Fugir dos factos como o diabo da cruz

10 de dezembro 2020 - 21:03
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Por cegueira ideológica (de que costumam acusar os outros), chico-espertismo sonso ou incompreensível desinformação, uma certa direita que segue Nuno Crato e as suas políticas não resiste à tentação de passar ao lado dos factos. Postado por Nuno Serra em Ladrões de Bicicletas.

«Acabar os exames do 4º ano, optar pelo discurso das “aprendizagens” em vez de insistir na velha Matemática da tabuada e das contas de cor são, como recorda Nuno Crato, responsabilidades do actual Governo» (Manuel Carvalho)

«As Metas Curriculares, que estavam em vigor em 2015 e pelas quais foram preparados os alunos então avaliados, não sofreram alterações até hoje. O que mudou foi a avaliação, ou a falta dela, e foi a "flexibilidade curricular". (...) A reversão do progresso comprovado em 2015 é, certamente, resultado de uma série de medidas entretanto adotadas» (Nuno Crato)

«A verdade é que em 2015 o mérito tinha sido do Passos e agora a culpa é toda deles: os miúdos testados foram dos do 4º ano, entraram para a escola com a "geringonça"! Infelizmente estão a pagar o preço da degradação da exigência e do regresso do facilitismo» (José Manuel Fernandes)

Por cegueira ideológica (de que costumam acusar os outros), chico-espertismo sonso ou incompreensível desinformação, uma certa direita que segue Nuno Crato e as suas políticas não resiste à tentação de passar ao lado dos factos, ora procurando ficar com os louros que não lhes pertencem (quando os resultados são bons, como sucedeu no PISA 2015, ora sacudindo para cima de terceiros a água do seu capote (quando os resultados pioram, como sucedeu no PISA 2018.

Já procurámos demonstrar aqui porque é que a descida dos resultados dos alunos portugueses no TIMSS de 2019 não pode ser assacada à substituição das «Metas Curriculares» de Crato pelas «Aprendizagens Essenciais» de João Costa. A razão é simples e o próprio Crato reconhece: os alunos do 4º ano que participaram no estudo apenas tiveram contacto com as «Metas Curriculares» em todo o ensino básico (tendo as «Aprendizagens Essenciais» sido aplicadas só em 2018/19 e de forma restrita, abrangendo apenas os alunos do 1º ano). Ou seja, o suposto efeito pernicioso, nestes alunos, das «Apredizagens Essenciais», é (à semelhança do PISA 2015) uma impossibilidade cronológica.

E se é verdade que os alunos que participaram no TIMSS de 2019 não realizaram os «exames do 4º ano» (introduzidos por Nuno Crato em 2013 e extintos em 2015, não tendo já sido realizados em 2016), também é um facto que o progresso notável feito por Portugal no TIMSS entre 1995 e 2011 (ver gráfico) foi conseguido sem a realização de exames. O que transforma portanto em puro «achismo» - e não num facto - a ideia de que os mesmos são cruciais para a melhoria do desempenho dos alunos do 4º ano em Matemática.

Aliás, essa melhoria progressiva de resultados, entre 1995 e 2011, abrange estranhamente o período classificado por Crato como de «década perdida» para a educação, ficando igualmente por explicar porque é que outros países europeus têm melhores resultados sem os tais «exames do 4º ano».

Sim, vale a pena recordar outro facto: em 2015 apenas Portugal e a Bélgica francófona realizavam exames nos primeiros 6 anos de escolaridade (mapa aqui ao lado).