Espanha

Montoro e sócios, o maior escândalo de corrupção do PP só agora está a ser analisado

24 de julho 2025 - 14:50

Enquanto ministro das Finanças do PP e seus comparsas impunham austeridade, cortes em todos os serviços públicos, pensões e salários dos que trabalhavam para a administração pública, vendiam leis e isenções ficais a grandes empresas. O lóbi do gás, por exemplo, pagou milhões para obter tratamento preferencial do governo.

por

CTX

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Cristóbal Montoro. Ilustração do Luis Grañena.
Cristóbal Montoro. Ilustração do Luis Grañena.

O caso Montoro/Equipo Económico não é novo, mas a imensa gravidade de um assunto que provavelmente marcará um ponto de viragem na impressionante história de corrupção e pilhagem do Partido Popular só agora começa a ser completamente compreendida. Há anos que se sabe que o gabinete criado em 2006 pelo ministro das Finanças dos governos de Aznar e Rajoy (2000-2004 e 2011-2018) se dedicava a favorecer empresas ou lóbis sobretudo na área fiscal, em troca de receber grandes somas de dinheiro. O estranho não é que o escândalo tenha rebentado agora, mas que tenha surgido tão tarde. Mas é bem sabido que há juízes e órgãos de comunicação que vazam mais do que outros.

A investigação do juiz Rubén Rus, presidente do tribunal de instrução número 2 de Tarragona, começou em 2018 e decorre de factos ocorridos pelo menos desde 2012. As estimativas iniciais do juiz calculam que o lóbi do gás pagou pelo menos 780 mil euros para obter tratamento preferencial por parte do Ministério das Finanças, chefiado por Cristóbal Montoro. Mas o número do alegado suborno é, na verdade, muito maior; de acordo com um relatório dos Mossos d'Esquadra, o valor chega aos 11 milhões de euros, incluindo subornos por favores destas e de outras empresas, como as dos setores da eletricidade, energias renováveis e construção, que ainda não foram explicitadas pela investigação. De facto, o volume de negócios da Montoro y Asociados/Equipo Económico atingiu os 70 milhões de euros desde a sua criação. E este valor inclui apenas, obviamente, o que foi faturado por cima da mesa.

O caso Montoro reúne todos e cada um dos atributos da corrupção estrutural, política e económica. Talvez mais do que qualquer outro. Por um lado, é a apoteose das porta giratórias: quando o PP perdeu as eleições em 2004, Montoro levou para o seu gabinete quatro altos funcionários do Ministério. Anos mais tarde, em 2011, depois de mudar o nome da empresa (Montoro y Asociados passou a Equipo Económico), o ministro incorporou nove sócios na liderança do Ministério das Finanças do governo de Rajoy.

Feijóo tuitou que não pretende dizer que haja aqui perseguição por parte de juízes ou de pseudo-meios de comunicação. Seria sensato não tentar comparar esta questão com nenhuma outra. Se alguma frase se aproxima de definir a atrocidade descoberta pelo juiz, é o recente slogan do Partido Popular: Máfia ou Democracia. Os 17 volumes da investigação e os 28 arguidos revelam um vasto esquema criminoso organizado pela alta cúpula da Agência Tributária por encargo dos mais altos escalões da área em Espanha.

Além de Montoro, são também indiciados, entre outros, o seu secretário de Estado, Miguel Ferre (contratação recente de Feijóo para a sua equipa de peritos económicos); a subsecretária, Pilar Platero; o seu substituto, Felipe Martínez Rico; o então Diretor-Geral dos Impostos, Diego Martín-Abril; o seu sucessor, José Alberto García; o subdiretor-geral dos Impostos, Óscar del Amo; Rogelio Menéndez, assessor do ministro; e Santiago Menéndez, diretor da Agência Tributária.

