Em janeiro, durante a apresentação do programa económico da AD, Luís Montenegro prometeu que caso vencesse as eleições o seu Governo iria “permitir que o rendimento do trabalho não seja subtraído na fatia de leão de pagamento de impostos ao Estado”. No texto do programa, acrescentava que “o esforço de redução de impostos será concentrado no IRS, especialmente sobre o trabalho, pensões e poupança e no IRC, especialmente sobre o investimento”. E propunha a redução das taxas marginais do IRS até ao 8º escalão entre 0,5 e três pontos percentuais “face a 2023”.
Esta referência a 2023 passou despercebida aos jornalistas e comentadores económicos, que apresentavam como um autêntico “choque fiscal” a redução do IRS que o PSD estava a prometer. Do lado do partido e do seu líder, também não convinha desfazer o engano, pois assim ficaria também desfeita a sua principal promessa de campanha. Foi só quando chegou ao Governo e propôs a medida que o truque ficou exposto: afinal, 90% do alívio fiscal prometido por Montenegro estava já em vigor pela mão do executivo socialista.
Redução do IRS
Parlamento adiou votação das propostas da direita e aprovou algumas da esquerda
O que representa então o acréscimo do PSD à redução do IRS já inscrita no Orçamento do Estado deste ano? Para a grande maioria dos contribuintes que pagam IRS, é pouco mais que migalhas. Nas contas do próprio Governo republicadas pelo Expresso, quem ganha um salário de mil euros brutos vai poupar 1,79 euros mensais, o que não chega para pagar três cafés ao balcão. Quem ganha 1.500 euros brutos verá esse rendimento mensal chegar aos 1.504,64 e se o salário bruto for de 2.000 euros a vantagem fiscal continua a não chegar a uma nota de dez euros: serão 2.007,64 euros.
Se quem está na base da pirâmide salarial do IRS, com 850 euros de salário bruto, certamente não se sentirá muito aliviado com os 27 cêntimos mensais a mais na carteira, em comparação com os 29 euros a mais da redução do anterior Governo para 2024, esta proposta do executivo da AD opta por concentrar o suposto “alívio” nos escalões de rendimento mais altos, que devido à progressividade do imposto beneficiam também com a redução dos escalões mais baixos. Um salário bruto de 4.000 euros pagaria menos 40 euros de IRS, um de 6.000 euros pouparia quase 45 euros e os salários do escalão mais alto, a partir de 10.000 euros brutos, teriam um “alívio” de mais 46 euros, nas contas da consultora PwC para o Expresso, a acrescer aos 64,5 euros do “alívio” concedido para este ano pelo Governo do PS aos salários mais elevados. Ou seja, as mexidas nos escalões, quer as do PS quer as da AD, acabam por contribuir para o aumento da desigualdade.
Proposta do Bloco aumenta dedução específica e alarga deduções dos juros da casa
Em vez de propor nova mexida nas taxas a somar à que o anterior Governo tinha aprovado, a proposta do Bloco - que ao contrário da do Governo foi aprovada na generalidade e agora vai bater-se por não ser derrubada pela direita na comissão parlamentar de Finanças - traduz-se em três medidas. A primeira diz respeito à dedução específica, que abrange todos os contribuintes de IRS e corresponde à importância considerada indispensável para a obtenção dos valores recebidos. Ou seja, é o valor que é subtraído ao rendimento global para transformar rendimento bruto em líquido, sendo aplicado automaticamente. Para os trabalhadores por conta de outrem, ela é de 4.104 euros por cada titular de rendimentos. Este valor não é atualizado desde 2011 e a proposta do Bloco é fazer essa atualização, com o valor deste “desconto automático” a aumentar 582 euros. Uma medida de justiça fiscal, aplicada a todos em igualdade de circunstâncias, que serve para acompanhar o aumento do custo devida dos últimos anos.
IRS
Bloco quer alargar deduções com juros do crédito à habitação aos contratos recentes
As outras duas propostas vêm beneficiar quem tem encargos com crédito à habitação e viu nos últimos anos a prestação da casa disparar com a subida dos juros, num dos países onde a banca se destacou a transferir essa subida para os seus clientes, segundo um estudo do FMI divulgado no mês passado.
As famílias que compraram casa com recurso ao crédito à habitação desde o final de 2011 continuam hoje excluídas da possibilidade de deduzirem os juros desse crédito no IRS. A proposta do Bloco visa dar-lhes essa possibilidade, à semelhança do que acontece com quem comprou casa antes dessa data. A medida irá abranger e trazer poupanças fiscais a milhares de pessoas com dificuldade em fazer face à subida das taxas. A outra proposta, à semelhança do que é feito com a dedução específica, determina a atualização do valor máximo da dedução, que também não é revisto desde 2012. Caso a proposta saia vencedora na discussão em especialidade, esse teto da dedução com juros do crédito à habitação irá passar dos atuais 296 euros para 360 euros.
Esta quinta-feira, antes do início da discussão das propostas na especialidade, Mariana Mortágua insistiu que “é importante que estes projetos não morram na especialidade, quando ninguém está a ver, depois de ter sido feito um ‘número’ no plenário da Assembleia da República”. E por isso desafiou os restantes partidos a dizerem “qual o seu compromisso na descida do IRS face às várias propostas e em particular em relação à proposta que permite a dedução dos juros dos créditos à habitação posteriores a 2011”.