Descobertos nos anos 1940, os PFAS tornaram-se uma fonte crescente de preocupação nos últimos anos devido aos seus efeitos na saúde. O toxicologista Robert Barouki, diretor da unidade “farmacologia, toxicologia e sinalização celular” do Inserm e chefe do departamento de bioquímica metabólica do Hospital Necker-Pediatria, descreve os problemas colocados por estes poluentes muito persistentes.
O que são as substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas, mais conhecidas pelo acrónimo “PFAS”?
O termo PFAS designa uma classe de produtos químicos sintéticos com a caraterística distintiva de possuirem na sua estrutura uma cadeia de átomos de carbono e flúor de comprimentos mais ou menos longa.
Devido às suas propriedades antiaderentes e impermeabilizantes, bem como à sua boa resistência ao calor e elevada estabilidade química, são atualmente utilizados numa vasta gama de produtos do quotidiano (lubrificantes, tintas, impermeabilizantes, espumas contra incêndios, embalagens alimentares, fio dental, cosméticos, utensílios de cozinha...).
Esta utilização generalizada coloca um problema, uma vez que um número crescente de estudos mostra que os PFAS têm efeitos nocivos para a saúde…
Em 2023, a Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC) classificou o PFOA (ácido perfluorooctanóico) como “cancerígeno para os seres humanos” e o PFOS (ácido perfluorooctanossulfónico) como “possivelmente cancerígeno para os seres humanos”.
Para além do risco de cancro associado aos PFAS, sabemos agora que estes produtos também colocam outros problemas.
Uma das mais preocupantes é a sua capacidade de perturbar a resposta imunitária. No início da década de 2010, a investigação de Philippe Grandjean demonstrou que quanto mais elevados eram os níveis de contaminação das crianças por compostos perfluorados, menos eficaz era a sua resposta à vacinação (o seu organismo produzia menos anticorpos). Estes resultados são muito sólidos, uma vez que foram reproduzidos experimentalmente em animais.
Os efeitos dos PFAS foram igualmente observados em casos de contaminação ambiental, como o emblemático incidente de Parkesburg, nos Estados Unidos. Os trabalhos científicos realizados na altura estabeleceram uma ligação entre a exposição aos PFAS (nomeadamente através da água potável) e várias patologias: hipercolesterolemia, colite ulcerosa, doenças da tiroide, cancro dos testículos, cancro dos rins e hipertensão induzida pela gravidez.
Para além da alteração da função imunitária e do aumento do risco de cancro, os estudos epidemiológicos revelaram associações entre a exposição a certos PFAS específicos e diversos problemas de saúde: problemas de tiroide, doenças hepáticas e renais, desregulação dos lípidos e da insulina, efeitos nefastos na reprodução e no desenvolvimento (as mulheres expostas aos PFAS durante a gravidez dão à luz bebés com peso inferior)…
O problema é que existem atualmente vários milhares de PFASs, mas a investigação científica tem-se centrado apenas em alguns deles. Em 2020, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos – AESA – avaliou os riscos e estabeleceu a dose admissível nos alimentos para apenas quatro deles: PFOA, PFOS, ácido perfluorononanóico (PFNA) e ácido perfluorohexano sulfónico (PFHxS).
Como se fica contaminado?
Segundo a AESA, os produtos do mar, os ovos e a carne são os principais responsáveis pela contaminação por PFOA e PFOS. A este respeito, é interessante notar que a contaminação por PFAS é um pouco atípica: é mais elevada nas categorias socioprofissionais mais privilegiadas, porque as pessoas com melhores condições financeiras comem mais peixe ou produtos do mar.
A água potável também pode ser uma fonte de exposição, tal como o ar interior e exterior, as poeiras e o solo contaminado. A exposição profissional também pode ocorrer em vários sectores industriais (químico, têxtil, eletrónico, etc.). Os níveis mais elevados de impregnação encontram-se entre os trabalhadores das instalações de fabrico de PFAS.
Um estudo recente efetuado na Europa revelou que quase todos nós temos PFAS no nosso corpo e que cerca de 10-15% da população tem uma concentração sanguínea de PFAS que excede o valor limite (este valor foi estabelecido de forma muito conservadora e não é um valor que estabeleça um limiar de toxicidade). Como acontece com todos os poluentes, a contaminação de mulheres grávidas e crianças é considerada a mais problemática.
A situação é ainda mais preocupante porque os PFAS estão em todo o lado, e durante muito tempo…
A AESA classifica os PFAS como compostos “muito persistentes e muito móveis”.
Muito persistentes, porque os PFAS são muito estáveis. Não se decompõem no ambiente e, quando entram no nosso organismo, é muito difícil livrarmo-nos deles. Ao contrário de alguns outros poluentes, como o bisfenol A, que são rapidamente eliminados uma vez terminada a exposição, os PFAS persistem no organismo durante vários anos. Além disso, as suas propriedades químicas permitem-lhes ligar-se às proteínas, pelo que podem ser encontrados em praticamente qualquer parte do organismo.
Infelizmente, muito pouca investigação tem sido feita sobre os efeitos da ligação dos PFAS na função das proteínas, pelo que não sabemos realmente quais são as consequências. Atualmente, não conhecemos realmente o mecanismo de ação destes compostos.
