França

Enquanto Macron não nomeia primeiro-ministro, continua a tentar fraturar a esquerda

12 de dezembro 2024 - 12:54

A comunicação social dá como certo que o presidente francês vai cumprir a promessa desta semana de nomear hoje um primeiro-ministro. Este terá tarefa difícil de sobreviver a curto ou médio prazo sem maioria à vista e num cenário de crise. Mas já conseguiu que o PS se afastasse da estratégia de unidade da Nova Frente Popular.

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Macron à saída do último conselho de ministros.
Macron à saída do último conselho de ministros. Foto de CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA/Lusa.

Macron tinha prometido um novo primeiro-ministro em 48 horas e o prazo está a terminar. Com o presidente francês de visita à Polónia, espera-se uma nomeação no regresso, mais tarde nesta quinta-feira ou então na sexta.

Entretanto, há um frenesim mediático de especulação sobre nomes de possíveis chefes de governo, mas bem mais significativa é a crise que Macron conseguiu abrir à esquerda com a estratégia de marginalização da França Insubmissa, bem acolhida sobretudo pelo Partido Socialista.

Macron: dividir para continuar a não conseguir reinar

O presidente tinha convidado todas as forças políticas para reuniões separadas em busca de um “compromisso” que pudesse viabilizar na Assembleia Nacional um Governo. Excluiu ostensivamente a França Insubmissa e a extrema-direita. Mas ainda assim PS, Partido Comunista Francês e Os Ecologistas foram aos encontros, alguns alegando que iam defender que Macron nomeasse um primeiro-ministro vindo do campo da Nova Frente Popular, a coligação que os unia a todos à ostracizada LFI.

A jogada não foi bem aceite pelos insubmissos. Jean-Luc Mélenchon criticou desde logo esta “coligação para negociar com as direitas” como um “regresso ao passado”, rematando ser uma “tristeza”.

Numa análise no Mediapart, Mathieu Dejean e Pauline Graulle explicam as consequências. Para eles, há uma “crise aberta no PCF”. Acentuada depois de o seu secretário nacional, Fabien Roussel, ter feito uma declaração dúbia em que parecia colocar a revogação da reforma das pensões como moeda de troca para negociações à direita: “Se continuarmos presos à revogação […], não avançaremos”, disse. Vários deputados reagiram com fortes críticas, alguns acusando-o de preparar um acordo de não apresentação de uma moção de censura a um Governo de direita nas costas dos seus deputados.

Nos Ecologistas, são os ziguezagues da direção de Marine Tondelier que causam perplexidade e preocupação. Se no início do mês, apelava a uma nova candidatura conjunta de esquerda para ir a eleições, ainda antes da votação da moção de censura que deitou abaixo o executivo de Barnier passou a defender conversações com todos os partidos que se tinham oposto à extrema-direita na segunda volta das legislativas, direita incluída. Tondelier mostrou-se até “satisfeita com várias coisas” no final de um encontro com Macron, sem precisar quais eram, o que fez disparar mais uma vaga de críticas internas.

PS de acordo para fazer caminho sem Mélenchon

Já no PS, o desfazer da Nova Frente Popular parece encontrar bem mais apoio. Ao contrário daquelas outras duas forças políticas, as notícias divulgadas depois das reuniões do grupo parlamentar dão conta de “um acordo perfeito” para os encontros com Macron. E o seu líder, Olivier Faure, conseguiu mesmo que as principais correntes do partido assinassem na passada segunda-feira um comunicado conjunto sobre as exigências a apresentar ao presidente da República.

Fala-se no partido numa “fase de desinfeudação de Jean-Luc Mélenchon” e jura-se que não haverá qualquer coligação de Governo com a direita. Este pretende arrastar consigo verdes e comunistas e exige que o novo primeiro-ministro seja uma personalidade de esquerda mas “aberto ao compromisso” e com “personalidades externas” a estas partidos. Foi isso que apresentou numa entrevista à BFMTV, onde acentuou as críticas Mélenchon e à França Insubmissa que, disse, “enfraquece a esquerda”, dá o “sentimento de estar do lado da aventura” e passa “a sua vida a ameaçar, a vituperar”. Acrescentando em seguida: “quanto mais Jean-Luc Mélenchon grita, menos o ouvimos”. Garantiu não procurar uma rutura “mas quando vejo que é preciso avançar, avançar”.

Os socialistas opõem-se ainda à proposta vinda da LFI de avançar com a destituição de Macron porque “não podemos ser a frente da recusa”.

Manuel Bompard, o coordenador nacional da França Insubmissa, respondeu-lhe dizendo não aceitar uma “grande coligação” com os macronistas ou com a direita, acusando Faure de estar a fazer o jogo de Macron.

A dança dos nomes face a uma geografia política instável

Com vários dos principais meios de comunicação social a assegurarem que a anúncio do nome do próximo primeiro-ministro está por horas, o apoio parlamentar a qualquer um dos nomes que têm sido veiculados é tudo menos certo.

François Bayrou, presidente do partido de centro-direita MoDem, é o mais falado, o ex-primeiro-ministro socialista (durante quase seis meses) Bernard Cazeneuve é outro dos principais nomes apontados. Seguem-se nomes vindos dos executivos macronistas como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Yves Le Drian, da ministra da “Parceria com os territórios e a Descentralização” Catherine Vautrin, ou do ministro da Defesa Sébastien Lecornu.

A oposição a Bayrou vem da esquerda e até de parte da direita. Faure afirma que este não é uma “boa escolha” já que representa a “continuidade” do macronismo no poder. Laurent Wauquiez, do partido de direita tradicional Les Republicains, também não é fã dele mas parece disposto a passar a tolerá-lo em nome da “estabilidade institucional”. E acrescenta que não é “credível” qualquer hipótese de passar a haver um chefe de executivo próximo do campo do PS, acrescentando contudo que “há só um caso em que votaríamos uma moção de censura, o de um governo que integrasse membros da França Insubmissa e um programa da NFP”.

Estes dois nomes são descartados pelos Verdes, que admitem votar uma moção de censura contra Bayrou que não é “nem de esquerda, nem ecologista”. Sobre Cazeneuve lembra que “os únicos momentos em que falou de nós [a Nova Frente Popular] foi para nos criticar. Não nos pode representar”.

Os insubmissos continuam a ser mais claros. O deputado Paul Vannier diz que um governo com macronistas enfrentará certamente uma moção de censura que espera ser “de toda a NFP” mas “espera para ver a posição de Olivier Faure”. Na sua conta do X, acrescenta inclusive o nome de Cazeneuve ao lado de Bayrou e de Lecornu na lista dos que seriam alvo de moção de censura porque qualquer um “seria a negação do resultado das eleições” e o “prolongamento do golpe de força de Macron”.

Outro deputado da mesma formação, Alexis Corbière, confirma a intenção, sublinhando que “se o primeiro-ministro não sair das fileiras da NFP, será censurado” já que esta foi a força que teve melhores resultados nas legislativas.

Para além disso, destaca que Macron está a tentar “fraturar a NFP” e que face a isso é preciso “permanecermos unidos para vencer em comum as próximas eleições e impedir a vitória da extrema-direita”.