Grande parte já se sabia. Mas desta feita surge explícito em 205 relatórios da Polícia Municipal de Madrid. Durante o período pior da pandemia de Covid-19 em Espanha, a situação nos lares de terceira idade de Madrid era de caos com cadáveres de idosos acumulados no seu interior, falta de cuidados paliativos e de materiais de proteção para os trabalhadores.
O Governo da Comunidade de Madrid, liderado por Isabel Díaz Ayuso do PP, tinha emitido então as ordens que passaram a ser conhecidas como os “protocolos da vergonha” em que dava orientação para que as pessoas doentes com Covid-19 nestes lares não fossem conduzidas aos hospitais. Pelas consequências da decisão correm várias queixas em tribunal. De acordo com María Jesús Valero, porta-voz do grupo Maré de Residências, em declarações ao Público espanhol, só entre março e abril de 2020 morreram nos lares de Madrid 7.291 pessoas que tinham sido impedidas de recorrer aos hospitais, o seu pai foi uma delas.
Recentemente, o governo autonómico de Madrid ainda tentou recorrer aos tribunais para que estes documentos policiais não fossem tornados públicos mas o Conselho de Transparência da Comunidade de Madrid permitiu que aCadena Ser os revelasse. Nas palavras deste órgão de comunicação, os relatórios “oferecem um retrato fidedigno do horror que sofreram os idosos, do esgotamento físico e mental dos seus trabalhadores e da sensação de abandono por parte da Comunidade de Madrid”.
Neles se pode ler, por exemplo, que a 5 de abril de 2020, a Polícia Municipal de Madrid se dirigiu ao lar Ballesol onde a sua diretora se queixava que era urgente que três idosos mortos fossem retirados das instalações, um falecido 48 horas antes, outros dois no dia anterior. No dia seguinte, quando a mesma força policial se deslocou ao lar Amavir de Puente de Vallecas aí encontraram três pessoas falecidas.
Há ainda relatos de idosos problemas cognitivos a “deambular sem controlo” nos lares, como comprovado por exemplo numa visita a 30 de março à residência Geriatel, de falta de materiais de proteção para os trabalhadores e várias queixas de “abandono” que os diretores dos lares dirigiam à Comunidade de Madrid.
Por exemplo, na residência Rafael Alberti, na Moncloa, a 4 de Madrid, os agentes depararam-se com pedidos urgentes de equipamento de proteção tendo deixado escrito que “ninguém compareceu nem a UME (Unidade Militar de Emergência que estava encarregue do apoio a situação sanitária) nem a Comunidade de Madrid. Em suma, ninguém”. No Lar Sagrado Coração, em 31 de março, havia também queixas de que faltava “muito equipamento de proteção” e de que não havia testes à Covid pelo que se desconhecia quantos casos poderiam existir no interior da unidade. A 6 de abril no Nossa Senhora de Montserrat faltavam equipamentos de proteção individual e estava a ser utilizados “sacos do lixo” para esse efeito. Ao mesmo tempo, lançava-se um pedido de ajuda por falta de pessoal. A 11 de abril, o Conjunto residencial Las Fuentes, em Hortaleza, pediu à Comunidade de Madrid desinfeção, testes rápidos e um médico e queixava-se de falta de resposta.
Situações já denunciadas pelos trabalhadores
Enquanto tudo isto se passava, as denúncias dos trabalhadores já tinham dado a conhecer a situação. Os trabalhadores do MATS, Movimento Assembleário de Trabalhadores da Saúde, por exemplo, tinham revelado ao El Salto em finais de março que “os cadáveres permanecem nas residências às vezes entre 24 a 48 horas sem que ninguém os leve. Na residência de idosos de Alcorcón um senhor que tinha falecido ficou 38 horas no local”.
Uma trabalhadora da residência Parque Coimbra confidenciava: “temos estado todo este tempo sem materiais de proteção, entrando e saindo do lar, nós e outras companheiras que trabalham também noutros lares”, descrevendo ainda que lhes tinham sido dadas máscaras de papel, que quando chegaram as homologadas só havia “para as enfermeiras e médicas”, e que tinham recebido ordens para “darmos paracetamol a 200 pessoas três vezes ao dia para que não apresentem sintomas”.
Estas trabalhadoras davam conta ainda de que ainda antes dos “protocolos da vergonha” se terem tornados públicos, ele já eram aplicados.