Itália: governo de extrema-direita quer acabar com crime de abuso de poder

07 de fevereiro 2024 - 11:22

Os aliados do Chega em Itália acham que este crime é demasiado vago e inibe a aprovação de projetos económicos. A Comissão Europeia diz que a proposta “descriminaliza uma forma importante de corrupção”. Magistrados e associações anti-corrupção estão também contra.

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O líder da extrema-direita nacional com Santiago Abascal do Vox e Meloni, a primeira-ministra italiana. Foto do Twitter de André Ventura.
O líder da extrema-direita nacional com Santiago Abascal do Vox e Meloni, a primeira-ministra italiana. Foto do Twitter de André Ventura.

Em Itália, o crime de abuso de poder é punível com até quatro anos de prisão. Diz respeito ao uso da posição pública em benefício próprio ou de terceiros e pode ser aplicado a funcionários públicos ou pessoas que exerçam cargos eletivos como presidentes de Câmara. Carlo Nordio, o ministro da Justiça do governo de extrema-direita liderado por Meloni, considera tratar-se de um crime demasiado vago, pensa que a sua existência acaba por desencorajar os políticos e funcionários locais de aprovarem projetos por medo que sejam investigados o que causaria “danos económicos que afetam os cidadãos” e alega que este crime “entope os gabinetes do Ministério Público com ficheiros inúteis, consumindo energia que deveria ser direcionada para crimes que requerem maior atenção”.

Assim, o governo elaborou uma proposta com a finalidade de descriminalizar o abuso de poder, o que vai ser discutido na próxima terça-feira no Senado italiano.

Num país em que as infiltrações da máfia nas estruturas públicas são frequentes, a proposta gerou tensões com a União Europeia e está a ser rejeitada por vários setores do poder judicial que consideram que facilitará os crimes económicos e de colarinho branco.

É o que assinala o Guardian, ao citar Giuseppe Inzerillo, advogado de Palermo e especialista em direito penal, que confirma estes perigos: “certamente a abolição desta lei poderia levar a um maior risco de infiltração da máfia no sector público. Estando certo de não incorrer no crime de abuso de poder, um presidente de Câmara que tenha que realizar uma obra pública poderá delegar a construção a um parente, a um amigo e – por que não? – para um amigo mafioso.”

O professor de direito criminal na Universidade de Milão, Gian Luigi Gatta, disse à AFP que este crime “desempenha um papel importante” e que acabar com ele “significa criar alçapões na defesa da administração pública”.

Já o presidente da Associação Nacional de Magistrados de Itália, Giuseppe Santalucia, citado pela mesma fonte, diz que seria “inaceitável” que a lei seja “indiferente a um servidor público que abuse dos seus poderes”. E a associação anti-corrupção Avviso Pubblico alertou que a descriminalização “daria rédeas livres aos crimes de colarinho branco e económicos, facilitando as relações entre a máfia e os políticos, a começar pelas autoridades locais”.

Do lado da Comissão Europeia, Christian Wigand, porta-voz da instituição afirmou o mês passado que assim se “descriminalizariam formas importantes de corrupção", o que poderia ter um impacto na eficácia da luta contra a corrupção. O abuso de poder é crime em 25 dos 27 países da União Europeia e a Comissão pretenderia que o fosse em todos.