Espanha

Montoro e o PP: a arte da corrupção

02 de agosto 2025 - 10:22

Ninguém poderia suspeitar que a direita espanhola estava a cobrar para fazer o que se esperava dela: beneficiar abertamente os poderosos enquanto massacrava os pobres.

por

Gerardo Tecé

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Cristóbal Montoro na escola de Verão do PP
Cristóbal Montoro na escola de Verão do PP. Foto: Wikimedia Commons.

Colocamo-nos na pele de um grande empresário e a verdade é o sangue nos ferve. Não há direito. Ano 2011. O Partido Popular regressava ao poder em Espanha com um mandato claro, obtido nas urnas: atropelar os direitos dos trabalhadores, cortar brutalmente na educação e na saúde e beneficiar abertamente as grandes empresas e os milionários com dinheiro sujo. Era o tratamento que todos os espanhóis nos tínhamos dado, era o melhor para o país. A democracia tinha falado, mas o Ministro Montoro não tinha dado a sua última palavra. Depois de baterem à porta do Ministério das Finanças reivindicando os seus privilégios, esta não se abriu para alguns que começaram a ficar irritados. O que se passa aí dentro? Está alguém aí? Ganhámos as eleições e viemos ficar com aquilo a que temos direito, gritavam, batendo com toda a razão do mundo. Pela frincha da porta, que continuava fechada, apareceu um cartão de visita: Equipo Económico. Era o escritório particular de um servidor público que tinha demonstrado não ter qualquer consciência de classe. Um tipo que foi coerente em arruinar a vida de milhões de espanhóis pobres – sem qualquer falha nesse sentido – mas que supostamente decidiu que alguns dos que o lá colocaram teriam de pagar para receber a sua quota-parte de privilégios. Oxalá que todo o peso da justiça caia um dia sobre ele.

Passada a raiva, é tempo de reconhecer que ninguém trabalha a corrupção como o PP. Arte e criatividade na sua forma mais pura. São brilhantes. Enquanto três socialistas partilhavam subornos na barra de um e se filmavam uns aos outros, Cristóbal Montoro desenhou num guardanapo um conceito novo e amplo no ecrã. Não haveria corrupção no seu ministério, o seu ministério seria corrupção. A melhor forma de esconder algo é deixá-lo visível a todos, assim ninguém poderia suspeitar que a direita espanhola estava a ser cobrar para fazer o que se esperava dela: beneficiar abertamente os poderosos enquanto massacrava os pobres. O método, tão simples quanto eficaz, consistia supostamente em oferecer os serviços de Estudos Económicos para que, mediante pagamento, o escritório de Montoro funcionasse como intermediário junto do Ministro Montoro. Uma intermediação como a que ocorre quando o seu cérebro pensa que é boa ideia beber um copo de água e a sua mão decide pegar num copo e abrir a torneira. E o método resultou, claro. Às mil maravilhas. Por apenas 200.000 euros, o escritório privado de Montoro emitiria um relatório que seria enviado para o ministério de Montoro recomendando alterações às leis para poupar quatro milhões de euros ao pagador. E as leis modificavam-se e o empresário ganhava, deixando de lado a raiva que sentia por ter de ferir os dedos a bater naquela porta. Nós, os pobres, chamamos a isto corrupção, os ricos, também ricos em vocabulário, chamam-lhe diplomacia económica, estabelecer protocolos de colaboração ou simplesmente fazer negócios. À custa do dinheiro de todos.

Depois das caixa B, dos subornos em troca de obras públicas, do financiamento ilegal, da trilogia de tesoureiros indiciados, das sedes paga com dinheiro sujo e do recurso a polícias corruptos para fabricar e destruir provas, a direita espanhola volta a surpreender-nos com o seu infinito poder criativo. Com o seu poder em geral, como demonstrado pelo facto de a Equipa Torrente de Cerdán ter ocupado mais primeiras páginas, talk shows, debates e preocupações do que a institucionalização da corrupção durante os cortes sociais. O poder da direita espanhola não se deve apenas ao desvio irregular de fundos públicos para bolsos amigos. É um poder capaz de integrar todas as disciplinas necessárias para que o benefício seja enorme e o prejuízo, ínfimo. São os jornais que empurram o caso para a página 38, os programas de entrevistas que hoje em dia preferem falar de outra coisa, os procuradores que obstruem, os juízes que tomam tudo isto com calma e não se precipitam a ordenar buscas, ou a polícia que não espalha notícias para os meios de comunicação social.

Após o caso Cerdán, a corrupção tornou-se subitamente uma das principais preocupações dos espanhóis, de acordo com o centro de sondagens CIS. Depois do caso Montoro, a coisa vai cair, dando lugar à dificuldade que é chegar às praias de carro. A corrupção como forma de relações públicas entre poderes é uma orquestra bem trabalhada, na qual ninguém desafina. É por isso que não verão hoje nenhuma declaração de José María Aznar nem de Felipe González a levar as mãos à cabeça. É por isso que amanhã, talvez com Feijóo já em La Moncloa, verão um juiz conservador concluir que as atividades de um escritório estreitamente ligado a um ministério não devem ser qualificadas de crime, mas sim de parceria público-privada. Se vos der uma síncope ao ler isto, talvez tenha ir, com pagamento prévio, a uma clínica de Quirón, porque as excelentes relações público-privadas acabaram por encerrar o seu hospital de sempre. Como disse Rodrigo Rato, a outra perna que, juntamente com o Montoro, trouxe o milagre económico a Espanha, é o mercado, amigo.


Artigo originalmente publicado no CTX.