Trabalho

“Já sabemos o que a casa gasta”. Trabalhadores da SCML em greve

14 de março 2025 - 13:29

Centenas de trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa juntaram-se em frente à sede da instituição para reivindicar valorização e dignidade. Várias classes profissionais gritam "respeito!" em conjunto.

porDaniel Moura Borges

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Concentração de trabalhadores da SCML
Concentração de trabalhadores da SCML. Fotografia de Esquerda.net.

Quem sobe a rua da Misericórdia, em Lisboa, vai dar de frente com o Largo Trindade Coelho. É lá que centenas de trabalhadores se concentram na manhã desta sexta-feira, em frente à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), para reivindicar melhores condições de trabalho.

Os sindicatos dos trabalhadores em funções públicas e sociais (STFPSN e STFPSSRA), o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), o Sindicato Nacional dos Psicólogos (SNP) e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisuais (SINTTAV) convocaram uma greve de 24 horas para reivindicar atualizações salariais, descongelamento das progressões e fim da desregulamentação dos horários de trabalho.

Nas negociações com os sindicatos, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa comunicou “a sua indisponibilidade para negociar atualizações salariais para além do aumento do salário mínimo nacional”, lê-se na comunicação da greve. Essa consideração terá impacto em toda a tabela salarial, conforme estrutura do Acordo de Empresa em vigor.

Apesar dos sindicatos terem apresentado um caderno reivindicativo no dia 11 de dezembro de 2024, a instituição ainda não apresentou qualquer contraproposta. Face a esse comportamento, os trabalhadores consideraram que “é hora de tornar em ação as reivindicações dos trabalhadores”.

A concentração, convocada para as 11h da manhã, junta auxiliares de geriatria e de infância, apoio domiciliário com psicólogos, educadores e administrativos, que gritam “valorização!” e “queremos respeito!”. Quando se abre o microfone às intervenções dos trabalhadores, o cenário torna-se claro que as diferentes profissões têm o mesmo problema: os baixos salários, o desgaste, a desvalorização.

Concentração de trabalhadores da SCML
Fotografia de Esquerda.net.

Uma das auxiliares explica a contradição entre a importância do trabalho de cuidado que fazem e a baixa remuneração que recebem. Apesar de tratarem um “público vulnerável”, o aumento do custo de vida e a estagnação dos salários significa que “cada vez mais o público vulnerável somos nós”. Outros trabalhadores expressam indignação. Uma educadora diz que a situação é cada vez mais “um barco que está a afundar para nós”, mas não para a instituição, outro psicólogo denuncia que “para fazer negócios milionários há sempre dinheiro”.

“Há um grande desgaste”, diz Carla Botão, educadora de infância na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa há 32 anos. “Não só porque a profissão em si é desgastante mas também pelo excesso de trabalho que a Santa Casa obriga o trabalhador a fazer. Passamos quase metade do nosso trabalho a tratar de papéis”

Carla veio vestida de preto, para simbolizar a perda de “direitos, de progressão de carreira, de dinheiro no bolso, de condições de trabalho, de valorização”. Nos últimos dez anos, a trabalhadora sente que a situação “piorou bastante para todos os trabalhadores da Santa Casa”.

Em particular na educação, estão-se a perder muitos trabalhadores “e ninguém pergunta porque é que eles se estão a ir embora”. “Estão descontentes com a Santa Casa porque somos desvalorizados. Há falta de material, más condições de trabalho, não há progressão da carreira, nós até deixámos de ser do corpo docente!”.

A educadora de infância pinta um cenário caótico sobre a gerência da SCML. Excesso de crianças nas salas, falta de material didático, condições ergonómicas desadequadas para os trabalhadores, acumulação de funções, que prejudicam o trabalho e a educação na instituição.

Noutras áreas, não parece ser muito diferente. Rosa Morais é ajudante de lar e centro de dia mas também já trabalhou no apoio domiciliário. Está no quadro há 23 anos e veio à concentração porque sente “um desgaste psicológico e discriminação” no serviço onde está, particularmente desde que mudaram as chefias em maio de 2024.

“Durante anos fiz um horário das 8h às 16h, e quando entrou a nova chefia quis alternar horários em diferentes semanas”, diz. “Não acho que seja justo, tenho os meus pais para cuidar. O meu pai acabou por falecer e houve muita pouca compreensão, a minha mãe está acamada”.

Concentração de trabalhadores da SCML
Fotografia de Esquerda.net.

A cuidadora sente um maior mal-estar dentro da instituição nos últimos anos com “mais desvalorização” e com “falta de acompanhamento aos serviços”. “Deviam fazer mais para perceberem que as pessoas não estão contentes nos serviços onde estão a trabalhar”, conclui.

Mesmo entre quem não cuida, há uma insatisfação crescente. Leonor Pinto e Paula Moura são administrativas no departamento de jogos, e trabalham há várias décadas na SCML. Denunciam que os salários não aumentam, que as condições de carreira não existem e que quem entra começa a ganhar mais.

“Tem ficado mais difícil porque tudo aumenta à exceção dos ordenados”, lamenta Paula. “Não conseguimos acompanhar o custo de vida, há muita gente dentro da Santa Casa com muitas dificuldades, que não conseguem chegar ao fim do mês”. Apesar das centenas de colegas que se juntam ali, no Largo Trindade Coelho, mantêm-se céticas em relação à posição da instituição face às reivindicações dos professores. “Há sempre dinheiro para alguma porcaria que arranjam, mas nunca é para nós”, lamenta Leonor. “Já sabemos o que a casa gasta”.

Valorização é "fundamental" no trabalho social

Isabel Pires considera que "a valorização salarial é fundamental para todos os trabalhadores, mas ganha uma dimensão relevante quando falamos de trabalhadores que fazem trabalho social". Por isso, a deputada do Bloco de Esquerda salienta que a concentração e a greve dos trabalhadores da SCML "é de saudar e muito relevante".

"O trabalho feito por estas pessoas é essencial para a prossecução de tarefas fundamentais" , diz. "Trabalham muitas horas, de forma deseregulada, mas sem progrossão de carreiras nem de salários".

A dirigente bloquista salienta que o Bloco de Esquerda se compromete, como tem feito até hoje, " pela valorização salarial e de carreiras dos trabalhadores e trabalhadoras da Santa Casa Misericórdia de Lisboa".

Daniel Moura Borges
Sobre o/a autor(a)

Daniel Moura Borges

Militante do Bloco de Esquerda.