"Por trabalho digno, por jornalistas livres, em defesa da democracia", os jornalistas portugueses fazem esta quinta-feira uma greve de 24 horas e têm concentrações marcadas para as 9h em Coimbra (Pç. 8 de Maio), ao meio dia no Porto (Pç. General Humberto Delgado) e em Ponta Delgada (Jardim Antero de Quental) e às 15h em Faro (Doca de Faro). Em Lisboa, a concentração é às 18h no Largo Camões, com a presença solidária de artistas como A Garota Não, dos Fado Bicha e de Gaspar e Sebastião Varela (Expresso Transatlântico).
Esta é a primeira greve geral em mais de 40 anos dos jornalistas portugueses e não faltam razões para que aconteça, como ficou demonstrado no V Congresso dos Jornalistas em janeiro, que mandatou o sindicato para convocar a greve. "A insegurança no emprego, a par com os salários baixos praticados no setor, é um grave obstáculo ao desenvolvimento pleno da profissão de jornalista. É um entrave ao próprio direito dos cidadãos de serem informados livremente", diz a convocatória da paralisação.
“Baixos salários e precariedade impedem-nos de ter uma vida digna. É tempo de exigir condições justas para fazermos jornalismo de qualidade. Juntamo-nos ao apelo da greve dos jornalistas. Parem connosco”, lê-se no documento.
"Um jornalista que não consegue pagar as contas ou ter um mínimo de estabilidade no emprego é um jornalista condicionado no exercício do seu trabalho. O fluxo constante de notícias nas televisões, nos jornais, na rádio e na internet é há anos sustentado por práticas laborais que atropelam os direitos dos jornalistas", denuncia o sindicato.
O que querem os jornalistas?
Entre as exigências da greve estão aumentos salariais acima da inflação acumulada nos últimos dois anos a melhoria da remuneração dos freelancers, a garantia de um salário digno à entrada na profissão e de progressão regular na carreira, o pagamento de complementos por penosidade, trabalho por turnos e isenção de horário, a remuneração por horas extraordinárias, trabalho noturno, e em fins de semana e feriados, o fim da precariedade "generalizada e fraudulenta no setor", o cumprimento do Código do Trabalho e do Contrato Coletivo da imprensa, alargando-o ao setor audiovisual e da rádio.
Os jornalistas exigem também a justa remuneração para quem cumpre o estágio que é obrigatório para aceder à profissão e a intervenção do Estado na garantia de sustentabilidade financeira do jornalismo, bem como a revisão das estruturas regulatórias da comunicação social e do jornalismo.
A greve de quinta-feira abrange os jornalistas cujo horário de trabalho se inicie no dia 13 de março de 2023 e se prolongue para lá das 00.00h do dia 14 de março de 2024 e os jornalistas cujo horário de trabalho se inicia no dia 14 de março de 2024 e termina após as 00h00 15 de março de 2024.
"Jornalistas Sem Papel" escreveram carta aberta
Um grupo de mais de duas centenas de jornalistas publicou na passada sexta-feira uma "Carta aberta dos jornalistas sem papel" a apelar à participação na greve. Dizem que estão "no limite" e já não aguentam "os baixos salários, a precariedade, as longas horas de trabalho, a pressão para o imediatismo, os constantes burnouts". Citam o inquérito feito no ano passado às condições de vida e trabalho dos jornalistas que concluiu que um terço da classe recebe menos de mil euros líquidos por mês, 48% sentem-se inseguros com a sua situação laboral e 38% declararam ter problemas mentais decorrentes da profissão.
"A conclusão é clara: o jornalismo é uma profissão marcada por sobrecarga laboral, conflitos éticos, degradação da qualidade do trabalho, dificuldade de conciliação entre a vida profissional e a familiar, salários baixos e precariedade", resumem estes jornalistas, sublinhando que a situação piora a cada ano. A "constante exigência de hiper produtividade" leva a que seja dedicado menos tempo à investigação e preparação de cada notícia e o resultado esta à vista: "pior jornalismo, mais repetitivo, pouco explicativo, imediatista, monotemático, sensacionalista", apontam os subscritores, concluindo que "todo o país perde com isso".
A realidade laboral para os mais jovens - que precisam de vínculo laboral para terem acesso à carteira profissional de jornalista - é marcada pela precariedade e "há empresas que pagam só o salário mínimo nacional, só o subsídio de refeição ou, no extremo, nada". Também os contratos do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) "normalizaram a precariedade, ao funcionarem numa lógica de cadeira quente: depois de nove meses, quem estagia abandona a redação sem ter muitas vezes a carteira profissional, surgindo depois outra pessoa para ocupar o lugar deixado vago". E quando olham para o lado, estes jovens jornalistas já não veem os mais experientes, entretanto afastados, mas outros jornalistas "com 10, 15, 20 anos de carreira que pouco mais ganham e que há anos não recebem aumentos dignos".
A carta aberta destaca ainda a situação dos jornalistas freelancers, que são um terço do total de profissionais com carteira. Recebem à peça ou por avença, e muito pouco: "Por um artigo de investigação que demora meses, há jornais a pagarem 225 euros brutos, dos quais cerca de 40% são para impostos. Na área da Cultura, onde o regime freelancing impera, são 50 euros brutos por um texto de 2000 caracteres, que dá trabalho a pesquisar, a pensar e a escrever. A qualidade sai prejudicada e todos nós perdemos".
Numa profissão que viu sair 600 profissionais nos últimos seis anos e onde há jornalistas "com 20 ou 30 anos de experiência a receber entre 1200 a 1500 euros de salário líquido", a insatisfação é transversal à classe. Por isso, defendem que "é tempo de parar e exigir condições para fazermos o jornalismo de qualidade, profundo e plural que consideramos necessário numa sociedade democrática".