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Estafetas brasileiros querem fundar cooperativa para romper com precariedade

Trabalhadores procuram assim escapar ao jugo de empresas como a iFood, Uber Eats e Rappi. Entretanto, um grupo de estafetas do Rio de Janeiro criou o coletivo de entregas Despatronados, esperando ter já uma rede de negócio montada quando o projeto da cooperativa se tornar realidade.
Estafeta da Uber Eats. Foto de Robert Anasch. Unsaplash.
Estafeta da Uber Eats. Foto de Robert Anasch. Unsaplash.

A 1 de julho, os trabalhadores de várias aplicações de entregas promoveram uma greve nacional por melhores condições de trabalho, medidas de proteção contra a covid-19 e remunerações dignas. A 25 de julho voltaram às ruas de várias cidades brasileiras, ainda que os protestos tenham tido uma menor adesão.

Entretanto, uma parte destes trabalhadores procura agora fundar uma cooperativa, com o seu próprio aplicativo de entrega. Eduarda Alberto, estafeta do Rio de Janeiro que defendeu esta ideia no seio do movimento Entregadores Antifascistas, explicou à BBC News Brasil que os donos dos aplicativos não têm qualquer tipo de preocupação com as condições de trabalho e que a única hipótese de melhorarem a sua situação é por via da autogestão.

Para pôr o projeto de uma cooperativa em pé, os Entregadores Antifascistas contam com a colaboração voluntária de advogados, economistas, programadores e estudiosos do cooperativismo de plataforma e procuram inspiração nos exemplos europeus, como é o caso da Mensakas, criada em Barcelona a partir de um movimento grevista contra a Deliveroo, e a CoopCycle, uma federação que reúne 30 cooperativas deste género: 28 na Europa e duas no Canadá. No que a esta última diz respeito, “o primeiro desafio está a ser convencer a malta do Coopcycle a inserir a moto na sua plataforma, porque pouparia muito trabalho de desenvolvimento”, assinalou Eduarda.

Enquanto o projeto não sai do papel, a estafeta e mais seis colegas do ramo criaram o coletivo de entregas Despatronados, esperando ter já uma rede de negócio montada quando o projeto da cooperativa se tornar realidade.

A ideia de utilizar a tecnologia da CoopCycle no Brasil não é inédita. O Señoritas Courier não conseguiu usar a plataforma porque a federação só aceita cooperativas. Este coletivo de entregas por bicicleta em São Paulo formado por mulheres e pessoas LGBT, pondera agora registar-se enquanto tal.

Rafael Zanatta, doutorando do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e tradutor do livro Cooperativismo de Plataforma, de Trebor Scholz, para o português, realçou que “o cooperativismo de plataforma não elimina a big tech (grande empresa de tecnologia), assim como hoje o associativismo (de pequenos agricultores) não elimina a big food (redes de supermercado). Mas acho que são campos de resistência, de tornar os mercados mais plurais, e de dar alternativa para o cidadão escolher". Além de que pode também provocar debate interno nas grandes plataforma que, tentando evitar críticas generalizadas e saídas em massa, poderão garantir melhorias das condições de trabalho para tentar antecipar esse movimento.

Zanatta adiantou ainda que os estafetas podem formar "cooperativas de consumo", como acontece com motoristas de Uber nos Estados Unidos, que conseguem assim combustíveis e pacotes de internet a melhores preços, bem como um maior poder negocial com os donos das plataformas.

Mario De Conto, diretor-geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop), Mario De Conto, destacou, por outro lado, que, para concorrerem com as grandes empresas em termos de escala, a solução passa por adotar o modelo de federação usado pela CoopCycle, que permite ao utilizador, através de um único aplicativo, aceder ao serviço de diferentes cooperativas. Como exemplo, referiu que, em Nova York, nos Estados Unidos, três cooperativas de mulheres, a maioria imigrantes da América Latina, compartilham o aplicativo Up & Go para oferecer serviços de limpeza doméstica.

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