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China: Julgamento de Gu Kailai, a podridão do regime no banco dos réus

Um dos maiores escândalos políticos da sociedade chinesa nos últimos anos conclui com um julgamento sumário, a portas fechadas. O resultado já está definido pela direção do Partido Comunista, e só temos de aguardar um pouco para conhecê-lo.
Bo Xilai: caiu em desgraça

Foi realizado, na quinta-feira, o julgamento da Gu Kailai, acusada de ter envenenado o empresário britânico Neil Heywood, em 13 de novembro do ano passado. Num julgamento sumário, que durou apenas sete horas, a portas fechadas, Gu Kailai não apresentou nenhuma objeção, mas, mesmo assim, o veredito ainda não foi dado pelos juízes, o que deve acontecer logo.

Trata-se de um dos maiores escândalos políticos da sociedade chinesa nos últimos anos e só perde para o julgamento do Bando dos Quatro, em 1980/81.

Quem é Gu Kailai e qual foi o seu crime?

Gu Kailai, cujo verdadeiro nome é Bogu Kailai, é mulher de Bo Xilai, ex-membro do Bureau Político do Partido Comunista Chinês. Até à sua queda em desgraça, nos acontecimentos envolvendo a sua esposa, Bo Xilai dirigia a província de Chongqing e era apontado como um dos poderosos candidatos a ocupar um cargo de destaque na futura mudança de liderança que ocorrerá ainda este ano na burocracia chinesa.

“Na noite de 13 de novembro, 2011, Bogu Kailai encontrou-se com Heywood quando ele se hospedava no quarto 1605 do prédio 16 do Nanshan Lijing Holiday Hotel e tomou drinques alcoólicos e chá com ele. depois de Heywood ficar intoxicado, ter vomitado e pedido para tomar água, ela colocou veneno na sua boca, preparado de antemão e trazido por Zhang Xiaojun (funcionária do Comité Municipal do Partido Comunista de Chongqing), que acompanhara Heywood de Pequin a Chongqing.”

Nos bastidores do crime

Em fevereiro deste ano, Wang Lijun, chefe de polícia de Chongqing e, portanto, homem de confiança de Bo Xilai, inesperadamente, refugiou-se no Consulado Americano de Chengdu. Nesse momento, não tinham ficado claros os motivos dessa surpreendente atitude, mas foi dito que Wang Lijun havia pedido refúgio por temer pela sua própria vida. Como vemos, na China, nem mesmo um chefe de polícia pode defender a sua própria pele. O que foi dito realmente aos americanos e repassado aos dirigentes chineses poucos sabem e, obviamente, não é do conhecimento da opinião pública mundial.

A atitude de Wang Lijun não causou, aparentemente, neste momento, maiores transtornos, além do facto de que a sua posição se tornara frágil, para quem até então, era um poderoso cão-de-fila policial da burocracia governante.

Esse acontecimento causou, dias depois, a queda do chefe do Partido Comunista em Chongqing, Bo Xilai, em março, e o seu afastamento do Bureau Político um mês depois. Nesse momento, especulava-se que o motivo principal era a disputa pela liderança política na China, cuja mudança ocorrerá ainda este ano dentro do Partido Comunista.

Manipulação judicial e podridão de um regime

A China, mesmo ocupando a segunda posição no cenário mundial, não recebe críticas de nenhum país que se denomina democrático por ter um sistema judiciário fantoche. Mesmo com o Prêmio Nobel da Paz, Liu Xiabo, metido nas grades, nenhuma potência democrática levanta a voz para acusar o judiciário chinês de ser um prolongamento do estado repressivo e ditatorial. E não passa pela cabeça de ninguém fazer um boicote ou bloqueio económico. Não resta dúvida de que o regime sírio do ditador Assad é assssino. Mas não resta dúvida também que o regime chinês também o é. Basta relembrar toda a literatura escrita sobre isso desde a Revolução Chinesa, convenientemente esquecida, desde que fazer negócios com a China, ou melhor,“negócios da China”, se transformou em regra mundial. Sendo todos sócios, não convém a ninguém tecer críticas ao parceiro, mesmo que este realize uma fantástica farsa judicial diante dos olhos de todos, como é o caso deste julgamento.

Todos os oposicionistas são sumariamente condenados, enjaulados ou “sumidos”, mas isso não causa nenhum mal-estar para todos os governos democráticos. Sejam eles imperialistas como o de Obama, Merkel, Cameron ou “socialistas”, como o do francês Hollande ou da brasileira Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores do Brasil.

O que predomina na China é a farsa judicial e também este atual julgamento é um grande exemplo deste facto. Não será a primeira e tampouco a última. Mas, seja qual for o veredito final, ele não será proferido pelos juízes com base em acusação ou defesa, em provas materiais. O resultado já está definido muito antes pela direção do Partido Comunista. Só temos de aguardar um pouco para conhecê-lo.

