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Holanda: Uma ressaca em vez de um terremoto

Depois do resultado dececionante do Partido Socialista, que algumas sondagens apontavam como o possível vencedor, a principal pergunta é: que balanço fará o partido? Vai continuar virado ao centro ou voltará às suas raízes, como partido de protestos anti-neoliberais? Por Alex de Jong*
O SP é o único partido no parlamento holandês que refuta o neoliberalismo, apesar da relativa moderação do seu programa.

O Partido Socialista (SP) holandês elegeu 15 deputados nas eleições legislativas do passado 12 de setembro, na Holanda. Os mesmos que tinha antes. Ainda com os prognósticos de há duas semanas frescos na memória, quando o SP, de acordo com as sondagens, obtinha 35 deputados (cerca de 24% dos votos), os meios de comunicação internacionais, como o The Economist, criaram um alarmismo sobre o dirigente do SP - Emile Roemer – e o caráter de “extrema esquerda” do partido. Os resultados finais foram uma deceção para as pessoas da esquerda holandesa, mas não deveria ter sido uma surpresa.

As sondagens previam um terramoto político. Por um momento, parecia que o tradicional partido social-democrata, o Partido do Trabalho (PvdA) seria superado por um dos partidos à sua esquerda. Para entender por que não foi assim e, por sua vez, por que o partido governante de direita obteve uma grande vitória e o segundo grande ganhador foi o Partido do Trabalho, temos de analisar que tipo de sismo previam as sondagens.

O SP não é muito parecido com o Syriza ou com o Front de Gauche, para citar dois partidos europeus com os quais foi comparado. O seu programa eleitoral era progressista social-democrata, propondo medidas como o crescimento da despesa pública para a habitação social, o meio ambiente e os transportes públicos, bem como um aumento do salário mínimo. No que se refere à mudança das relações de propriedade, houve algumas propostas de reverter (parcialmente) uma série de privatizações, que tiveram lugar nas duas últimas décadas (por exemplo, as ferrovias e os serviços postais). Não houve nenhuma proposta de nacionalizar, por exemplo, partes do sector financeiro.

Quanto às medidas de austeridade promovidas pela União Europeia, o SP refutou uma das suas peças centrais, o "Pacto de Estabilidade e Crescimento Europeu", que exige que o défice orçamental dos países da UE esteja abaixo de 3% por cento, em 2013. Mas o partido comprometeu-se com o mesmo objetivo, só que dois anos depois, em 2015. E também aceitou como inevitável o aumento da aposentação de 65 a 67 anos, a partir de 2025.

A base do Partido do Trabalho vira à esquerda

O programa do SP está à direita daquilo que o Partido do Trabalho holandês defendia na década de 1970 e não é muito diferente do que se pode ouvir hoje nos círculos de Hollande do Partido Socialista francês.

Que se continue a pendurar a etiqueta de "extrema-esquerda" ao SP, mesmo que seja claramente a força mais esquerdista nos Países Baixos, é um indicador do estado de ânimo político geral e do equilíbrio de forças. E demonstra até que ponto os outros partidos, incluindo o Partido do Trabalho e os Verdes, evoluíram para a direita (com a exceção possível do pequeno Partido dos Animais, um grupo pro-direitos dos animais).

O SP é o único partido no parlamento holandês que refuta o neoliberalismo. Apesar da relativa moderação do programa do SP, a direita ainda espumava pela boca quando as sondagens mostravam que ele poderia converter-se no maior partido do país.

Muitas pessoas que declararam aos entrevistadores que iriam votar no SP eram simpatizantes do Partido do Trabalho. Existe uma tendência a longo prazo dos votantes do Partido do Trabalho, fartos das traições desta "terceira via" social-liberal do partido, para virarem à esquerda. Esta viragem para o SP de uma parte considerável da antiga base social da social-democracia supõe um avanço importante para a esquerda e para o movimento operário holandês.

Entre os sindicalistas, por exemplo, o SP é agora mais popular que o Partido do Trabalho. À medida que o Partido do Trabalho se encostou à direita, os partidários dececionados do PvdA encontraram um SP disposto a desempenhar o papel que antes tinha a social-democracia. E desta vez, um maior número de votantes do Partido do Trabalho disseram que iriam votar no SP, parecendo ter a oportunidade de se converter no maior partido da esquerda. Se o SP se tivesse convertido no maior partido teria impedido que o atual primeiro-ministro do VVD, da extrema-direita neoliberal, Mark Rutte, tivesse obtido um segundo mandato.

Roemer ou Rutte”

"Roemer ou Rutte", foi a mensagem central da campanha do SP [Roemer é Emile Roemer, líder do SP, e Rutte, Mark Rutte, do VVD]. Não era a primeira vez que a participação no governo era um tema central na campanha do SP. Em 2006, o partido obteve um número recorde de assentos (25), num ambiente de entusiasmo similar ao que vimos há umas semanas. Então, os outros partidos conseguiram excluir o SP da formação de um governo de coligação e culparam o suposto "radicalismo" e "falta de vontade de compromisso" do SP. A fim de evitar que se repetisse, a direção do SP decidiu fazer uma série de concessões, eliminar a sua imagem radical e demonstrar que estava preparado para governar. Este enfoque pareceu acertado… durante um certo tempo.

