Migrações: Médicos Sem Fronteiras denunciam práticas desumanas da UE

24 de fevereiro 2024 - 18:01

Relatório detalha as políticas e práticas desumanas da União Europeia, que promovem uma brutalidade sistemática contra refugiados e migrantes, que são forçados a voltar para trás repetidamente durante a viagem.

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Refugiados e Migrantes
Pessoas resgatadas no Mediterrâneo a bordo do navio de buscas e salvamento da MSF. © MSF, 2022

A crise política que se vive em toda a Europa, nas suas fronteiras e mais além, tem resultado “num aumento de mortes, desespero e miséria entre as pessoas que tentam procurar segurança e protecção dentro da UE”, lê-se no relatório desta ONG, intitulado “Death, Despair and Destitution: The Human Costs of the EU’s Migration Policies” (“Morte, desespero e indigência: os custos humanos das políticas de migração da UE”).

As equipas médicas e humanitárias dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) recolheram testemunhos de pessoas que fugiram dos seus países à procura de abrigo e ajuda na UE. O relatório reúne testemunhos, entre agosto de 2021 e setembro de 2023, com base em dados médicos e operacionais de rotina de projetos de MSF, em locais como “a Líbia, os Balcãs, o Mediterrâneo Central, a Polónia, a Grécia e a Itália, que se tornaram laboratórios e campos de testes para políticas e práticas cada vez mais prejudiciais."

“O relatório destaca como, em cada etapa da jornada migratória das pessoas para e dentro da UE, a sua saúde, bem-estar e dignidade têm sido sistematicamente prejudicadas pelas políticas e práticas violentas interligadas incorporadas nas políticas da UE e dos Estados-Membros da UE.”

Entre janeiro de 2022 e julho de 2023, os Médicos Sem Fronteira forneceram 23 769 consultas de saúde primária em oito centros de detenção no Oeste da Líbia e 2.900 consultas de saúde mental. “As equipas da MSF prestaram apoio a indivíduos em situações de extrema vulnerabilidade, incluindo crianças não acompanhadas, pessoas com deficiência física ou doenças crónicas e sobreviventes de tráfico humano ou tortura.”

Refugiados e migrantes são bloqueados nas fronteiras da UE, “com cercas fortificadas com arame farpado e são sujeitas a violência física brutal.” Não há qualquer assistência à entrada da Europa, forçando “as pessoas a voltar para trás em países como a Polónia, Grécia e Hungria” expondo-as “a níveis inaceitáveis de risco para a saúde e bem-estar delas.” As pessoas em busca de segurança são encurraladas “violentamente sem acesso a cuidados de saúde ou proteção em países que não pertencem à UE, mas que têm acordos de cooperação com a União.”

Fonteira entre Bielorrússia e Polónia "é frequentemente referida como ‘zona da morte’ pelos nossos pacientes.”

“Estive no hospital por três dias, porque estava doente. Pedi genuinamente por proteção, mas no fim obrigaram-me a voltar para a Bielorrússia sem nada, sozinho. E nem sabia o caminho, mas conheci pessoas na estrada […]. Disse ao médico que queria ficar ali, que era requerente de asilo, mas ele disse-me ‘para te ser honesto, não sei o que te vai acontecer’”, partilhou um paciente com as equipas da MSF na Bielorrússia em 2023. “Os guardas da fronteira vieram ao hospital e levaram-me para a prisão. Três horas depois, voltei para a fronteira.”

O Relatório que acusa os Estados-membros da UE refere ainda que “para além dos riscos de lesão impostos pelo muro erguido entre a Bielorrússia e a Polónia, a MSF já testemunhou como as pessoas podem ficar encurraladas na área entre as duas fronteiras por longos períodos de tempo, expostas a violência e a condições climatéricas extremas, exacerbando problemas de saúde mental e física existentes. Essa área é frequentemente referida como ‘zona da morte’ pelos nossos pacientes.”

“Todas as pessoas, até mesmo as mais jovens, sofrem de algum tipo de angústia psicológica, sempre com a mesma sintomatologia: dores no corpo, dissociação, depressão e transtornos de sono. As pessoas sentem-se completamente sozinhas. Sentem-se humilhadas a viver nestas condições”, sublinha um psicólogo da MSF em Lesbos.