O escândalo mostra que o termo demasiado utilizado “parceria público-privada”, tão elogiado e praticado pelos neoliberais, beneficia sobretudo os corruptos e os corruptores. A fórmula atinge aqui o paroxismo: a mais alta hierarquia fiscal do Estado colaborou com empresas e indivíduos ricos, naturalmente, para enriquecerem nos seus escritórios privados, enquanto decretavam cortes sociais, saqueavam o erário público e elaboravam leis à medida dos seus clientes, que depois aprovavam sem qualquer preocupação, graças à maioria absoluta do PP.

Entre outras coisas, Montoro aprovou a amnistia fiscal, que perdoou centenas de milhões em multas a quase 30.000 burlões anónimos. De acordo com os dados do Sindicato dos Técnicos Fiscais (Gestha), 29.065 indivíduos e 618 empresas revelaram património oculto que totaliza quase 40 mil milhões de euros, dos quais 11,918 mil milhões de euros vieram de evasão fiscal de 2008 a 2010, e os restantes 28 mil milhões de euros de 2007 e anos anteriores. A famosa “regularização” com que o PP pretendia arrecadar 2,5 mil milhões, na verdade, arrecadou menos de metade, 1,191 mil milhões. Comparativamente aos 40 mil milhões de euros branqueados pelos evasores, o que foi arrecadado não foram os 10% prometidos, mas uns ridículos 3%.

O escândalo Montoro parece ter apenas começado. Mas já estão a surgir derivados inquietantes relativamente à utilização político/pessoal das Finanças públicas. Por exemplo, o La Vanguardia relata que a equipa de Montoro retocou o relatório que os peritos da Agência Tributária nomeados pelo juiz Pablo Ruz do Tribunal Nacional deviam apresentar sobre as doações do PP na investigação da “caixa B”, o saco azul do partido.

O caso prova também que a justiça politizada luta sempre por associados corruptos que precisam de ajuda, desde que trabalhem para outros mais poderosos. A procuradora Carmen García Cerdá verificou como é que o procurador-chefe anti-corrupção, Alejandro Luzón, impediu a transferência dos e-mails do agora indiciado ministro para o caso. Luzón teve o apoio do conselho de procuradores (por 18 contra 5), e a sua decisão não teve consequências para ninguém. Todos culpados, ninguém culpado.

Desde 16 de julho, dia em que o caso veio a público, que os meios de comunicação social, mesmo os mais conservadores, depois de digerirem o assunto e desculparem o atual PP, começaram a publicar histórias sobre o quão mal Montoro fez. A verdade é que os truques sujos do Equipo Económico, essa frente corrupta, já eram conhecidos há pelo menos dez anos. Após analisarmos a imprensa em 2015, encontrámos oito notícias na Cadena SER sobre esta e sete notícias no El País. O El Mundo ocupa-se disso numa notícia. Não existe no ABC e no La Razón. Isto, apesar de ter sido discutido no Congresso, com a displicência, claro, do partido que detinha a maioria parlamentar, o Partido Popular.

A última característica deste caso de corrupção é, possivelmente, a mais grave. Enquanto Montoro e os seus comparsas impunham cortes em todos os serviços públicos, pensões e salários dos que trabalhavam para a administração pública, negociavam leis com as empresas que passavam pelas “janelas”. Não estamos a falar de ajustamentos mais ou menos duros, mas sim de cortes que devastaram a população, sobretudo os mais vulneráveis. É preciso recordar que os anos da Grande Recessão foram os mais duros do período democrático. E também os da grande amnistia fiscal decidida pelo próprio Montoro. Visto isto, talvez este período deva ser redefinido como a Grande Fraude.

O caso Montoro não é um caso de corrupção no governo, é um caso de corrupção do governo. Corrompeu o sistema inteiro. Só podemos esperar que a justiça complete o trabalho árduo do silencioso juiz de investigação, punindo os responsáveis por aquele que parece ser o caso mais grave de corrupção estrutural desde o caso Gürtel.


Nota de edição: este artigo foi publicado a 18 de julho. Desde então, diariamente, novos pormenores sobre o caso que envolve o ex-ministro das Finanças espanhol têm sido conhecidos.

Texto publicado originalmente no CTX.

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