Esse não é um método novo inventado pelo génio chinês. É uma cópia grotesca dos Processos de Moscovo, ocorridos entre 1936 e 1938, utilizados por Josef Estaline, para liquidar não apenas parte dos antigos líderes da Revolução Russa, como também os seus ex-aliados políticos.

O atual julgamento de Gu Kailai, de Zhang Xiaojun (funcionária do PC) e de quatro polícias, acusados de obstruírem as investigações, revelam apenas a grande podridão do regime chinês, que com este julgamento, também está sentado no banco dos réus.

Ainda que seja possível ter uma ideia dos acontecimentos, não há como ter certeza de nada, já que se trata de uma farsa.

De acordo com o processo, o empresário Neil Heywood havia ameaçado o filho do casal Bo, Bo Guagua, estudante nos EUA, que alega possuir uma carta recebida do britânico. Mas o fator principal, aparentemente, foi o pedido de uma comissão maior por parte de Heywood numa transação de nada menos de 200 milhões de dólares. Se isso é verdade ou não, não há como saber.

Após a morte de Heywood, provocada por um ataque cardíaco por ter bebido em excesso, segundo a primeira versão, houve todo um trabalho para acobertar o assassinato. Esse trabalho teria sido realizado por Gu Kailai, Zhang Xiaojun e pelos quatro polícias. Mas foram espalhadas suspeitas de que tudo teria sido concebido por Bo Xilai. Verdade ou não, o facto é que Bo Xilai não foi a julgamento. Mas existem rumores de que, logo após o veredito sobre a sua esposa, ele será o próximo.

Considerando que os trabalhadores da Honda e outras empresas automobilísticas de Guangdong tiveram que protagonizar uma onda de greves, tempos atrás, para elevar os seus salários em apenas alguns euros, o facto de que dirigentes comunistas façam negociatas envolvendo 200 milhões de dólares ou mesmo mais, coisa que imaginamos, mas não podemos provar, apenas comprova o fosso social existente na China atual.

Escândalo e rebelião

Qual a importância política do julgamento neste momento? Para começar, seria de esperar que toda a população chinesa tivesse acesso a um acontecimento como este. Mas, como vimos, tudo está a ser feito entre quadro paredes. Durante esses dias, todas as referências ao caso foram apagadas da internet. O governo chinês faz de tudo para manter a população à margem do processo.

A China vive um profundo movimento de lutas sociais, com milhares de conflitos anuais. O último deles foi a rebelião de Qidong, em julho, quando os manifestantes ocuparam a câmara local, viraram vários carros nas ruas, destruíram computadores e deram uma merecida sova em polícias. A ira tomou conta dos moradores de Qidong, localizada a cerca de uma hora ao norte de Xangai, que se rebelaram contra a construção de uma linha de esgoto para jogar água industrial, de uma fábrica de papel japonesa, na costa de Qidong. Com a revolta, o projeto foi cancelado.

Também em Hong Kong, cerca de 90 mil manifestantes tomaram as ruas recentemente contra aquilo que eles chamam de “lavagem cerebral” contra as tentativas de Pequim de introduzir nos livros escolares um nacionalismo chinês que, obviamente, ninguém acredita ser verdade.

Não apenas as questões políticas permanecem na cabeça dos chineses. Cabe lembrar os terremotos, a questão do leite infantil contaminado, as anuais inundações no período das monções asiáticas que sempre atingem milhões da população pobre do país.

Numa situação como esta, não se pode estranhar as medidas da burocracia chinesa para manter a venda sobre a sua população sobre um escândalo envolvendo quem era, até há poucos dias, um dos principais homens do regime.

 

QUEM É BO XILAI

Nascido em 1949, é filho de Bo Yibo. Bo Yibo foi um dos principais dirigentes chineses entre 1980 e 1990, tendo sido membro do Bureau Político do Partido Comunista e um dos principais promotores da carreira do seu filho Bo Xilai.

Bo Xilai ganhou proeminência como presidente da câmara de Dalian e governador da província de Liaoning. Foi ministro do comércio de 2004 a 2007. Entre 2007 e 2012, foi membro do Bureau Político do Partido Comunista e dirigente da província de Chongqing.

Considerado esquerdista por uns e oportunista por outros, manteve durante o último período uma política considerada populista, mesclando uma campanha contra o crime organizado (que ironia!) e gastos em bem-estar social e também reviver hinos da reacionária época da Revolução Cultural chinesa, bem como estimular os estudantes a irem para o campo. Foi destituído do cargo de chefe do partido de Chonhqing em março deste ano e no mês seguinte do Bureau Político. Desde que caiu em desgraça, não existem muitas informações sobre o seu paradeiro e situação.

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