Itália

Governo de Meloni admite uso de spyware para vigiar ONG

28 de março 2025 - 10:20

Alfredo Mantovano reconhece espionagem a ONG que resgata migrantes em risco de afogamento. No centro do caso, uma empresa israelita fundada por ex-membros dos serviços secretos sionistas e pelo ex-primeiro ministro Ehud Barak.

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Mediterranea
Mediterranea, barco da organização vigiada pelo governo italiano.

O subsecretário de Estado da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, Alfredo Mantovano, admitiu a utilização pelos serviços secretos italianos de ferramentas de spyware para vigiar os membros de uma organização não-governamental, a Mediterranea Saving Humans, que se dedica a operações de resgate de migrantes em risco de afogamento.

O Comité Parlamentar de Supervisão de Inteligência, Copasir, tem estado a analisar as acusações vindas a lume há meses e que o Governo tinha até agora descartado. As sessões são à porta fechada. Mas, esta terça-feira, o La Repubblica, propriedade da família Agnelli, divulgou as declarações do governante responsável pelos serviços secretos em que este reconhece que o Governo tinha aprovado a vigilância contra ativistas, garantindo ao mesmo tempo que tudo foi feito legalmente e que havia também a anuência do Procurador Geral do Tribunal de Recurso de Roma.

A ação de espionagem contra a Mediterranea Saving Humans é justificada com preocupações de “segurança nacional” e com uma “investigação preventiva à imigração ilegal” que, por razão não explicada, estaria a ser conduzida não pelas polícias responsáveis por fronteiras mas pelos serviços secretos do país.

Luca Casarini e Beppe Caccia, dirigentes daquela organização e Mattia Ferraresi, capelão de bordo, foram reconhecidamente visados.

Mas o mesmo governante negou a espionagem a outro alvo que tinha sido identificado, Francesco Cancellato, jornalista e editor-chefe da site de notícias Fanpage, que tinha sido notificado pelo WhatsApp de que poderia ter sido espiado com o mesmo software.

Tem-se referido ainda a utilização de spyware para espiar David Yambio da organização Refugees in Lybia. Este fez queixa ao Tribunal Penal Internacional porque os ataques terão acontecido na altura em que testemunhava contra o torturador líbio Osama Elmasry, que tinha um mandado de captura internacional mas que o governo italiano tratou de libertar e enviar para o seu país, um caso em que a primeira-ministra Meloni está a ser investigada pelos procuradores do seu país por possível encobrimento e desvio de fundos.

Investigação indica mais clientes da empresa de espionagem israelita

Os serviços secretos italianos eram um dos clientes da empresa israelita Paragon Solutions. O contrato foi terminado depois do escândalo rebentar.

Esta empresa foi fundada em 2019 por vários elementos, todos eles com ligações anteriores aos serviços secretos sionistas, entre os quais o ex-primeiro-ministro do país, Ehud Barak. Desde que começou que é financiada por fundos de investimento norte-americanos, neste caso a Battery Ventures. Recentemente, outra empresa de capital de risco, a AE Industrial Partners, tê-la-á comprado

A espionagem foi feita através do seu spyware de uso militar Graphite, considerado mais indetetável do que os seus predecessores no mercado, nomeadamente o Pegasus do NSO Group.

Na quarta-feira da semana passada, o Citizen Lab publicou a primeira parte de uma investigação em que, partindo de uma denúncia de um trabalhador, fez uma análise à infraestrutura de servidores utilizados pelo Graphite, tendo identificado utilizações, para além da já conhecida na Itália, na Austrália, Canadá, Chipre, Dinamarca, Israel e Singapura.

No caso canadiano, de onde este laboratório interdisciplinar sediado na Universidade de Toronto é oriundo, encontraram-se “possíveis ligações” à Polícia Provincial de Ontário e “provas de um ecossistema crescente de capacidade de spyware entre os serviços policiais de Ontário”.

Estas descobertas foram partilhadas com a Meta, cujo serviço WhatsApp tinha já descoberto que o Graphite explorava uma falha sua, tendo notificado disso 90 pessoas que acreditava terem sido espiados, incluindo os italianos. De acordo com o Guardian, o governo italiano tinha dito então que o WhatsApp lhe tinha indicado que os alvos viviam em países europeus como “a Bélgica, a Grécia, a Letónia, a Lituânia, a Áustria, o Chipre, a República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, os Países Baixos, Portugal, Espanha e Suécia”.

A investigação do Citizen Lab analisou os telemóveis com sistema Android destes alvos italianos de espionagem e encontrou “claras indicações” de que o spyware tinha infetado não apenas o WhatsApp mas também outras aplicações. O telemóvel de outro utilizador do iPhone da Apple também foi analisado, tendo-se descoberto uma tentativa de infetar o dispositivo com novo spyware em junho do ano passado.

A investigação conclui que aqueles 90 casos de que se fala são apenas a ponta do icebergue de um “modelo preocupante e habitual de visar grupos de defesa dos direitos humanos, críticos do governo e jornalistas”.