A ‘milonga peronista’ e a dança macabra de Milei e Macri

11 de novembro 2023 - 18:37

O debate decisivo da campanha que está empatada acontece este domingo. A extrema-direita tenta atenuar os aspetos mais grotescos e extremistas de Milei por exigência dos seus aliados neoliberais para a segunda volta. Resta saber como isso impactará no eleitorado que foi seduzido pelo falso discurso anti-sistema. Por Milton Alves.

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Nas próximas duas semanas, a Argentina vai ter um novo encontro com as urnas. Uma eleição decisiva para o futuro do país, e o resultado eleitoral terá um forte impacto no projeto de integração regional – Mercosul – e na expansão do Brics na América do Sul.

A Argentina atravessa uma prolongada e dolorosa crise económica, que afeta de forma severa as condições de vida do povo trabalhador e das camadas médias. Uma dívida externa dolarizada – que sufoca o país –, uma inflação galopante de 130% ao ano, desemprego crescente, desindustrialização, e como no Brasil, uma economia, cada vez mais, dependente da exportação de insumos primários e do agronegócio.

Neste contexto, ocorre o processo eleitoral mais polarizado e eletrizante das últimas décadas, sem um claro favoritismo para os dois candidatos que alcançaram o segundo turno, ou a balotagem, como dizem os argentinos.

Apesar da viragem espetacular do candidato Sergio Massa (Unión por La Pátria), atual ministro das Finanças do impopular presidente Alberto Fernández, que atingiu 36% dos votos válidos contra 30% de Javier Milei (La Libertad Avanza) e 24% da candidata Patricia Bullrich (Juntos por el Cambio), a aliança da direita tradicional – liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri – o segundo turno será uma disputa voto a voto, e vai levar quem errar menos, e quem exercer a maior capacidade de explorar as contradições políticas de aliados de primeira e última hora entre os dois campos em disputa até ao dia 19 de novembro.

A campanha de Massa acertou quando mirou no candidato da ultra-direita, o escatológico Javier Milei, batendo duro nas propostas mais anti-populares e pró-mercado do candidato da extrema-direita, como o fim de todos os programas sociais e de subsídios estatais, privatização da saúde, da educação, liberalização do porte de armas, a questão dos mortos durante a ditadura militar, a permissão para a comercialização de órgãos humanos, a extinção do Banco Central, o fim de qualquer regulação da atividade económica e a dolarização completa da economia argentina.

O acerto no discurso político foi acompanhado também de promessas de manutenção dos programas sociais e de transferência de rendimento, de combate ao monstro inflacionário, de retomada de obras públicas, programa de construção de casas populares e a defesa da educação pública de qualidade, entre outras propostas.

Manobra das petrolíferas

Nos últimos dias, as petrolíferas que controlam a venda de combustíveis na Argentina - o país é auto-suficiente - provocaram um processo generalizado de desabastecimento na Grande Buenos Aires e exigem do governo um aumento de preços. A questão atravessa o debate político e eleitoral e, sem dúvida, é uma manobra política que favorece a candidatura da extrema-direita.

O governo do presidente Alberto Fernández tem denunciado a manipulação política e económica das petrolíferas e garante que o abastecimento será normalizado nos próximos dias. De qualquer forma, a crise provocada pelo desabastecimento indica os perigos que a campanha de Massa tem pela frente nas próximas duas semanas.

Sondagens e debates

As diversas sondagens divulgadas após a primeira volta confirmam um cenário de empate técnico e algumas apontam um ligeiro favoritismo de Sergio Massa. A sondagem da Atlas/Intel, divulgada na sexta-feira (dia 3), apontou o seguinte quadro da disputa: Javier Milei com 52% de intenções de votos e Sergio Massa com 48%. A margem de erro da sondagem é de 2%. Ou seja, um quadro de empate técnico. A Atlas/Intel ouviu 3.218 eleitores entre os dias 1º a 3 de novembro.

A sondagem Zuban/Córdoba, divulgada pelo jornal Clarín, realizada nos dias 28 e 29 de outubro, com dois mil eleitores/as, apontou Massa com 45,4% dos votos válidos e Milei com 43,1% dos votos.

O debate nacional mais importante da segunda volta acontecerá este domingo dia 12 de novembro.

Voto a voto e alianças

A estratégia da campanha de Sergio Massa continua sem turbulências e avança na direção da conquista de novos aliados, além de unificar a “nação” peronista, as formações políticas da extrema-esquerda agrupadas na FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores), da candidata Myriam Bregman (cerca de 3% dos votos no 1º turno), que estão integradas na campanha, agora busca atrair os setores descontentes da aliança que impulsionou a candidatura de Patricia Bullrich, em particular dos liberais clássicos da União Cívica Radical (UCR), partido que rejeita publicamente as propostas mais grotescas e extremistas de Milei.

A campanha de Massa também reforça o trabalho eleitoral na cintura peronista da Grande Buenos Aires, que congrega 37% do eleitorado, esforço coordenado pelo governador reeleito da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, um aliado político da vice-presidenta Cristina Kirchner.

O ótimo desempenho na Grande Buenos Aires, o voto do eleitorado feminino e a mobilização intensa das bases sociais e institucionais do conjunto do peronismo foram os fatores chaves para o resultado bem sucedido da campanha de Massa na primeira volta. E a aposta nessa fórmula continua para a segunda volta, ampliando com a conquista de dissidentes do bloco Milei-Macri – com isso, é possível a vitória.

Por sua vez, a campanha de Milei tenta atenuar os seus aspetos mais grotescos e extremistas na segunda volta, uma exigência dos seus aliados da direita neoliberal, liderados por Mauricio Macri.

Resta saber, como um Milei “repaginado” vai impactar no seu eleitorado mais duro e consistente, jovens na faixa de 16 a 24 anos, que foi capturado pelo falso discurso anti-sistema e do “contra tudo e todos” do establishment político.

Por ora, a milonga peronista demonstra ritmo e eficácia contra a dança macabra, que juntou os neofascistas de Milei com os neoliberais de Macri.


Milton Alves é jornalista e escritor. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país’ (Kotter, 2022) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (Kotter, 2021).

Texto publicado originalmente na página do autor. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.

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