A decisão irrevogável do Supremo Tribunal italiano data de 1 de fevereiro, mas só foi divulgada pelos meios de comunicação social do país no passado fim de semana. A deliberação diz respeito a um caso ocorrido em 2018, quando o capitão de um rebocador italiano resgatou 101 migrantes de um barco de borracha, devolvendo-os de seguida à Líbia.
Em 2021, o Tribunal de Nápoles, assinalando que os migrantes, entre os quais se encontravam mulheres grávidas e crianças, foram sujeitos “a detenções e, consequentemente, a um tratamento desumano e degradante", condenou o capitão a um ano de prisão pelos crimes de desembarque arbitrário e abandono de pessoas.
O Supremo Tribunal veio agora confirmar esta condenação, validando os anteriores vereditos de tribunais de primeira instância e de recurso, e reitera que a Líbia "não é um porto seguro". Neste contexto, o retorno forçado à Líbia constitui uma violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
ONG congratulam decisão
“Agora existe também um precedente judicial que confirma o que dizemos há anos: a Líbia não é um país seguro”, escreveu a organização Mediterranea Saving Humans, na rede social X.
Também o gabinete italiano da Amnistia Internacional congratulou-se com o veredito, frisando que “empurrar pessoas de volta para a Líbia e colaborar com a chamada 'guarda costeira' contraria o dever de levar as pessoas resgatadas para um lugar seguro”.
A decisão do Supremo italiano pode abrir precedente para novos recursos apresentados por organizações responsáveis por operações de resgate marítimo civil, que têm vindo a ser perseguidas e criminalizadas pelo Governo de Meloni.
Este é o caso, por exemplo, da Médicos sem Fronteiras (MSF) que, este domingo, após resgatar mais de 80 migrantes, e de ter recolhido ainda os cadáveres de duas mulheres, denunciou que a embarcação onde os mesmos seguiam, o Geo Barents, viu recusado o seu pedido para “desembarcar no porto seguro mais próximo possível, para garantir um enterro digno aos mortos e assistência adequada aos sobreviventes”. Ao invés disso, as autoridades italianas confirmaram “que Bari [na costa do mar Adriático] era o local seguro para o Geo Barents”.
“Em vez de prestar assistência crucial, o mais rapidamente possível, a dezenas de sobreviventes em choque, que testemunharam a morte ou desaparecimento de familiares e companheiros de viagem no mar, as autoridades italianas estão a obrigá-los a dias de navegação desnecessários”, lamentou a organização.
ONU repudia deportação de migrantes para o Ruanda
Em comunicado, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, defende que os “efeitos combinados” do projeto de lei do governo do Reino Unido, que visa a deportação de migrantes para o Ruanda, e “tenta proteger a ação do governo do escrutínio legal normal, são diretamente contrários aos princípios fundamentais dos direitos humanos".
A proposta foi elaborada em resposta ao Supremo Tribunal britânico, que decidiu que era ilegal enviar imigrantes para o Ruanda, uma vez que o país não podia ser considerado seguro.
Apoiado por um novo tratado entre Londres e Kigali, o projeto de lei define o Ruanda como um país terceiro seguro.
O documento é altamente controverso e tem vindo a ser alvo de críticas não só por parte de organizações de defesa dos direitos humanos como também pelo chefe da Igreja Anglicana e as Nações Unidas.
Na semana passada, uma comissão parlamentar britânica considerou o plano "fundamentalmente incompatível" com as obrigações do país em matéria de direitos humanos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos criticou o facto de o projeto de lei "reduzir significativamente a capacidade dos tribunais para reverem as decisões de expulsão" e apelou a que fosse reexaminado à luz das preocupações manifestadas pela comissão.
"Exorto o Governo britânico a tomar todas as medidas necessárias para garantir o pleno cumprimento das obrigações jurídicas internacionais do Reino Unido e para preservar a sua orgulhosa história de controlo judicial eficaz e independente", afirmou Türk.