as nossas famílias e amigos. Atuar de acordo com a nossa criatividade e cuidar do nosso corpo. Partilhar, cuidar e envolvermo-nos nas comunidades onde vivemos. Encontrar o nosso caminho de volta à terra que nos dá tudo o que precisamos para sobreviver.
É isso que imagino quando fecho os olhos. É uma visão da sociedade para além do crescimento económico, exaustão e extração, e penso que estamos prontos para isso.
Apenas uma pequena fração de pessoas quererá alguma vez mudar a sua sociedade e as suas vidas para reduzir as emissões de CO2. A maioria de nós quer mudar pela perspetiva de uma vida melhor.
Quando as pessoas tiverem uma palavra a dizer sobre o que está a acontecer, sentirem que a transição será segura para embarcarem, e se aperceberem de que vamos chegar a um lugar melhor do que aquele em que estamos agora, quererão participar. Não para lutar num ringue de boxe, mas para ajudar a alargar a rede de segurança e ajudar a construir estes pilares de segurança, bem-estar e cuidados.
Precisamos de políticos progressistas para elaborar políticas que nos façam imaginar uma transição em que possamos acreditar, não apenas porque somos obrigados, mas porque queremos. Então é incrível o que podemos conseguir. Têm de mostrar às pessoas que podem encher um oceano com novas ideias. Que são vocês que possuem a alternativa credível.
Intervenção de Caroline Bessermann no Encontro “Europe for the People” em Copenhaga, Dinamarca, que se realizou a 16 de fevereiro de 2024.