No dia em que no Parlamento começou o debate na especialidade do pacote Mais Habitação, agora marcado pelo recuo do PS em relação ao fim dos vistos gold e à mudança por despacho das Finanças das condições de acesso ao apoio extraordinário às rendas, excluindo milhares de pessoas e reduzindo os montantes, ouviram-se protestos no centro de Lisboa ao fim da tarde sob o lema “O + Habitação não serve a população!.
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A concentração promovida pelos movimentos que organizaram a manifestação Casa para Viver no dia 1 de abril serviu para "marcar o ponto da discussão sobre o Mais Habitação", afirmou Vasco Barata, da associação Chão das Lutas, à RTP.
"O que é preciso é que o Governo comece a ouvir estas pessoas e não os especuladores e o poder do lóbi imobiliário. Hoje do que se trata é de marcar a nossa indignação e até revolta com o programa Mais Habitação", prosseguiu o ativista, lamentando que face a uma "crise habitacional sem precedentes", o pacote de medidas que o Governo apresentou em fevereiro "na verdade foi nada mais que um conjunto de mentiras naquilo que importava para a vida das pessoas".
Cortes no apoio às rendas: "Se é lei, tem de ser cumprida"
Quanto aos cortes no apoio às rendas conhecidos esta semana, Vasco Barata diz que se trata do "epílogo de uma triste história", em que "foi prometido às pessoas que iam ter subsídios de renda a chegar ao seu bolso - uma política que até achamos que é errada porque é subsidiar os preços do mercado - mas era uma medida que ia chegar ao bolso das pessoas". E agora, no dia do prometido pagamento, "as pessoas viram que o que tinha sido prometido era uma mentira. É também por isso que estamos aqui hoje".
Essa foi a principal razão que levou um dos manifestantes entrevistados pela CNN Portugal ao Largo Camões, indignado por não ter recebido nem o apoio nem respostas das entidades envolvidas. "Reúno as condições para ter acesso ao apoio. Liguei para a Segurança Social e diz que é responsabilidade do IHRU. Depois ligo para esse instituto e diz que é responsabilidade da Autoridade Tributária. E vão passando as responsabilidades sem ninguém resolver nada. Mandei emails e recebo respostas diferentes, ninguém resolve o problema e conheço várias pessoas nesta situação", explicou.
Foto de Mariana Carneiro.
Para este manifestante, "isto não é justo, porque é um decreto-lei. Se é lei, tem de ser cumprida, se o próprio Estado não cumpre a lei com os cidadãos, como é que temos credibilidade em relação à própria lei?", questionou.
Movimentos pelo direito à habitação entregaram propostas ao Parlamento
No centro da praça o microfone foi usado para se fazerem ouvir as razões e as propostas dos coletivos que lutam pelo direito à habitação.
Com presença no terreno há vários anos, a associação Habita diz que "a crise da habitação não é uma novidade", e também "não é uma fatalidade nem uma inevitabilidade", mas sim o resultado de políticas de vários governos e de um Estado que "continua a proteger os interesses daqueles que querem fazer das nossas casas uma mercadoria, em detrimento do nosso direito fundamental a habitar". Teresa Mamede defendeu "a solidariedade acima da propriedade" para assim evitar que as cidades se transformem "em tabuleiros de monopólio" ou que as únicas soluções possíveis "sejam viver numa casa sobrelotada, ou numa casa insalubre que nos faz ficar doentes, ou ocupar uma casa municipal e viver dia após dia sob a ameaça de ter um batalhão de polícia e assistentes sociais a bater à porta, prontos para nos deixar na rua, indiferentes à presença de crianças", no que diz ser "uma das facetas mais vis e desprezíveis do Estado".
O Movimento Referendo pela Habitação, que reivindica a implementação de um referendo local em Lisboa para converter alojamentos locais em casas para habitar e que faz parte da plataforma Casa para Viver, criticou os recuos do Governo no corte dos apoios, no arrendamento coercivo, nos vistos gold e na taxa sobre o alojamento local, que começou por ser de 35% e já caiu para os 15%. "Todos os dias escutamos dezenas de histórias de terror de habitação que se acumulam em milhares" e por isso "este é um problema que precisamos de enfrentar coletivamente", defendeu Luísa Lambuça, apelando às pessoas presentes para assinarem a proposta de referendo.
Foto de Mariana Carneiro.
Pela Chão das Lutas tomou a palavra Maria Valente, informando que a plataforma tinha entregue as suas propostas aos grupos parlamentares da esquerda e que elas passam pelo controlo de rendas, de forma a que a taxa de esforço nunca ultrapasse os 20%, pela fixação das prestações do crédito para primeira habitação no valor de junho do ano passado e pelo fim real dos vistos gold e de "todos os benefícios fiscais a não residentes, nómadas digitais, fundos imobiliários que em nada contribuem para o nosso Estado Social".
Também André Escoval, do movimento Porta a Porta, defendeu que "a política que nos está a ser imposta é incompatível com a vida que merecemos” e que é preciso "dar o cartão vermelho necessário a estas opções, a esta política”. O movimento propõe que as rendas sejam tabeladas e que os bancos devem "fixar o valor dos créditos garantindo que nenhuma família paga mais de 35% dos seus rendimentos de prestação”, além do fim dos vistos gold.
Durante a concentração ouviram-se palavras de ordem como "Um despejo, mil ocupações", “Estamos fartos de escolher: pagar a renda ou comer”, ou “Uma casa para morar, não para especular”.
Mariana Mortágua: "O Governo não fez nada para lidar com esta crise"
A coordenadora bloquista Mariana Mortágua esteve presente para levar a solidariedade do Bloco com o movimento. Em declarações aos jornalistas, destacou algumas das 14 propostas que leva ao debate parlamentar, como a limitação do valor das rendas, usando os mesmos critérios do programa Porta 65, ou a obrigação dos bancos renegociarem os contratos de crédito à habitação e reduzirem os spreads quando a taxa de esforço sobe dois pontos percentuais. Tal como tinha feito horas antes após a audiência no Palácio de Belém, Mariana Mortágua criticou a falta de vontade política do Governo e do PS e o seu alinhamento com os interesses financeiros e imobiliários.
"Portugal vive uma crise na habitação, o direito à habitação não está garantido. A habitação é hoje para a maior parte das pessoas uma impossibilidade ou um fator de ansiedade ou de medo. O Governo não fez nada para lidar co esta crise e não tem nenhuma medida eficaz para lidar com a crise da habitação", afirmou Mariana Mortágua.