Expulsão de Bo Xilai mostra o que a China não é

02 de outubro 2012 - 15:05

Líderes chineses quiseram dar um espetáculo de unidade devido à péssima imagem criada pela expulsão de uma das suas estrelas cintilantes, acusada de suborno, abuso de poder e ocultação do assassinato, perpetrado pela mulher, de um empresário britânico.

porTomi Mori

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Bo Xilai: não há como ter dúvidas de que já está condenado, antes mesmo do julgamento. Foto Voice of America, wikimedia commons

Durante a semana que passou, tivemos a noticia, já esperada, da expulsão de Bo Xilai das fileiras do Partido Comunista Chinês.

Bo Xilai era, antes de cair em desgraça, um das estrelas cintilantes da pequena constelação que forma a elite dirigente chinesa, baseada no Partido Comunista Chinês. Membro do poderoso Bureau Político desse partido, foi destituído do cargo em março. A queda de Bo Xilai, que dirigia a província de Chongqing, esteve ligada ao assassinato do empresário britânico Neil Heywood. Heywood foi assassinado pela mulher de Bo Xilai, Gu Kailai, condenada pelo crime no mês passado. Era de conhecimento público que a alta esfera da polícia de Chongqing e também o próprio Bo tinham pleno conhecimento das circunstâncias do crime. Sobre esse caso, a única fonte que temos é da própria direção comunista, o que dificulta uma apreciação crítica do que realmente ocorreu.

Após a condenação de Gu Kailai, foi condenado Wang Lijun. Wang Lijun era chefe de polícia de Bo Xilai, em Chongqing, condenado a 15 anos de prisão, pelo acobertamento do assassinato de Heywood. E agora, após a sua expulsão do PCC, chegou a hora de Bo se sentar no banco dos réus. O governo acusa Bo Xilai de receber uma grande quantia de dinheiro de suborno e outros crimes, abuso de poder, relações impróprias com múltiplas mulheres , além do acobertamento do assassinato cometido pela sua mulher. Não há como ter dúvidas de que já está condenado, antes mesmo do julgamento, que servirá apenas como fachada de decisões já definidas pelo PCC.

Teatro chinês protagonizado pela elite

A agência de notícias Reuters publicou artigo com o título “Líderes chineses dão espetáculo de unidade após expulsar Bo”, e publica a foto do presidente Hu Jintao ao lado do primeiro-ministro Wen Jiabao, junto com outros influentes membros do Bureau Político do PCC. Esse foi, sem dúvida, o objetivo da foto, mas, longe de mostrar a unidade da elite dirigente, revela a necessidade de organizar farsas teatrais para mostrar uma unidade que, praticamente, nunca existiu nas diversas camarilhas que dirigiram a China depois da revolução, em 1949. Uma unidade que tampouco existe hoje.

A história da China é a história de uma longa opressão, sob diversos tipos de regime e, nas últimas décadas, também uma interminável guerra de camarilhas efetuada nos bastidores. As lutas entre as diversas camarilhas existentes, ocorreu mesmo durante a vida de Mao Tse-tung e tornou-se visível durante o reacionário período da Revolução Cultural. Ficou evidenciada pela condenação do chamado Bando dos Quatro, do qual fazia parte Jiang Qing, a mulher de Mao, em 1981. A ascensão de Deng Xiaoping, que levou a China de volta aos trilhos capitalistas, também expressa essa luta de bastidores. E agora, temos o caso Bo Xilai.

A farsa teatral promovida pela elite chinesa este final de semana tem como objetivo mostrar ao mundo que estão unidos e que a renovação da direção chinesa, que será realizada em novembro próximo, será feita nos marcos da unidade. Mostra, sobretudo, o que a China não é.

