Especialistas criticam cedências políticas à indústria do tabaco

24 de março 2025 - 18:27

Há medidas da Convenção-Quadro de controlo de tabagismo da OMS de 2003 por aplicar em Portugal enquanto há estudos que indicam que a mortalidade causada pelo tabaco “irá aumentar drasticamente no futuro próximo”. Especialistas na área denunciam “receio de enfrentar a indústria” tabaqueira.

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Tabaco.
Tabaco. Foto de Basil MK/Pexels.

A legislação de combate ao tabagismo está parada no país e a culpa é dos governos que resistem a aplicar as medidas que as autoridades de saúde internacionais recomenda por pressão de interesses comerciais. Este diagnóstico é comum aos especialistas ouvidos pelo Diário de Notícias e confirmado por “fonte próxima da ministra”, confessando ao jornal que “tivemos outras prioridades”.

A Organização Mundial de Saúde coligiu um conjunto de medidas de controlo de tabagismo na sua Convenção-Quadro de controlo de tabagismo de 2003, Portugal assinou o documento mas a sua aplicação ficou aquém mais de vinte anos depois. Já a Diretiva Europeia sobre o mesmo tempo foi traduzida para a legislação nacional, como seria obrigatório, pelo executivo de António Costa.

A OMS indica ainda no seu documento do ano passado, “Fisgar a próxima geração: como a indústria do tabaco capta jovens clientes”, que há cerca de 37 milhões de adolescentes entre os 13 e os 15 anos que são consumidores de tabaco e que em diversos países os jovens já consomem mais cigarros eletrónicos que os adultos. De acordo com a instituição das Nações Unidas, por ano morrem mais de oito milhões de pessoas por causa do tabaco, 1,3 milhões dos quais são não fumadores. O objetivo estabelecido anteriormente era, desde 2010 até ao presente ano, reduzir o consumo do tabaco em 30%. 56 países não o vão conseguir fazer.

Aquele órgão de comunicação social destaca ainda que os dados relativos a Portugal “escasseiam”, referindo estimativas das Universidades da Beira Interior e de Santiago de Compostela que apontavam para uma mortalidade atribuída ao tabaco em 2019 de 13.847 mortes, o que é 12,3% do total dos maiores de 35 anos. A esmagadora maioria, 71,2%, foi de homens, 22,2% foram consideradas mortes prematuras. Em termos de doenças. 42,5% foram cancros, 35,4% doenças cardiovasculares e metabólicas e 22,2% doenças respiratórias.

O estudo concluía, porém, que a mortalidade causada pelo tabaco “irá aumentar drasticamente no futuro próximo, destacando a necessidade de acelerar o controlo de tabagismo, tanto ao nível nacional quanto regional”.

Nem a assinatura dos textos da OMS nem este tipo de conclusões científicas parecem importar e não se têm traduzido em prioridades políticas para os últimos governos. O governo de António Costa limitou-se a cumprir com a transposição da legislação europeia para a portuguesa com três meses de atraso, o que se traduziu pela equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco tradicional no que diz respeito a venda, publicidade, apresentação de produto e consumo.

O executivo de Montenegro fez menos que nada, já que não avançou com medidas que tinham sido apresentadas e não implementadas, nem procedeu ao aumento da taxação do tabaco que supostamente deveria ser incluída no Orçamento do Estado todos os anos.

“A única entidade ouvida pela Comissão de Saúde é a Tabaqueira”

A denúncia é de Sofia Ravara, professora da Universidade da Beira Interior e membro da Fundação Portuguesa do Pulmão, que acusa: “a resistência sistemática dos governos e decisores políticos em avançar nas políticas públicas preventivas de tabagismo, privilegiando os interesses comerciais e negligenciando a saúde e o bem-estar dos portugueses, é uma irresponsabilidade política inaceitável.”

A especialista sublinha que “o problema dos políticos não é com a liberdade individual”. “O problema real é o receio de enfrentar a indústria. Na Assembleia da República, a única entidade ouvida pela Comissão de Saúde é a Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris International, a única que tem um conflito de interesses irremediável, enquanto as sociedades científicas não foram ouvidas”, destaca, ao mesmo tempo que recorda que proteger a Saúde Pública “é uma obrigação constitucional”.

Denuncia ainda que “o consumo de tabaco e nicotina tem aumentado por conta do marketing agressivo e eficaz dos novos dispositivos de tabaco aquecido e cigarros eletrónicos; e continua a ser um grave problema de saúde pública e a principal causa evitável de morte prematura em Portugal.”

No mesmo sentido, Daniel Coutinho, coordenador da comissão de tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, considera igualmente que há em Portugal um problema “de falta de coragem política”.

O país “precisa urgentemente de políticas de controlo de tabaco para ontem” porque “o tabaco continua a ser o maior responsável pelo top três da mortalidade em Portugal: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias e cancro, nomeadamente o do pulmão”, esclarece.