Os resultados dos testes do PISA, Programa Internacional para o seguimento das Aprendizagens dos Alunos, efetuados aos alunos de 15 anos franceses foram os mais baixos desde 2000. E Gabriel Attal, ministro da Educação de França, aproveitou a sua divulgação para, poucos minutos depois, fazer uma conferência de imprensa na qual anunciou um “choque dos saberes” no sistema educativo.
Grupos de nível nas turmas e reintrodução de um exame no final do ensino básico são alguns do meios escolhidos para tornar a educação “mais exigente” num clima de “urgência nacional” como o governante caracterizou a situação. Para ele, a escola deve ser “sinónimo de esforço” e nela deve ser restabelecida a “autoridade pedagógica”.
Está prevista uma reestruturação dos programas do primeiro ciclo de acordo com os princípios da “simplificação” e da “clarificação” mas a reforma dirige-se sobretudo ao segundo ciclo, prometendo-se neste nível “um antes e um depois” da sua implementação. O alvo principal é o colégio (o nível entre os 11-12 anos e os 14-15) “uniforme”, ou seja de via única, em vigor desde 1975, que “condena alguns a estagnar e impede outros de progredir”, defende. Já a partir de 2024, os alunos começarão a ser divididos em três grupos consoante o seu desempenho a Francês e Matemática. Fica em aberto a possibilidade de mudarem de grupo segundo os progressos identificados pelas equipas pedagógicas e aos alunos com muitas dificuldades nestas áreas será reforçado o ensino destas matéria e cortado o de outras.
Outra medida é o regresso dos chumbos a partir do primeiro ciclo. A repetição de ano escolar dos alunos era um ato excecional e estava desde 2014 nas mãos dos encarregados de educação e o governo quer que a decisão volte a ser das equipas pedagógicas. Para além disso, os professores poderão “recomendar, ou mesmo prescrever” “cursos de sucesso” para os alunos durante as férias escolares que seriam condição para subir de nível.
Para além disso, o exame final do ensino básico começará no ano escolar 2024-2025 e a aprovação será condição para aceder ao ensino secundário. Quem chumbe será remetido para um nível de preparação para a entrada no liceu.
Ao nível dos programas, o governo francês quer aplicar o chamado “método de Singapura”, fazendo com que conteúdos como frações e números decimais sejam lecionados mais cedo. Por outro lado, anuncia-se que uma ferramenta de “inteligência artificial” será disponibilizada para o ensino da Matemática e do Francês. Esta começará já em fevereiro a ser testada num grupo de 100.000 alunos, informou-se.
Outra novidade é a introdução de um sistema de categorização dos manuais escolares de acordo com “a eficácia dos conteúdos” para orientar a escolha de manuais no ensino primário.
Anunciou-se ainda uma “experiência de grande amplitude”, a ser detalhada até ao Natal, sobre a introdução do uniforme escolar. Attal confessou-se “dividido” sobre a questão e a “experiência” deverá resolver essas dúvidas no que diz respeito ao “clima escolar”, “elevação do nível”, impacto sobre “a autoridade da escola”, sobre o assédio e as questões de laicidade.
Sindicatos criticam
Os sindicatos criticam a maneira como está a ser implementada a reforma. Guislaine David, porta-voz do SNUipp-FSU, diz que os professores não foram tidos em conta e que o ministro prefere fazer “prescrições” aos professores em vez de os deixar ser “especialistas na sua pedagogia”. Sobre por exemplo a leitura, defende-se que o novo modelo se baseia na leitura rápida sem ter em conta a compreensão dos textos.
Sophie Venetitay, secretária-geral do Snes-SFU, também não concorda com a reforma e destaca que não foram tomadas em consideração as necessidades de mais meios e condições de trabalho para ensinar. Para além disso, acredita que a introdução de “grupos de nível” pode redundar num aprofundamento do fosso educativo entre quem tem melhores resultados escolares e quem tem resultados mais baixos.
O mesmo consideram especialistas de Ciências da Educação como Sylvain Connac, em declarações ao Mediapart, que esclarece que estes “grupos de nível” funcionam “muito bem para os melhores” mas que “para os mais frágeis é a melhor forma de os afundar”. O que parece “uma medida de bom senso” é portanto desmentida “por quase todas as investigações” da área.
Ao mesmo órgão de comunicação social, Pierre Priouret, secretário académico do sindicato Snes encarregue do setor da Matemática, levanta outra questão: “se privamos os alunos que têm dificuldades em Francês ou Matemática de Arte Plástica, de Física, de Desporto ou de Línguas, então privamo-los da possibilidade de se abrir a outras coisas, de serem bem sucedidos noutros campos: isto não é nem valorizante, nem cria uma cultura partilhada à escala de uma geração”.
Os sindicatos desconfiam também do aliciamento ministerial de que a divisão em grupos de nível permitiria criar milhares de novos postos de trabalho. E temem ainda pela liberdade pedagógica com todo o reforço de “indicadores” e “princípios de avaliação”, nomeadamente no ensino inicial e com a imposição do método de Singapura num contexto diferente daquele em que foi criado, “um país no qual a pressão social para o sucesso escolar e a Matemática em particular é muito forte, o que induz por vezes a haver cursos privados complementares e massacra algumas das crianças”, contrapõe aquele professor.
França Insubmissa está contra
A reação a esta reforma por parte do grupo parlamentar da França Insubmissa coube a Paul Vannier. Este fala numa “ausência total de imaginação” já que a reforma dos programas é característica “dos ministros que não sabem o que fazer”, complicando a “vida das equipas educativas”.
Je ne m'attendais à rien et je suis quand même déçu.
Ma réaction aux annonces de @GabrielAttal qui propose le retour de l’école du tri, comme tous ses prédécesseurs de droite avant lui pic.twitter.com/XK9DaJgZM6
— Paul Vannier (@PaulVannierFI) December 5, 2023
O deputado classifica Attal como um “tradicional ministro de direita” que apresenta um modelo que “separa os alunos”, “agravando as desigualdades educativas na escola”.
Sobre o exame no final do ensino básico diz que este vai eliminar dezenas de milhar de alunos não ficando claro o que lhes acontece.
Já a introdução da Inteligência Artificial é vista como uma forma de abandono dos alunos com mais dificuldades que teriam necessidade de mais professores.