As taxas de juro vão continuar a subir na Zona Euro. O anúncio foi feito esta semana pela presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, no Fórum que o banco central realizou em Sintra e que termina hoje. Lagarde disse ainda que as taxas não voltarão a descer num futuro próximo, contrariando a expectativa que parecia existir nos mercados financeiros sobre o regresso dos juros a valores mais baixos.
Na base da decisão do banco central está o facto de, segundo Lagarde, a inflação se estar a revelar “mais persistente” do que o esperado. A presidente do BCE avançou dois motivos para isso: o facto de as empresas estarem a fazer um esforço para manter ou aumentar as margens de lucro e o facto de os salários estarem a crescer num período de abrandamento da produtividade.
Embora reconheça que “os trabalhadores ficaram, até à data, a perder com o choque inflacionista, tendo sofrido grandes decréscimos dos salários reais”, Lagarde afirma que se "está a desencadear um processo sustentado de convergência em alta dos salários, com os trabalhadores a tentar recuperar essas perdas” e que o banco central “precisa de responder a esta dinâmica de forma decisiva”.
É isto que leva o BCE a manter a política de aumento das taxas de juro, o que encarece o recurso a crédito com o objetivo de diminuir o investimento e o consumo e, com isso, a pressão sobre os preços. “Perante um processo inflacionista mais persistente, precisamos de uma política mais persistente. Uma política que não só produza um aperto suficiente agora, mas que também mantenha condições restritivas até que possamos ficar confiantes que esta segunda fase do processo inflacionista foi solucionada”, explicou Lagarde.
Na prática, o que isto significa é que o banco central continua comprometido em produzir um “aperto suficiente”, restringindo o investimento e o consumo, o que pode empurrar a economia para uma recessão e provocar um aumento do desemprego. Segundo o anúncio de Lagarde, as taxas de juro não deverão descer antes do próximo ano.
Sobre o facto de Portugal ser um dos países onde as famílias estão mais vulneráveis à subida dos juros por parte do banco central, uma vez que a percentagem de famílias que recorrem a empréstimos a taxa variável é a 7ª mais alta da Zona Euro, Lagarde disse apenas que “são escolhas, é da vida”. As taxas Euribor voltaram a subir esta semana, o que se deve refletir num aumento das prestações dos empréstimos à habitação, agravando a situação de muitas famílias.
FMI diz que quem beneficiou mais da inflação foram as empresas
O anúncio do BCE surge na mesma semana em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou, no seu blog, uma análise que mostra que o aumento dos lucros das empresas é responsável por quase metade da subida da inflação na Europa nos últimos dois anos. De acordo com os investigadores do FMI, as empresas aumentaram os preços acima dos custos da energia.
“A inflação mais elevada até à data reflete, sobretudo, o aumento dos lucros e dos preços das importações, com os lucros a representarem 45% dos aumentos de preços desde o início de 2022″, lê-se no estudo, ao passo que os custos de importação representam 40% e os custos com mão-de-obra representam 25% (os impostos tiveram um impacto “ligeiramente deflacionista”, isto é, negativo ao longo destes dois anos).
Para os investigadores do FMI, as empresas europeias “têm estado mais protegidas do que os trabalhadores do choque adverso dos custos”, pelo que “poderão ter de aceitar uma menor percentagem dos lucros para que a inflação se mantenha no caminho certo para atingir o objetivo de 2% do Banco Central Europeu em 2025″.
A economista Daniela Gabor reagiu em tom crítico a este relatório nas suas redes sociais. "O FMI começa por dizer que o capital ganhou a luta distributiva e depois faz TINA [Não há Alternativa]: salários mais baixos e austeridade para "disciplinar" o capital a aceitar lucros mais baixos", aponta a investigadora que se dedica ao estudo do "shadow banking" e entidades bancárias transnacionais.