A exposição pública do caso Bo Xilai criou uma péssima imagem tanto fora quanto dentro da China. E não é necessário muita perspicácia para imaginar o que a população pobre da China pensa da elite dirigente. O maior sintoma da síndrome chinesa, que afeta os nervos dos dirigentes, é o sistemático cerco e censura às postagens na Internet, que permitiu, pela primeira vez na história, a existência de um jornalismo popular, instantâneo, que permite que as pessoas se informem e divulguem as suas informações, utilizando-as como instrumento de luta. Em contraposição às agências oficias de notícias, como a Xinhua, ou à grande imprensa de todos os países.

O que aguarda os novos dirigentes

As forças motrizes do desenvolvimento histórico levaram homens como Hu Jintao e Wen Jiabao ao apogeu da história chinesa nos marcos do modo de produção capitalista. Após sofrer toda a humilhação iniciada com a colonização inglesa e a expansão de Hong Kong, a China chegou ao posto de segunda potência económica mundial, ultrapassando todas as nações imperialistas com exceção dos EUA.

A nova direção comunista, que será comunicada em novembro, receberá a direção da segunda potência económica mundial mas, ao contrário dos prognósticos dos otimistas, que vaticinam a chegada da China ao primeiro posto da economia mundial, o que podemos observar é, exatamente, outra realidade.

Caberá aos novos dirigentes dirigir não a ascensão para o primeiro lugar, mas a crise na segunda potência económica. Caberá também a esses dirigentes aplacar a revolta das minorias oprimidas, como a tibetana, mongol ou uighur. A ilimitada e dócil mão de obra chinesa é uma coisa que faz parte do passado recente do país. E os recentes conflitos gerados nas disputas marítimas entre o Japão e também outros vizinhos asiáticos, como Taiwan e Filipinas, deixaram evidente que, após a violência que se abateu sobre as empresas japonesas, a China está longe de ser um local seguro para novos investimentos. Prova disso é que na última semana a Toyota emitiu um comunicado a anunciar que irá diminuir a produção na China, o que provocou um movimento sísmico no empresariado japonês, que tem negócios na China e, provavelmente, entre imperialistas de outros países.

Crise europeia e o levantamento dos trabalhadores de Guangdong

A crise europeia, entrelaçada com a crise chinesa, provocará grandes desdobramentos históricos. O crescimento da China esteve relacionado com a manutenção da bonança ou, noutros casos, impediu uma maior deterioração da situação económica, como é a caso da Alemanha, Japão ou EUA. Mas a substancial exportação de maquinário, carros de luxo e outras mercadorias alemãs irá sofrer nos próximos meses uma queda acentuada. O mesmo se pode dizer sobre o Japão, EUA e países emergentes, como o Brasil, cuja economia criou um certo grau de dependência do destino chinês. A crise chinesa, produto da crise mundial, vai gerar mais crise mundial.

A economia mundial está a levar, objetivamente, alguns países à depressão económica, como a Grécia, a Espanha e Portugal, ficando com esses exemplos para não parecermos exagerados ou alarmistas. Mas poderíamos inserir outros nessa lista, como a Itália, e outros países que outrora fizeram parte da União Soviética, por exemplo. Podemos prever, com base nos dados existentes, que a crise europeia obrigará a levantar-se o mais poderoso proletariado do planeta, que é o de Guangdong, onde se concentra grande parte dos investimentos imperialistas na China. Basta lembrar que lá ocorrem anualmente cerca de 200 mil conflitos sociais, um número que a direção chinesa diz ser de apenas 90 mil, que, em todo caso, é um número gigantesco.

Os jovens cantoneses já demonstraram uma grande combatividade, em inúmeras greves contra os patrões e os sindicatos atrelados ao PCC, e não parecem dispostos a aceitar o desemprego e a retirada dos modestos privilégios que possuem, como ter um telemóvel ou aparelhos eletrónicos, por decorrência da crise e depressão económica gerada por Obama, Merkel, Rajoy e Passos Coelho. A queda do regime chinês, que, provavelmente, ocorrerá num futuro não tão distante assim, diferente de outros acontecimentos atuais, provocará uma profunda e extensiva mudança na história deste século.

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Tomi Mori