A Agência Química Europeia está a estudar uma proposta para proibir a utilização dos chamados “químicos eternos”, com algumas exceções para produtos fundamentais e sem alternativa ao uso destes produtos poluentes. Num relatório lançado esta quarta-feira, o Corporate Europe Observatory (CEO) dá a conhecer as batalhas travadas pelos lóbis nos corredores de Bruxelas e do sucesso que estão a ter em limitar a intenção original de combater a sério esta poluição.
O que são os PFAS?
As substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), na definição da Agência Química Europeia, são um conjunto de mais de nove mil substâncias químicas sintéticas, todas contendo ligações de carbono-flúor, que são uma das ligações químicas mais fortes na química orgânica. São utilizadas em inúmeros produtos de consumo com a finalidade de os tornar antiaderentes, impermeáveis e resistentes a manchas. Desde o vestuário aos utensílios de cozinha, passando por embalagens e cosméticos, estão presentes em todo o lado, também devido ao facto de serem facilmente transportadas no ambiente, contaminando solos e águas. A sua resistência à degradação valeu-lhes o nome de “químicos eternos”.
A presença dos PFAS tem sido detetada na alimentação e na água potável e em quase todos os humanos. A exposição a estes poluentes tem sido associada ao cancro, doenças do fígado e disfunção hormonal. Na Europa, o “Projeto Poluição Eterna” juntou em 2023 jornalistas de 16 publicações europeias e identificou 23 mil locais contaminados, com 20 unidades fabris e 2.100 locais considerados “pontos quentes” da poluição dos PFAS. Se nada for feito para travar o uso destes químicos nos próximos 30 anos serão libertadas mais 4,4 milhões de toneladas de PFAS. O mesmo consórcio de jornalistas fez as contas à fatura dos custos para limpar esta poluição e concluiu que seriam necessários 100 mil milhões de euros todos os anos se nada for feito nas próximas duas décadas. Já a fatura dos custos com os cuidados de saúde devido às consequências desta poluição, estimaram entre 52 e 84 mil milhões de euros anuais.
Poluição
O que é preciso saber sobre os PFAS, os “químicos eternos”
Robert Barouki
Segundo o relatório do CEO, os lóbistas dos PFAS estão a ter sucesso na sua campanha para limitar as restrições aos “químicos eternos”, com a integração dos seus argumentos nos textos em análise ao mais alto nível de decisão na Comissão von der Leyen. As respostas às questões enviadas a 15 Direções-Gerais da Comissão mostraram que não só não existem medidas para as proteger dessa influência dos lóbis neste tema, como em vez disso “a Comissão centrou as suas respostas sobretudo a justificar os seus contactos com a indústria”.
Embora só devessem ter um papel de observadores nesta fase do processo, os lóbis do PFAS têm feito campanha através de estudos financiados pela indústria, presença mediática através das agências de comunicação, reuniões com decisores políticos e a influência de empresas de consultoria e escritórios de advogados. Assim têm conseguido que os seus argumentos, como o da necessidade de mecanismos voluntários em vez de obrigações regulatórias, sejam repetidos por alguns políticos europeus.
Parkersburg (EUA) e Veneto (Itália): dois casos de contaminação
No final da última década, o caso da contaminação da Dupont em Parkersburg, no estado da Virginia, chegou ao cinema com o documentário “The Devil We Know - Envenenados” em 2018 e no ano seguinte com o filme “Dark Waters - O Preço da Verdade”. Em 2023, quando anunciou a intenção de estabelecer limites ao PFAS na água da rede pública, o diretor da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, Michael Regan, afirmou que “o que começou por se chamar um milagre, um avanço tecnológico pensado pela sua aplicação prática, depressa degenerou para um dos problemas de saúde e ambientais mais prementes do mundo moderno”. Em abril do ano passado, a agência anunciou um investimento de mil milhões de dólares para ajudar os estados a prepararem os sistemas de tratamento de águas, bem como os donos de poços particulares, para a testagem e tratamento dos PFAS, além de mais oito mil milhões destinados às comunidades onde a água potável está mais contaminada por estes poluentes.
Na Europa, aconteceu um desastre semelhante em maior escala no nordeste de Itália, numa área três vezes superior à de Parkersburg e com o triplo da população. Foi na região de Veneto que a fábrica química Miteni se instalou por cima de um dos maiores depósitos de água de toda a União Europeia. Hoje sabe-se que mais de 350 mil pessoas viveram a beber água contaminada e ainda hoje estão numa zona altamente poluída, tanto ao nível do ar como dos solos e das águas superficiais. As análises feitas a 18 mi habitantes mostraram níveis muito elevados de PFAS no sangue. A fábrica, que chegou a ser parcialmente detida pela Mitsubishi e a ENI durante décadas, foi à falência em 2018 e a produção transferiu-se para a Índia. Os seus administradores enfrentam acusações na justiça, com um grupo de mães - Mamme No PFAS - a reclamar indemnizações e a limpeza da zona afetada por este gigantesco desastre ambiental.
