O Corporate Europe Observatory e o LobbyControl voltaram a juntar-se para medir o valor da influência que as gigantes da tecnologia tentam adquirir junto dos decisores políticos de Bruxelas. Apoiando-se em dados do Registo de Transparência da União Europeia, as duas ONG registam desde 2021 o total da despesa anual da indústria digital com as suas empresas de lobistas. Começaram em 2021, quando esse total era de 97 milhões de euros. Em 2023 o valor subiu para 113 milhões e este ano já ultrapassa os 150 milhões de euros. Um número que deve pecar por defeito, avisam, pois toma por base as estimativas mais baixas das despesas com lóbi.
Com esse dinheiro, empresas como a Google, Apple, Meta, Amazon e Microsoft procuram influenciar os legisladores, reguladores e membros da Comissão a desregular as regras do mercado digital. E os resultados estão à vista: já há apelos para uma suspensão da Lei sobre Inteligência Artificial e um esforço concertado para reduzir os direitos á proteção de dados no âmbito do RPGD. Também as leis dos Mercados Digitais e dos Serviços Digitais têm estado debaixo de fogo por parte destas empresas, com o apoio da administração Trump, que também influenciam ao ponto de ameaçar com tarifas os países que que taxam ou multam estes gigantes tecnológicos.
O caso português, em que o novo responsável pela pasta governamental era o diretor da Google para Portugal, é um bom exemplo. Além de manter as suas ações da Google avaliadas em mais de meio milhão de euros, mal chegou ao executivo Bernardo Correia alterou a proposta de lei que transpõe as regras europeias dos serviços digitais, excluindo a Entidade Reguladora da Comunicação Social e a Comissão Nacional de Proteção de Dados da lista de organismos competentes para fiscalizar aquelas empresas, prevenir e punir as atividades ilegais e nocivas online e a propagação da desinformação. O governante concentrou essas funções na Anacom, cujos membros são nomeados pelo Governo, seguindo um modelo que apenas encontra semelhanças entre os países da UE na Roménia e em Malta.
Há mais lobistas das tecnológicas do que eurodeputados
Na lista das despesas com lóbis na UE, dez empresas concentram um terço do total. Ao todo existem agora 733 empresas e associações do setor digital registadas, mais 170 do que há dois anos, que pagam a 890 lóbistas a tempo inteiro - mais do que o número de eurodeputados -, dos quais 437 têm acesso quase ilimitado dentro do Parlamento Europeu. Além do reforço da presença da indústria da Inteligência Artificial, o reforço é explicado com as regras que vigoram desde dezembro e obrigam ao registo de quem se queira encontrar com funcionários de nível médio da Comissão.
A Meta, com os seus dez milhões de euros - mais dois milhões do que em 2023 - é a empresa que mais investe em lóbi junto das instituições europeias. E cinco das seis empresas que gastam mais em trabalho de lóbi pertencer ao setor tecnológico. As dez empresas deste setor que mais gastam em lóbis triplicam o valor gasto pelas dez maiores empresas do setor farmacêutico e do automóvel, e o dobro das do setor da energia.
Lobistas das tecnológicas têm reuniões diárias com funcionários da Comissão e mais duas reuniões por dia com eurodeputados
Mais investimento em lóbi significa maior acesso a quem decide. Entre janeiro e junho estes lobistas tiveram 146 encontros com altos funcionários da Comissão Europeia, ou seja, mais de uma reunião por dia útil. A Amazon foi quem mais teve acesso (43 reuniões), seguida da Microsoft (36), Google (35), Apple (29) e Meta (27). Em 40% das reuniões o tema da inteligência Artificial esteve em cima da mesa. No caso das reuniões com eurodeputados, o ritmo foi de quase duas reuniões por dia no primeiro semestre. Aqui foi a Meta a mais ativa (63 reuniões), seguida da Amazon (49), Google (47), Apple (47), e Microsoft (34). Na verdade, o lóbi destas empresas foi bem mais intenso, pois estes números não incluem encontros com os assistentes dos eurodeputados, que não estão sujeitos a estas regras de transparência.
Sem surpresa, o principal grupo político do Parlamento Europeu foi o mais requisitado (o PPE, ao qual pertencem o PSD e o CDS), destacando-se os eurodeputados Jörgen Warborn (7 reuniões), Aura Salla (6), and Pablo Arias Echeverría (5). As ONG sublinham o caso de Aura Salla, que já foi lobista da Meta e é conhecida por reproduzir as posições da industria nos debates políticos. E condenam os eurodeputados que reúnem com lóbistas da Amazon, que viram as suas credenciais revogadas em fevereiro de 2024 após a empresa se recusar a ir a uma audição parlamentar sobre as condições de trabalho nos seus armazéns.
Além dos lobistas, a rede de influência das tecnológicas passa pelo investimento em consultoras e empresas de relações públicas e donativos a think tanks como o Bruegel, Centre for European Reform, Centre for European Policy Studies ou o Centre on Regulation in Europe. Estes elaboram estudos apresentados como investigações independentes, mas dependem cada vez mais do dinheiro das tecnológicas.