França

Franceses protestaram contra o “governo Macron-Barnier”

24 de setembro 2024 - 10:48

Anúncio da composição do governo francês confirma-o como o mais à direita do macronismo. Alguns dos novos ministros manifestaram-se com a extrema-direita contra os direitos LGBT.

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Manifestação em Paris no sábado
Manifestação em Paris no sábado. Foto Andre Pain/EPA

Realizou-se no sábado mais uma manifestação em Paris, desta vez convocada por organizações estudantis e sociais como a Attac, Greenpeace, coletivos pelos direitos das mulheres, com o apoio da França Insubmissa. A marcha contra o “governo Macron-Barnier” juntou milhares de pessoas, entre elas a líder parlamentar da França Insubmissa, Mathilde Panot, para quem “toda a gente já percebeu que a França tem um problema neste momento, e que ele se chama Emmanuel Macron”, o primeiro presidente da V República “a enfrentar um processo de destituição”

Madès Nadel, líder da União Sindical Liceal, disse aos jornalistas que “se não há respeito pela democracia popular, não haverá diálogo social e sem diálogo social não vamos a lado nenhum”.

França

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por

David Broder

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Os franceses foram às urnas em julho e em duas voltas conseguiram derrotar o governo macronista de Gabriel Attal, rejeitar uma maioria da extrema-direita e acabar por dar à esquerda a maior bancada parlamentar. Mas o Presidente francês fez a leitura inversa e de forma inédita rejeitou dar ao maior bloco parlamentar a oportunidade de formar governo e tentar viabilizá-lo no Parlamento. Em vez disso, negociou com a extrema-direita a viabilização do executivo mais à direita dos seus mandatos.

Ministros reacionários dividem bancada macronista  

A sua composição, conhecida no final da semana, confirma essa orientação, com a presença de ministros que participaram nas mobilizações de rua da extrema-direita contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o alargamento do acesso à procriação medicamente assistida ou o direito ao aborto inscrito na Constituição. Mobilizações que ficaram conhecidas como “Manifs pour tous” e às quais na altura uma parte da direita se recusou a associar por causa do seu radicalismo reacionário.

A presença desses nomes no novo governo incomodou parte da própria bancada que apoia Macron. Ao ponto do primeiro-ministro demissionário, Gabriel Attal, ter prometido pedir a Barnier “que afirme claramente na sua declaração de política geral que não haverá retrocesso em relação à PMA, ao direito ao aborto e aos direitos LGBT”.

O deputado Lionel Causse é um dos que se diz “embaraçado” com a nomeação de “numerosos ministros”, como Bruno Retailleau, o novo ministro do Interior, de quem o seu colega de bancada Belkhir Belhaddad lembra ser “o homem que redigiu a lei da imigração que poderia ter sido assinada pela União Nacional”. Para Ludovic Mendes,  Retailleau ou Laurence Garnier, outro apoiante da “Manif pour tous” e agora nomeado Secretário de Estado do Consumo “são a velha direita francesa, são a velha França, votaram contra todas as questões sociais que fizemos avançar”.

Outro nome a causar incómodo pelas posições assumidas no passado é o novo secretário de Estado da Cidadania e Luta contra as Discriminações, Othman Nasrou, que em 2013 escrevia no Twitter: “Não digo que o racismo e a homofobia não existam. Mas são o apanágio de uma ínfima minoria”. Quanto ao novo ministro do Ensino Superior, Patrick Hetzel, destacou-se em abril deste ano pela iniciativa em que apelava à constituição de “uma comissão de inquérito relativa ao entrismo ideológico e às derivas islamo-esquerdistas no ensino superior”. O termo “islamo-esquerdismo”, como o do “wokismo”, é usado pela extrema-direita e a direita mais conservadora para estigmatizar correntes políticas progressistas. 

O mal estar com a postura de Macron já levou quatro deputados do campo presidencial a abandonarem a bancada desde junho. A última foi a ex-socialista Sophie Errante, uma das primeiras apoiantes do atual Presidente em 2017 e que agora acusa o partido de “desprezo” pelas instituições, uma deriva que diz sentir desde 2022, com a reforma das pensões aprovada “por método kamikaze”, ou a aprovação da lei da imigração, na qual votou contra.

Por seu lado, Boris Vallaud, líder parlamentar dos socialistas, disse ao Mediapart que “estamos a assistir a uma união das direitas”, depois da sua aproximação durante o mandato de Macron, em temas como o aumento da idade da reforma, o fim do imposto sobre as fortunas, a lei da imigração, o endurecimento das regras do subsídio de desemprego. Agora trata-se da “oficialização das núpcias entre a direita macronista e a direita conservadora”, observa.

“Esta negação da democracia deve deixar muitos franceses estupefactos, se não mesmo zangados”, prossegue Vallaud, prometendo que a sua bancada irá “censurar o governo e através dele o Presidente da República”