Esquerda com memória

Jorge Carvalho, o “Pisco”, homenageado no Porto pelo seu legado antifascista

09 de julho 2024 - 20:28

Jorge Carvalho “Pisco” recebeu esta semana a medalha da cidade do Porto, na cerimónia anual da Câmara Municipal do Porto. A autarquia decidiu homenagear o resistente pelo seu passado de luta contra o fascismo. Preso por várias vezes na sede da PIDE/DGS, na Rua do Heroísmo, é hoje uma das figuras da resistência antifascista da região do Porto.

porLuís Monteiro

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Jorge Carvalho “Pisco” (à esquerda), José Machado Castro (à direita)
Jorge Carvalho “Pisco” (à esquerda), José Machado Castro (à direita), durante a gravação do documentário “Museu da vergonha”. Edifício da ex-PIDE/DGS do Porto, 19 de abril de 2019

Todos os anos, várias figuras proeminentes da cidade são homenageadas. No ano em que se festejam os 50 anos da Revolução dos Cravos, foi a vez de assinalar o papel ímpar que Jorge Carvalho, o último preso político a sair da PIDE/DGS na rua do Heroísmo (já no dia 26 de abril), teve no combate ao fascismo e na construção do país livre e democrático, saído de Abril de 1974. A cerimónia de entrega da medalha ao ex-preso político aconteceu nos Jardins da Casa do Roseiral.

António Jorge Mendes Carvalho, nasceu em Matosinhos em 1947. Ainda jovem,  fez parte do MJT - Movimento da Juventude Trabalhadora e do MOJAF - Movimento Juvenil de Ajuda Fraterna que nos anos 60 impulsionou a construção de  casas para famílias carenciadas. Militante comunista, participou ativamente nas lutas populares na cidade do Porto contra a carestia de vida e a guerra colonial e nas movimentações da oposição democrática contra o regime fascista. Preso pela PIDE/DGS  no 1º de Maio de 1971 por “atividades contra a segurança do Estado”, foi condenado pelo tribunal plenário do Porto em julho de 1972 na suspensão de direitos políticos  por três anos. Detido novamente em 5 de abril de 1974, foi o último preso político a ser libertado das instalações da PIDE/DGS na rua do Heroísmo após a madrugada libertadora do 25 de Abril de 1974. Durante as suas duas passagens pela PIDE, foi alvo de inquéritos acompanhados de violência física e psicológica, sofreu tortura do sono e, por várias vezes, foi espancado.

As sequelas da brutalidade da polícia política do salazarismo ainda permanecem hoje no seu corpo e na sua memória. Em entrevista ao Porto Canal, por ocasião da entrega da medalha, Jorge Carvalho teve oportunidade de revisitar a cela onde esteve preso e, aí, partilhar algumas das suas más memórias daquele lugar. “Era cliente assíduo” (da PIDE no Porto), disse, em jeito de brincadeira, de forma a aliviar o peso dos momentos difíceis que ali viveu.

Nos últimos anos, tem pautado a sua intervenção, entre outras atividades políticas e associativas, na defesa da criação de um Museu da Resistência e Liberdade nas antigas instalações da PIDE/DGS, na Rua do Heroísmo, onde ele e milhares de outros opositores à ditadura foram detidos, presos, interrogados, torturados e até assassinados. Em 2019, participou na curta-metragem “Museu da Vergonha”, da autoria partilhada entre José Machado Castro e Luís Monteiro, que reúne vozes em defesa desse projeto museológico. O seu testemunho pode ser visto na íntegra aqui: 

Museu da Vergonha - Testemunho do Pisco, o último preso político a sair da PIDE do Porto from Cat David on Vimeo.

A memória coletiva do povo portuense na defesa de um país livre, democrático, mais justo e solidário encontra, na figura e na história de vida de Jorge Carvalho, um exemplo de persistência e dedicação.

Luís Monteiro
Sobre o/a autor(a)

Luís Monteiro

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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