Para além da elevada estabilidade química dos PFAS, outra das suas propriedades é altamente problemática. Se olharmos para uma molécula de PFAS, vemos que ela tem um lado hidrofílico (que gosta de água) e um lado muito hidrofóbico (que gosta de gordura). Como resultado, os PFAS são tanto solúveis em gordura como em água. Isto torna-os altamente móveis no ambiente. Uma vez no solo, podem espalhar-se, contaminando não só o solo e os sedimentos, mas também a água. Por conseguinte, podem ser encontrados muito longe dos locais onde foram produzidos, utilizados ou eliminados (aterros sanitários)…
Dada a analogia estrutural que existe entre os milhares de PFASs conhecidos, a grande questão é saber se as propriedades das três ou quatro moléculas mais estudadas são partilhadas por todas as outras… É provável que sim, mas o problema é que, para o estabelecer cientificamente, teríamos de repetir os mesmos estudos sobre cada PFAS conhecido, o que demoraria décadas…
Sobre este assunto, os testes regulamentares atuais são adequados?
Não devemos negligenciar os avanços alcançados com a imposição de testes regulamentares à indústria antes da comercialização de novos produtos. Inicialmente, os testes eram muito rudimentares. A contrapartida da introdução de testes mais elaborados e bem construídos foi a limitação do seu número.
O problema é que estes testes estão a evoluir muito lentamente, face às novas descobertas científicas. Um exemplo emblemático é a questão dos efeitos desreguladores endócrinos de certas substâncias químicas. A sua existência, suspeitada desde os anos 60, está demonstrada há várias décadas. No entanto, os testes regulamentares ainda não foram concebidos para detetar tais efeitos.
O mesmo se aplica à imunotoxicidade: existem testes, mas nem todos são obrigatórios. No caso dos PFAS, foi a toxicidade para o sistema imunitário que foi utilizada para estabelecer o valor-limite. Esta situação é totalmente contrária à abordagem tradicional (que se baseia geralmente nos efeitos carcinogénicos e em alguns outros impactos) e sugere que devem ser desenvolvidos testes que tenham sistematicamente em conta este tipo de efeitos.
O problema é que as alterações propostas têm de ser aceites pela OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos). Este é um processo muito lento e pesado. Pode demorar até 10 anos. Este facto desencoraja muitos investigadores, especialmente porque o seu trabalho não pode ser utilizado como investigação científica. Os investigadores são financiados para encontrar novos resultados e não para estabelecer protocolos de teste.
Provavelmente, deveríamos criar uma organização dedicada a este tipo de desenvolvimento.
Poderíamos imaginar alternativas aos PFAS?
Intelectualmente, não excluo a possibilidade de serem desenvolvidos compostos que tenham as mesmas propriedades, mas que sejam mais inofensivos. Não há nenhuma razão fundamental para que essas propriedades estejam inevitavelmente associadas à toxicidade. Mas só podemos ter a certeza disso quando compreendermos realmente o mecanismo de ação que conduz à toxicidade que constatamos.
Em todo o caso, de momento, não me parece que exista um substituto suficientemente convincente. Há alguns anos, falámos do GenX, um PFAS cuja meia-vida (tempo necessário para que a concentração diminua para metade, nota do editor) é um pouco mais curta do que a dos outros. Mas depois apercebemo-nos de que também ele coloca problemas…
Está em discussão em França um projeto de lei para proibir a utilização de PFAS. O projeto foi aprovado pela Assembleia Nacional Francesa, mas os deputados votaram no sentido de excluir os utensílios de cozinha, sob pressão dos fabricantes. O que é que devemos pensar disto?
É sempre difícil passar da ciência para a decisão política. É de salientar que os revestimentos dos utensílios de cozinha são feitos de polímeros. Neste caso, os dados científicos disponíveis parecem indicar que a toxicidade não é tão preocupante como no caso dos PFAS “líquidos”, como o PFOA ou o PFOS. No entanto, existem menos estudos sobre os polímeros e subsistem muitas questões: o que acontece quando estes se degradam? Existe o risco de absorção de partículas de polímeros? Com que consequências?
Além disso, para os produzir, têm de ser utilizados PFAS de formas mais problemáticas, o que levanta a questão da contaminação profissional ou ambiental. Teria sido preferível proibir também os polímeros, mas dando um prazo aos fabricantes. A fixação de um prazo teria provavelmente incentivado os fabricantes a procurar alternativas.
Os produtos que contêm PFAS deveriam ser objeto de rotulagem específica?
As pessoas devem ser informadas sobre a composição dos produtos de consumo para que possam estar conscientes dos riscos e decidir se querem ou não expor-se a eles. Pessoalmente, sou a favor da introdução de um tipo de rotulagem “Toxi-score”, inspirado no logótipo alimentar “Nutri-score”.
Esta rotulagem poderia também incentivar os fabricantes a procurar soluções alternativas, de modo a transformar o rótulo “sem PFAS” num argumento de marketing…
Existem soluções para descontaminar o ambiente… ou os seres humanos?
É muito complicado. Os sistemas de filtração ou de extração cromatográfica podem melhorar a qualidade da água, mas sem eliminar completamente os PFAS. Infelizmente, não há solução no que respeita ao solo. Poderíamos tentar remover o solo poluído, tratá-lo e depois devolvê-lo ao ambiente. Estão atualmente a ser realizados testes neste sentido em laboratórios, mas é inconcebível que possam ser aplicados em grande escala. A situação é muito semelhante ao problema da clordecona nas Antilhas francesas…
Quanto à utilização de medicamentos para eliminar os PFAS do organismo, sou muito cauteloso. Esta poderia ser uma abordagem a considerar no caso de contaminação maciça de trabalhadores, por exemplo. Um estudo demonstrou que os quelantes utilizados para tratar o colesterol podem reduzir para metade a quantidade de PFAS no sangue. Mas esta não é uma solução que possa ser encarada à escala da população, porque todos os medicamentos podem também ser tóxicos…
Texto publicado no The Conversation. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.