Na sua intervenção no Fórum Económico Mundial em Davos, António Guterres fez questão de assinalar que a situação em Gaza, Ucrânia ou Sudão revela que o mundo está a sofrer uma "epidemia de impunidade".
"O mundo assiste impassível à morte de civis, na sua maioria mulheres e crianças, que são mutilados, bombardeados, expulsos das suas casas e a quem é negado o acesso à ajuda humanitária", frisou o secretário-geral das Nações Unidas (ONU).
António Guterres considera que esta impunidade decorre da atual fragmentação da comunidade internacional e que são necessárias "instituições e quadros multilaterais e mecanismos eficazes de governação global".
A este respeito, o secretário-geral da ONU apontou que o sistema multilateral criado no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, no qual se integra a ONU, carece de reformas profundas.
"Não podemos construir um futuro para os nossos netos com um aparelho criado pelos nossos avós", vincou.
De acordo com António Guterres, é exatamente por isso que será organizada em setembro a "Cimeira do Futuro", que se focará nas respostas aos atuais desafios com que nos confrontamos a nível global, como é o caso das alterações climáticas e do desenvolvimento e a utilização da inteligência artificial.
"A cimeira irá considerar reformas essenciais à arquitetura financeira global [também nascida após a Segunda Guerra Mundial com o sistema de Bretton Woods] para que responda aos desafios de hoje e represente o mundo de hoje, incluindo muitos países do Sul Global que ainda eram colónias quando esse sistema foi criado", detalhou.
O representante máximo da ONU deu ainda destaque à necessidade de proceder a reformas no seio do Conselho de Segurança da ONU, por forma a que este órgão possa, efetivamente, “prevenir e resolver conflitos, reequilibrar as relações geopolíticas e dar aos países em desenvolvimento uma voz proporcional na cena mundial".
Sobre o genocídio em Gaza, António Guterres voltou a defender um cessar-fogo imediato, e a reiterar que trilhar o caminho para uma solução de dois Estados é "a única forma de reduzir o sofrimento e evitar uma extensão do conflito que incendiaria toda a região".
Em entrevista à Al-Jazeera, em Davos, António Guterres assumiu que Benjamin Netanyahu ignorou todas as suas tentativas de contacto desde 7 de outubro. Posteriormente, o seu porta-voz, Stéphane Dujarric, explicou que esta atitude não impediu o secretário-geral da ONU de “ter um amplo leque de contactos com responsáveis israelitas”, como é o caso do presidente de Israel, Isaac Herzog, e do representante israelita junto da ONU, Gilad Erdan.
IA nas mãos de empresas tecnológicas que desprezam direitos humanos
No âmbito da sua intervenção, António Guterres abordou ainda os riscos advenientes do desenvolvimento da inteligência artificial (IA), que, conforme sublinhou, está nas mãos de empresas tecnológicas "que procuram lucros com um desprezo imprudente pelos direitos humanos".
O secretário-geral da ONU destacou que "cada nova melhoria na IA generativa aumenta o risco de graves consequências não intencionais" e que o desenvolvimento ilimitado da inteligência artificial constitui uma das "ameaças existenciais" do mundo atual.
Ainda assim, Guterres afirmou que a IA também pode contribuir para o desenvolvimento sustentável, ou o desenvolvimento de sistemas de governação que respondam aos desafios atuais.
"Precisamos urgentemente que os governos trabalhem em conjunto com as empresas tecnológicas para criar redes de gestão de risco para o desenvolvimento contínuo da IA, redes que controlem e monitorizem os danos futuros", realçou.
“Abandono dos combustíveis fósseis é essencial e inevitável"
No que concerne às alterações climáticas, o secretário-geral da ONU foi perentório ao afirmar que "o abandono dos combustíveis fósseis é essencial e inevitável".
Guterres deixou fortes críticas à indústria dos combustíveis fósseis, que "acaba de lançar mais uma campanha multimilionária para travar o progresso e manter o petróleo e o gás a fluir indefinidamente".