Falta de recursos próprios da UE compromete pagamento da dívida que financiou o PRR

12 de maio 2023 - 15:29

Parlamento Europeu exige que o pagamento dos empréstimos associados ao Plano de Recuperação e Resiliência não leve a cortes nos fundos europeus nem sobrecarregue os países por causa do aumento das taxas de juro. José Gusmão responsabiliza a "política absurda do BCE" pela situação criada.

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Plenário do Parlamento Europeu
Foto Parlamento Europeu.

O Parlamento Europeu aprovou esta semana dois textos relevantes para a sustentabilidade do orçamento comum: Impacto no orçamento da UE de 2024 do aumento dos custos dos empréstimos obtidos ao abrigo do Instrumento de Recuperação da União Europeia; e Recursos próprios: um novo começo para as finanças da UE, um novo começo para a Europa.

Em causa está o pagamento dos empréstimos contraídos em conjunto para responder à crise despoletada pelo Covid-19.

O acordo interinstitucional entre o Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho, assinado a dezembro de 2020, estabelecia expressamente que o pagamento fosse feito mediante a criação de novos recursos próprios europeus, isto é, fontes de receita comuns que não dependessem de contribuições nacionais. 

O objetivo era duplo: que não fosse colocado em causa o financiamento de outros programas ou fundos europeus, nem que se aumentasse as dívidas nacionais. O acordo referia que estes deveriam ser criados durante o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) de 2021-2027 e estabelecia um calendário específico. 

Novos recursos próprios prometidos no início continuam bloqueados

Em dezembro de 2021 a Comissão avançou com uma proposta legislativa para introduzir três novos recursos próprios: receitas do mercado de carbono europeu, CBAM e o pilar 1 do acordo da OCDE (tributação de multinacionais). Esperava-se que fosse aprovado no Conselho em julho de 2022 e implementados em janeiro deste ano. Contudo, ainda estão bloqueados por falta de consenso dos governos no Conselho. 

O eurodeputado do Bloco José Gusmão explicou que “o primeiro conjunto de recursos próprios (receita) foi apresentado em 2021 pela Comissão, sabendo à partida que seria insuficiente. Por cima disso, está bloqueado no Conselho desde o ano passado e sem avanços à vista.” E acrescentou que “um deles, mesmo que aprovado, depende do acordo internacional da OCDE de tributação de multinacionais, cuja implementação está num impasse interminável. Essa foi, aliás, a razão por que me opus a que o Imposto Digital fosse suspenso à espera deste acordo”. 

O calendário acordado previa que até junho de 2024 a Comissão devia apresentar uma proposta para um imposto sobre transações financeiras (FTT) e uma contribuição do setor empresarial com a criação de uma Base Tributável Comum e Consolidada (antigo CCCTB e atual BEFIT). Depois de deliberação do Conselho, seria introduzido em janeiro de 2026. 

Na altura do debate, em 2020, José Gusmão sublinhou que “sem recursos próprios, o Fundo de Recuperação não será mais do que uma montanha de dívida”, lembrando que “mais tarde ou mais cedo, se irá abater sobre os Estados-Membros”. 

Sobre o calendário, Gusmão diz que “parece mais as calendas gregas. O Parlamento deixa para daqui a uma data de anos o que devia começar a fazer hoje”. E denuncia também as prioridades perversas: “o mercado de emissões de carbono vai ser tratado com bastante rapidez, mas o imposto do digital, das transações financeiras, do CCCTB sobre as multinacionais, esses vão ter que esperar muitos anos”.   

Num dos textos que aprova agora, o Parlamento Europeu chama a Comissão a avançar com propostas legislativas do que já tinha sido acordado e avança com outras hipóteses a serem estudadas. Entre elas estão um mecanismo que garanta que as empresas que exportam bens para a UE e que pagam salários inferiores ao limiar fixado que permite escapar à pobreza absoluta, terão de pagar uma taxa que corresponda à diferença entre esse limiar e a remuneração real paga; uma taxa especial sobre a recompra de ações por empresas; e um imposto sobre criptomoedas. 

Peso do reembolso intensifica com a subida das taxas de juro

O QFP programava que, por ano, fossem pagos 15 mil milhões de euros (a preços correntes) para cobrir os custos dos empréstimos associados ao Instrumento de Recuperação da União Europeia (IRUE). O mesmo seria continuado até 2058. 

Contudo, este ritmo baseava-se no pressuposto que as taxas de juro dos empréstimos contraídos aumentariam gradualmente de 0,55 % em 2021 para 1,15 % em 2027. Atualmente já superam os 3%, o que aumenta consideravelmente o reembolso destes custos. A sustentabilidade da despesa com dívida é assim posta em causa pela política monetária restritiva.

Os custos dos empréstimos do IRUE estão inscritos na categoria 2b do orçamento da UE (Resiliência e Valores). onde também estão programas como o Erasmus+, o EU4Health, o programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores e o programa Europa Criativa. Cada componente do orçamento da UE tem um valor máximo que pode ser utilizado. Estando o reembolso mais caro agora, há a possibilidade de este ultrapassar este limite e a UE ter que cortar nos restantes programas. 

Dependendo do esforço orçamental em causa, também pode acontecer utilizar-se a maior parte (ou até mesmo a totalidade) do Instrumento de Flexibilidade e do Instrumento de Margem Único em 2023 e 2024. Estes são os mecanismos de flexibilidade do orçamento comum que lhe conferem alguma margem de manobra. Esgotá-los significa gastar a possibilidade de responder a futuros imprevistos.

O eurodeputado José Gusmão escreveu esta quinta-feira que “a emissão de dívida conjunta para financiar os PRR pressupunha que novas fontes de receita da UE fossem criadas para não serem os países a pagar o reembolso nem se cortar noutros fundos europeus. A política absurda do BCE torna este cenário cada vez mais provável”.

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