Madeira: Albuquerque demite-se, Governo enfrentará moção de censura

26 de janeiro 2024 - 15:07

O presidente do Governo Regional é arguido por suspeitas de corrupção e apresentou a demissão esta sexta-feira, condição posta pelo PAN para o PSD continuar à frente do Governo e assim evitar eleições. Bloco defende que eleições antecipadas são a melhor saída para a crise democrática na Região.

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Miguel Albuquerque.
Miguel Albuquerque. Foto PSD/Madeira

Miguel Albuquerque apresentou a demissão esta sexta-feira após as buscas policiais e a sua constituição de arguido, que resultaram na ameaça do PAN retirar o apoio ao Governo caso o PSD não o substitua por outro presidente do Governo Regional.  "Quando disse que não me demitia era no quadro de estabilidade parlamentar que permitia governar. Esse quadro alterou-se", afirmou Albuquerque aos jornalistas. O PSD/Madeira reunirá na segunda-feira para escolher um sucessor para liderar o executivo.

A ameaça do PAN foi o argumento para o PS apresentar esta sexta-feira uma moção de censura em que defende a realização de novas eleições. O Bloco tinha desafiado os grupos parlamentares da oposição a avançarem com essa iniciativa na véspera, pois apenas estes podem recorrer a este instrumento. Todos os partidos da oposição admitem votar a favor, mas para ser aprovada a moção precisaria de ter o voto do PAN ou a abstenção de deputados do PSD ou do CDS, um cenário menos provável.

Mesmo com a demissão de Albuquerque, a moção de censura será à mesma discutida a 7 de fevereiro, pois ela defende que não existem "condições objetivas para formar um novo Governo" e que a palavra deve ser devolvida ao eleitorado. Os prazos legais deste cenário apontariam para eleições em maio.

Segundo o semanário Expresso, ao contrário do que fez com o Governo da República, o Presidente da República estaria disposto a aceitar um novo executivo da atual maioria e não convocar eleições antecipadas. As condições seriam, diz o jornal, que o novo Governo Regional tivesse o apoio de PSD, CDS e PAN e não incluísse ninguém ligado aos negócios sob suspeita, o que afastaria praticamente todos os atuais governantes.

Dina Letra: "Eleições antecipadas serão a melhor solução para esta crise democrática"

Em declarações à SIC-Notícias na tarde de sexta-feira, com a estação televisiva a anunciar a renúncia de Albuquerque para as horas seguintes, a coordenadora do Bloco de Esquerda da Madeira lembrou que o partido "já tinha referido que não havia outra solução política que não fosse a demissão" do líder do executivo e por isso apelou aos grupos parlamentares que apresentassem uma moção de censura. Mas sublinha que o que está em causa não diz só respeito a Miguel Albuquerque. "Para além da Presidência, estamos a falar da Secretaria do Ambiente, da Secretaria da Economia, na vice-Presidência na altura em que Pedro Calado era vice-presidente e que é atualmente a Secretria das Finanças. É todo um regime e uma governação que está a aqui em causa com estes indícios fortes" de crimes investigados pelo Ministério Público.

Para Dina Letra, as eleições antecipadas "serão a melhor solução para esta crise democrática que se vive aqui na Região Autónoma da Madeira" e por isso o Bloco votará a favor da moção de censura. A coordenadora regional bloquista acrescentou que "é todo um regime que está em causa com negociatas que já existem há muitos anos e foram constantemente denunciadas pela oposição". No caso do Bloco, "fomos achincalhados por elementos do Governo Regional que diziam que estávamos contra o desenvolvimento da Madeira" quando denunciou esses casos nas últimas décadas.

Por outro lado, Dina Letra lamenta que o PAN "ainda continue a validar e a manter esse regime e que tudo o que a oposição tem denunciado se perpetue". No seu entender, o PAN "foi totalmente incoerente com tudo aquilo que disse antes e durante a campanha eleitoral, ao chegar a este acordo com o PSD Madeira. E está a dar novamente a mão ao PSD, a permitir que continue a governar" quando é evidente que o sistema de corrupção instalado há décadas no poder político laranja não depende apenas das duas figuras agora constituídas arguidas.

"O PAN foi a terceira perna da maioria absoluta do PSD"

Em declarações aos jornalistas durante a entrega das listas eleitorais de Lisboa para as legislativas, a coordenadora do Bloco de Esquerda reafirmou que "Miguel Albuquerque não tem condições" para se manter no cargo e que "vigora na Madeira há demasiado tempo um regime de maioria absoluta do PSD, que foi agora apoiado pelo PAN, e que é um regime de proteção de interesses privados".

"Toda a gente conhece os negócios que foram feitos com a proteção do Estado, quem são os grupos que enriqueceram à conta do Governo Regional da Madeira e toda a gente conhece o condicionamento da comunicação social por obra da maioria absoluta do PSD", afirmou Mariana Mortágua

Questionada pelos jornalistas sobre a mudança de posição do PAN, ao retirar agora a confiança a Albuquerque, Mariana Mortágua lembrou que "o PAN fez uma campanha contra a maioria absoluta do PSD, em defesa dos interesses ambientais, contra os megaprojetos de ataque ambiental. E no dia a seguir às eleições fez um acordo de maioria absoluta com o PSD que desdizia tudo aquilo que disse em campanha. Essa coerência ou falta de coerência tem de ser o PAN a explicá-la".

Por outro lado, acrescentou, "nos Açores o PAN suportou um governo do PSD que era suportado pelo partido Chega. E na Madeira foi a terceira perna da maioria absoluta do PSD, que toda a gente sabe que é um regime de proteção dos interesses económicos. Isso é o currículo ou o cadastro do PAN nos Açores e na Madeira".

Favorecimento ao Grupo AFA e Construtora do Tâmega no centro das suspeitas

O Jornal de Notícias publica esta sexta-feira quais as principais suspeitas sob investigação e que envolvem Miguel Albuquerque e o seu braço direito e ex-vice no Governo Regional, Pedro Calado, atual presidente da Câmara do Funchal. A investigação irá passar a pente fino os 153 milhões de euros em contratos públicos com a Afavias e a Construtora do Tâmega Madeira. Esta última tem como vice-presidente José Francisco Fonseca, que comprou uma participação na empresa Andrade de Albuquerque, que era detida pelo atual presidente do Governo Regional e pela sua mulher e foi entretanto alienada. Entre 2015 e 2020, a Construtora do Tâmega Madeira recebeu contratos no valor de 58 milhões de euros do Governo Regional, feitos pelo então vice-presidente do Governo Pedro Calado.

A empresa de construção foi adquirida pelo Grupo AFA, onde Pedro Calado foi administrador e assinou contratos com entidades públicas da Madeira. No universo do grupo está também a Afavias, cujos contratos com o Governo Regional e respetivas secretarias somaram 95 milhões de euros nos cinco anos em análise.

Além de receberem informação privilegiada e antecipada sobre os concursos públicos, o que lhes permitia apresentar as melhores propostas, a PJ e o Ministério Público suspeitam também que os cadernos de encargos de alguns dos concursos continham cláusulas especiais que só estariam ao alcance destas empresas.


Artigo atualizado às 18h30 com o anúncio da demissão de Miguel Albuquerque da presidência do Governo Regional da Madeira.