O poder do lóbi das empresas que sabiam e esconderam os efeitos da sua poluição
O lóbi mais ativo contra a restrição dos PFAS é a estadunidense Chemours, empresa criada em 2015 a partir da DuPont e que fabrica gases refrigerantes, dióxido de titânio e produtos antiaderentes como o conhecido Teflon. Em junho de 2023, esta empresa, conjuntamente com a DuPont e a Corteva, chegou a um acordo judicial para pagarem quase 1.200 milhões de dólares em casos em que eram acusadas de contaminar com PFAS o sistema público de água dos EUA. Três meses depois, um tribunal neerlandês deu como provado que a Dupont tinha escondido informação entre 1984 e 1998 sobre os efeitos das substâncias emitidas e usadas nos seus produtos produzidos na fábrica de Teflon em Dordrecht, a cidade onde as pessoas são avisadas para não comerem ovos de galinhas criadas na região.
Lóbistas ao serviço da Chemours tiveram mais reuniões de alto nível nos gabinetes de Bruxelas sobre esta matéria do que os de qualquer outro grupo da indústria química, aponta o Observatório, acrescentando que a empresa mais do que duplicou o seu orçamento com atividades de lóbi em 2024. O conjunto da indústria química representada nas associações CEFIC e Plastics Europe também tem intervindo e aumentado o seu orçamento com atividades de lóbi em 34%, totalizando entre 25 e 28,5 milhões de euros. E conta também com poderosos aliados de outros setores, como o da indústria das baterias, da farmacêutica e tecnologia médica ou dos semicondutores, entre outros. Os seus esforços concentram-se sobretudo em influenciar a posição alemã, ao nível federal e regional, em vésperas de eleições antecipadas.
Observatório quer mais transparência da Comissão e menos permeabilidade aos lóbis
Nas suas recomendações e exigências, o CEO quer ver acabar imediatamente as reuniões privadas entre lóbistas e membros da Comissão Europeia, onde os primeiros reclamam exceções às futuras regras e adiamentos de prazos de implementação das mesmas. Por outro lado, acusa a Comissão de não estar a incentivar as alternativas que podem substituir os PFAS e outros poluentes com maior segurança para a saúde pública, ao mesmo tempo que aceita acriticamente os estudos fornecidos pela indústria sem um trabalho sério de revisão ou de apoio à realização de estudos independentes no âmbito da preparação de regulamentação sobre a matéria.
O Observatório diz estar ao lado das organizações da sociedade civil, académicos e comunidades afetadas que apoiam uma restrição forte para eliminar gradualmente e o mais rapidamente possível o maior número possível de utilizações industriais e de consumo de PFAS. Mas “a menos que a Comissão tome agora medidas firmes para proteger este processo de decisão e outros semelhantes, isto não passará de um sonho eterno, com a poluição por PFAS a continuar a transformar-se num pesadelo eterno”, conclui.
Promessas do Green Deal europeu contrariadas pelo relatório Draghi
O calendário inicial previa uma decisão final para este ano de 2025, o que já parece pouco provável. A proposta a submeter pela Agência Química Europeia à Comissão Europeia ainda terá de ser revista e trabalhada por esta e só depois os governos da UE terão de chegar a uma decisão final. Após esta aprovação, haverá um período de transição de 18 meses para o abandono dos PFAS, com exceções para produtos essenciais sem substituição disponível, que contarão com adiamentos por mais 5 ou 12 anos. Fora do leque de produtos com PFAS a banir ficarão os pesticidas, embora a Comissão tenha anunciado a intenção de vir a proibir herbicidas com Flufenacet, produzidos pela Bayer e BASF, ou fungicidas com Flutolanil, ambos considerados pesticidas com PFAS.
As promessas de regulação forte dos PFAS iniciadas em 2020 com o Green Deal europeu, uma das bandeiras da primeira comissão von der Leyen, foram suavizadas nos últimos anos. A bandeira da segunda comissão von der Leyen é o relatório Draghi, que assumiu os argumentos da indústria ao pôr a tónica na competitividade e a dar como exemplo das barreiras ao investimento a “incerteza em relação às substâncias permitidas para uso no mercado europeu” em algumas indústrias, uma das expressões mais usadas no “spin” da propaganda dos lóbistas dos PFAS. Na sua audição antes da investidura, a nova comissária do Ambiente, Jessika Roswall, disse aos eurodeputados que iria procurar proibir os PFAS em produtos de grande consumo como os cosméticos, embalagens e vestuário impermeável, deixando de fora os produtos de uso industrial que constituem a maior fonte de exposição a estes poluentes.