A primeira-ministra de extrema-direita italiana, Giorgia Meloni, dois dos seus ministros - Carlo Nordio da Justiça e Matteo Piantedosi do Interior - e o secretário de Estado Alfredo Mantovano estão a ser investigados pela procuradoria do seu país por libertarem Osama al Masri, acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Em causa estão ainda os delitos de encobrimento e desvio de fundos por ter sido utilizado um avião do Estado para o levarem para Tripoli.
Como habitual, a dirigente política quis desviar as atenções. Primeiro dizendo que a denúncia partiu de um advogado, Luigi Li Gotti, que é um “antigo político de esquerda", apesar deste ter militado durante trinta anos na direita, e que foi continuada por um procurador, Francesco Lo Voi, que investigou o seu parceiro de governo e rival no campo político da extrema-direita, Matteo Salvini, por sequestro de migrantes num barco da Open Arms.
Depois alegou que o TPI não avisou diretamente o Ministério da Justiça e assim, “em vez de deixá-lo livre, decidimos expulsá-lo e repatriá-lo imediatamente por razões de segurança”.
Al Masri estava a viajar pela Europa e no dia 18 de janeiro foi emitida a ordem de prisão pelo TPI. Acabou por ser preso em Roma, onde tinha ido ver um jogo de futebol. Dois dias depois foi libertado por ordem de um tribunal por uma “falha processual”, já que faltava no processo o pedido do ministro da Justiça Carlo Nordio. De acordo com a acusação, o governo não respondeu nem à polícia judiciária nem ao Tribunal de Recursos de Roma que pediam a necessária validação da prisão em casos de mandatos de captura internacional, não deixando ao órgão judicial outra solução senão a decisão de libertação. O líbio acabou repatriado num avião governamental sem qualquer ordem oficial de expulsão do país e sem qualquer decisão judicial sobre este facto.
Trabalhos suspensos no Parlamento, ONG exigem responsabilidades
Devido ao caso, a atividade parlamentar foi suspensa na Itália até ao próximo dia 3 a pedido da oposição, depois dos ministros terem anulado uma intervenção programada para esta quarta-feira para dar explicações sobre o tema.
O porta-voz do grupo parlamentar do Partido Democrata, Francesco Boccia, vinca que “não continuaremos os trabalhos até que o governo clarifique os detalhes do assunto”. Chiara Braga, do mesmo partido social-liberal, acusa o executivo de querer “fugir” do Parlamento e de, ao não ter prestado os esclarecimentos na instância, a ter “humilhado”.
Há quem veja em todo o caso uma forma de o governo italiano procurar agradar às autoridades líbias. A extrema-direita italiana pretenderá com isso que este país mantenha a forte repressão contra migrantes antes que eles possam chegar à Itália. A guarda costeira da Líbia é conhecida por capturar migrantes nas águas, levá-los de volta ao seu país e sujeitá-los a maus tratos nas prisões.
Isso mesmo denunciou David Yambio, da ONG Refugiados na Líbia, segundo a agência noticiosa italiana Ansa, que questionou esta quarta-feira a libertação do torturador e os acordos entre os dois países que permitem que hajam abusos dos direitos humanos.
A sua organização representa vários “sobreviventes e vítimas de Al Masri e instou o governo italiano a empenhar-se publicamente num pedido de libertação destes detidos. Durante uma conferência de imprensa no parlamento promovida pela Aliança Verde-Vermelha, com o apoio de várias forças da oposição como a Esquerda Italiana, o Partido Democrático, o +Europa e o Itália Viva.
Houve refugiados a contar abertamente terem sido torturados e abusados pelo responsável líbio em causa. Um deles, Lam Magok disse: “bateu-nos, torturou-nos durante dias” e foi ainda forçado a carregar corpos das pessoas que tinham morrido presas.
Quem é Al Masri
Osama Almasri Najim, também conhecido como Al Masri, era oficial da polícia federal líbia e chefiava a Instituição de Reforma e Reabilitação da Líbia em Tripoli. Era assim responsável pelas prisões da cidade, nomeadamente pela prisão de Mitiga, onde estavam pessoas presas por serem migrantes, por motivos religiosos, “comportamento imoral” e homossexualidade ou apoio a grupos rebeldes.
Na lista de crimes de que é acusado constam assassinatos, torturas, violações e vários tipos de violência sexual, cometidos a partir de fevereiro de 2015. Terão havido pelo menos 35 homicídios e 22 agressões sexuais, uma delas contra uma criança de cinco anos. Em vários dos casos Najim não é acusado apenas como responsável pelas prisões e por os ter ordenado diretamente, mas por ter participado pessoalmente neles.
TPI exige explicações
O Tribunal Penal Internacional esclareceu, em comunicado de imprensa, que tinha sido por pedido das autoridades italianas que não tinha comentado a prisão do suspeito. Avançou agora que “sem nenhum aviso ou consulta prévia” ao Tribunal aquele tinha sido libertado e transportado para a Líbia, procurando-se agora verificar junto de Itália os passos tomados. O TPI “relembra o dever de todos os Estados Parceiros de cooperar totalmente com o tribunal nas suas investigações e acusações de crimes” e exige explicações.