Sem dúvida, dado que não se pediu às pessoas para votarem no programa do SP e nas suas soluções para a crise, mas sobre quem deveria ser o próximo primeiro-ministro, o "experiente" Partido do Trabalhou foi-se tornando cada vez mais a opção lógica para muitos eleitores. Quando o Partido do Trabalho superou as expectativas de votos no SP, os votantes começaram a abandonar massivamente Roemer, trocando-o pelo líder do Partido do Trabalho, Diederik Samson, que parecia ter mais possibilidades de evitar um segundo mandato de Rutte.

A campanha dos meios de comunicação da direita

A campanha da direita nos meios de comunicação contra o SP jogou um papel essencial, mas esta campanha era totalmente previsível. As histórias de fantasmas da direita acerca de como o "maoísta" Roemer iria "converter os Países Baixos na Grécia" e como as políticas do SP eram de um radicalismo irresponsável foram acreditadas para muita gente, incluindo muitos que se consideram de esquerda e mostram quão profundamente arreigada está a ideologia neoliberal neste país. Esta campanha não só alinhou toda a direita atrás do VVD, como também assustou muitos potenciais votantes do SP que voltaram aos braços do supostamente "mais responsável" Partido do Trabalho.

Igualmente previsível era que o Partido do Trabalho, sob pressão do SP, adotasse um discurso muito mais esquerdista do que o utilizado nos últimos anos, tentando e conseguindo recuperar muitos votantes. Ao mesmo tempo, atacou brutalmente o SP. Tornou-se muito difícil ao SP responder a estes ataques, já que desde o começo da campanha tinha sublinhado o muito que tinha em comum com o Partido do Trabalho – o partido sócio mais lógico do SP em qualquer coligação. A procura de um perfil e de um programa eleitoral moderado custou ao SP parte da sua atração como partido de protesto social, sem que lhe permitisse ao mesmo tempo ganhar ao Partido do Trabalho no seu próprio jogo como a opção "realista" e “responsável” para dirigir um governo progressista.

Raízes mais profundas

O fracasso do SP em converter-se no maior partido de esquerda tem raízes mais profundas que os erros da sua estratégia eleitoral. Os 35 ou 37 assentos de um total de 150 que as sondagens mais otimistas previam mostravam um partido cuja popularidade eleitoral temporal não refletia uma mudança paralela para a esquerda na sociedade holandesa. Durante a última década, o número total de assentos da esquerda no Parlamento (Partido do Trabalho, Verdes e SP) flutuou entre 35 e 43 por cento. A exceção foram as eleições de 2002, quando o país viveu um terramoto político real com o avanço da extrema-direita populista, islamofóbica, representada agora por Geert Wilders. E a esquerda recuou para 42 assentos

Ainda que o país tenha sido testemunha de greves muito importantes nos últimos anos, especialmente as dos professores e dos trabalhadores da limpeza, o número de dias de greve, em 2011, foi o mais baixo, desde 2003. A tendência deste ano parece ser um pouco diferente. Os outros movimentos sociais também foram débeis. Apesar da contínua atração da extrema direita (Wilders perdeu muitos assentos nestas eleições, mas conseguiu manter 15), o país viu muitos poucos protestos antirracistas. E apesar do envolvimento contínuo do exército holandês na ocupação do Afeganistão, o movimento contra a guerra é praticamente inexistente. Era inclusivamente pequeno, quando as tropas holandesas estavam no Iraque e no Afeganistão. Em resumo, poucas pessoas passaram por um processo de politização e de luta compatível com o tipo de viragem à esquerda que as sondagens pareciam prever. O debate político na sociedade holandesa tampouco mostra uma viragem à esquerda.

Governo das direitas

Por agora, o grande vencedor é o VVD. O VVD participou no governo mais direitista que o país teve desde a Segunda Guerra Mundial e é o defensor mais eloquente das políticas de cortes e estrita austeridade. E ganhou mais de 10 lugares,, sendo o partido mais votado no parlamento. De facto, nunca foi tão numeroso no parlamento. Se o PvdA se faz passar por "esquerda", o VVD adota um tom agressivo de direita, atraindo um considerável número de seguidores de Geert Wilders com o seu programa anti-imigrante e de defesa "da lei e da ordem". O segundo grande ganhador é o Partido do Trabalho, que aumentou oito deputados e só tem menos três que o VVD. O cenário mais provável é uma coligação do VVD com os trabalhistas e, pelo menos, mais um partido.

A principal pergunta para a esquerda é: que balanço fará o SP? Antes das eleições, o SP virou ao centro, em questões como a idade de aposentação, para ser "aceitável" para o Partido do Trabalho e setores da direita, como potencial sócio de uma coligação. Devido ao sistema eleitoral holandês, todo o governo tem de ser uma coligação de vários partidos; geralmente três ou mais, para ter maioria.

O SP decidirá se necessita de continuar a virar ao centro ou se voltará às suas raízes, como partido de protestos anti-neoliberais? Ambas opções estão ainda em cima da mesa. Apesar da deceção das eleições, o SP continua a ser um partido muito forte, com uma boa representação no parlamento e milhares de membros ativos. Se lutar sem desfalecer contra o consenso neoliberal da política holandesa, pode desempenhar um papel importante e muito necessário nas lutas sociais da Holanda.

* Alex de Jong é editor da revista de esquerda alternativa holandesa Grenzeloos.

Tradução de António José André para o Esquerda.net.

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