Mais de 80 ONG exortam eurodeputados a rejeitar Pacto de Migração da UE

15 de fevereiro 2024 - 15:09

Na véspera da votação do Pacto de Asilo e Migração na Comissão da Justiça do Parlamento Europeu, as organizações não governamentais e o grupo parlamentar da esquerda europeia alertam que este pacto "dará luz verde a abusos em toda a Europa".

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Pormenor da capa da revista Alternatives Sud: Migrations en tout "genre".

As 81 organizações da sociedade civil assinalam que os eurodeputados têm nas suas mãos "a última oportunidade" de anular o "nefasto" Pacto Europeu sobre Migração. O documento foi acordado a 20 de dezembro em reunião de representantes das três principais instituições envolvidas no processo decisório europeu, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho, sob a presidência espanhola.

A votação deste Pacto na Comissão da Justiça do Parlamento Europeu, a realizar-se na quarta-feira, é vital, na medida em que as comissões são compostas proporcionalmente pelas famílias políticas do Parlamento Europeu e, por isso, constituem um indicador bastante fiável do equilíbrio de poderes e do resultado final, que virá a ser conhecido em abril, quando os eurodeputados forem chamados a pronunciar-se sobre a proposta em plenário.

"Luz verde para abusos na Europa"

Neste contexto, as mais de oito dezenas de organizações não governamentais exortam os eurodeputados a aproveitarem "esta última oportunidade" para anular um acordo "que põe em causa os direitos fundamentais".

O pacto "é a continuação de uma década de políticas que conduziram a uma proliferação de violações dos direitos humanos na Europa", diz a carta. As ONG alertam ainda que o mesmo terá "consequências devastadoras" para o direito à proteção internacional e que "dará luz verde a abusos em toda a Europa", através de perfis raciais, detenções arbitrárias nas fronteiras e deportações forçadas.

A diretora da Plataforma de Cooperação Internacional para os Migrantes Indocumentados, Michele Levoy, frisa que “a sua validação pelos eurodeputados significaria um fracasso na defesa dos valores da União Europeia em matéria de dignidade humana, liberdade e igualdade".

"Este acordo dá prioridade à dissuasão, à detenção e à deportação, ao mesmo tempo que esmaga a solidariedade e o direito de asilo. Os eurodeputados devem rejeitar este e qualquer acordo que negligencie a posição do Parlamento e que tenha sido aprovado à pressa e a qualquer custo humano", enfatiza, por sua vez, Stephanie Pope, especialista em política europeia de migração da Oxfam.

Os signatários salientam que o pacto alcançado após uma maratona de negociações de 48 horas, poucos dias antes das férias de Natal, permitirá que os menores sejam detidos em centros criados nas fronteiras europeias. Mesmo os menores não acompanhados podem acabar nestes centros de detenção se as autoridades nacionais os considerarem um "perigo para a segurança nacional ou para a ordem pública".

"A experiência demonstrou que a manutenção de um grande número de pessoas nas zonas fronteiriças durante longos períodos conduz a uma sobrelotação crónica e a condições desumanas, como se verificou nas ilhas do mar Egeu", lê-se no texto, citado pelo Público espanhol.

As ONG e o grupo parlamentar da esquerda europeia (GUE/NGL), do qual o Bloco faz parte, denunciam que este acordo irá aumentar a vulnerabilidade das pessoas que procuram proteção internacional, ao mesmo tempo que não conduzirá a uma redução do número de chegadas às costas da UE.

"Este acordo político não só incorpora o racismo na posição da Europa em relação à imigração, como também é um sintoma de que as ideologias de extrema-direita estão a ganhar terreno em todo o continente", vinca Kim Smouter, diretor da Rede Europeia contra o Racismo.

O Pacto de Asilo e Migração mantém o princípio de Dublin, segundo o qual o país de entrada é responsável pelo migrante ou refugiado, e não estabelece um sistema de partilha obrigatória. Em vez disso, a solidariedade é estabelecida numa base "à la carte", em que os países podem optar por pagar em vez de realojar os migrantes. Acresce que, apesar do número crescente de mortes no Mediterrâneo, a prioridade do acordo não passa por criar canais de chegada legais e seguros, mas sim por acelerar as análises dos pedidos de asilo e as deportações.

"Os direitos humanos não são negociáveis. Rejeitar o Pacto de Migração da UE não é apenas um voto, é uma tomada de posição para o futuro. Queremos uma Europa que coloque as pessoas acima das fronteiras, que escolha a proteção em vez do abandono, a dignidade em vez da detenção e a solidariedade em vez do sofrimento", conclui Giulia Cicoli, fundadora da Still I Rise.