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Erdogan desmantela o partido curdo e dá novo passo para o confronto civil

A reação das organizações curdas e dos próprios dirigentes do Partido Democrático dos Povos (HDP) aponta que o possível desaparecimento do partido não deixará ao movimento curdo da Turquia outra saída senão as armas. Por Manuel Martorell.
Momento em que Sebahat Tuncel, copresidenta do Partido Democrático das Regiões, é arrastada para a prisão – Foto STR/Epa/Lusa
Momento em que Sebahat Tuncel, copresidenta do Partido Democrático das Regiões, é arrastada para a prisão – Foto STR/Epa/Lusa

Parecia que Tayip Erdogan não podia ir mais longe no seu contragolpe para acabar com os poucos vestígios democráticos do sistema político turco, mas na passada sexta-feira deu um novo e perigosíssimo passo em direção ao confronto civil desmantelando o Partido Democrático dos Povos (HDP), coligação eleitoral que apoia o movimento curdo, terceira força parlamentar do país e último vínculo legal que ligava os representantes deste povo ao sistema político.

Salahattin Demirtash e Figen Yuksedag, copresidentes do HDP, pessoas de grande popularidade não só entre os 20 milhões de curdos da Turquia mas também entre boa parte da população turca, foram detidos na cidade de Diyarbakir sob a acusação de terrorismo, a mesma utilizada para fechar dezenas de meios de comunicação e para substituir autarcas eleitos democraticamente por gestões governamentais, nos principais municípios curdos.

Concretamente naquela cidade, Gultan Kisanak (a presidente da Câmara) e Firat Anli (o presidente da Câmara), ambos detidos, foram substituídos por Cumaci Atila, um funcionário do governamental Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). Kisanak e Anli, seguindo o modelo paritário do HDP, governavam esta metrópole com quase um milhão de habitantes de forma conjunta. O mesmo ocorreu noutras importantes cidades do Curdistão turco. No mesmo sentido, outra proposta do AKP pretende nomear gestões governamentais para dirigir tanto o HDP como o Partido Democrático das Regiões (DBP), a principal organização que impulsiona o HDP, também afetada por esta escalada repressiva.

De facto, entre as pessoas presas encontra-se Sebahat Tuncel, copresidenta do DBP, que foi arrastada para ser interrogada num centro antiterrorista. Além disso, foram detidas as deputadas Selma Irmak, Gulsen Yildirim, Nursel Aydogan e Leyla Birlik e os deputados Idris Baluken, Ziya Pir, Sureya Onder, Imam Tascier, Abdullah Zeydan e Fehat Encu. Pir, Onder e Tascier ficaram em liberdade mas à disposição judicial depois de serem interrogados pela polícia.

No caso de Figen Yuksedag, a detenção ocorreu após a polícia ter derrubado a porta da sua casa. A copresidenta do HDP tinha sido condenada recentemente a dez meses de prisão por assistir ao funeral de Yasmin Ciftici, militante do Partido Comunista Marxista-Leninista falecida ao manipular um explosivo em dezembro de 2012. Esta organização da extrema esquerda turca é uma das que apoia as forças curdas na luta contra o Estado Islâmico na Síria.

As medidas do Governo de Erdogan para desmantelar o HDP são tomadas com base numa iniciativa legal do AKP para retirar aos deputados curdos a imunidade parlamentar, uma medida que já provocou a rejeição tanto da União Europeia (UE) como dos Estados Unidos. Após serem conhecidas as detenções, os embaixadores europeus na Turquia mantiveram uma reunião de emergência, em que interveio por videoconferência Federica Mogherini, responsável pela política externa da UE, com o objetivo de chegar a uma posição comum perante a grave ameaça que esta situação pode provocar à estabilidade da Turquia.

Porta-vozes da Embaixada dos EUA também mostraram preocupação semelhante, juntando esta queixa à já longa lista de desacordos entre os dois aliados devido à posição de Tayip Erdogan face à luta contra o Estado Islâmico, à guerra síria e à atual ofensiva de Mossul.

Também se registaram protestos em vários países europeus, sobretudo em França, Alemanha e Itália. Em Espanha, Marina Albiol, responsáveis pelas relações internacionais da Esquerda Unida, solicitou uma entrevista com o embaixador turco em Madrid para lhe expressar a sua “profunda preocupação” pela situação dos direitos humanos na Turquia e em particular por estas detenções.

Kemal Kilicdaroglu, líder do social-democrata Partido Republicano do Povo (CHP), principal partido da oposição turca, que não se distingue do AKP em relação às reivindicações curdas, declarou que as detenções levam a Turquia para “uma direção perigosa”. Outros dirigentes desta organização, que costuma coincidir com o Governo na sua política antiterrorista, falaram da “divisão do país” e de um novo “golpe” no sistema parlamentar.

Alguns dos líderes do HDP e do DBP presos

Alguns dos líderes do HDP e do DBP presos, da esquerda para a direita e de cima para baixo: Salahattin Demirtash, Figen Yuksedag, Idris Baluken, Selma Irmak, Gulsen Yildirim, Nursel Aydogan, Leyla Birlik, Ziya Pir, Sureya Onder, Imam Tascier, Abdullah Zeydan e Fehat Encu. - Imagem de Bianet

A reação das organizações curdas e dos próprios dirigentes do HDP foi muito mais dura já que, na sua opinião, o possível desaparecimento do HDP não deixará ao poderoso movimento curdo da Turquia outra saída senão as armas. A União de Comunidades do Curdistão (KNK), que aglutina vários grupos ligados tanto ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) da Turquia como ao Partido da Unidade Democrática (PYD) da Síria, difundiu uma curta declaração dirigida à opinião pública internacional dizendo que “passou o tempo das palavras” e que é a hora da resistência em todos os lugares onde seja possível, pelo que fez um apelo a todo o povo curdo, em especial aos jovens e às mulheres, para demonstrar ao Governo de Erdogan que não poderá vergá-los.

Por sua vez, Murat Karayilan, um dos porta-vozes do PKK, assegurou que as ações da guerrilha curda irão aumentar em consequência das prisões. Algumas horas depois, explodia uma bomba em frente a um centro policial de Diyarbakir provocando uma dezena de mortos. De forma significativa e pela primeira vez na Europa, um tribunal belga acaba de ditar uma sentença considerando que as ações do PKK não são atos terroristas, mas que devem ser enquadrados num “conflito armado” que já dura há mais de três décadas.

Artigo de Manuel Martorell, publicado em cuartopoder.es a 5 de novembro de 2016. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net.

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