Jornalismo

Em luta pela pluralidade, centenas de pessoas apoiaram os jornalistas da Trust in News

04 de dezembro 2024 - 20:24

Leitores, jornalistas da Trust in News e outros jornalistas estiveram presentes no Largo Camões para reivindicar uma solução para os trabalhadores da Trust in News e o apoio público ao jornalismo.

PARTILHAR
Concentração de trabalhadores da Trust in News
Fotografia de José Sena Goulão/Lusa

"Para que a democracia não morra na escuridão", lê-se na faixa que está pendurada na estátua de Camões. É uma mensagem que se apropria da icónica frase do Washington Post, "a democracia morre na escuridão”, para sublinhar a importância da pluralidade jornalística das publicações do grupo Trust In News.

Centenas de pessoas juntaram-se na Praça Luís de Camões em defesa dos trabalhadores da Trust In News. Muitos vêm em solidariedade com os 140 jornalistas cujos empregos estão em risco. Leitores, mas também jornalistas de outros órgãos de comunicação social que vieram cobrir a concentração ou que estão presentes para os apoiar na luta.

Entre a multidão, um dos trabalhadores do grupo pede a palavra para apontar a "resiliência destas pessoas”. É que a Trust In News já está em crise há muito tempo, com salários e subsídios em atraso, mas aqueles jornalistas continuam a fazer o seu trabalho ao mesmo tempo que lutam pela sustentabilidade das publicações. “Não baixaram os braços em momento algum", revela.

“Acreditamos no futuro destes títulos”, diz uma jornalista da Visão. “Ajudem-nos a manter os portugueses lidos”, pede alguém do Jornal de Letras. “É o pluralismo que se perde”, lamenta uma jornalista da Caras. Entre as intervenções, também um leitor pede a palavra. Diz ser militar de abril e acompanhar a Visão desde o primeiro número. “A Visão é precisa porque é pluralista”, grita quando o megafone falha, e decide fazer uma homenagem à vice-diretora da Visão, Sara Belo Luís. “Estou consigo, capitã", saúda. Neste caso, os jornalistas não precisam de verificar os factos para lhe bater palmas.

Pluralidade é mesmo a palavra de ordem da concentração. Há cartazes de todos os tipos e feitios, trazidos pelos jornalistas dos diferentes títulos. “Os teclados não pararão na Visão”, “é preciso uma voz Activa” ou simplesmente “deixem-nos trabalhar”, são algumas das palavras que circulam pela praça Camões.

Os jornalistas juntaram-se para chamar atenção para a urgência de soluções, num momento em que a Trust in News está a enfrentar insolvências em vários títulos. Os trabalhadores saíram afetados, com salários e subsídios em atraso e a depauperação das equipas de jornalistas das várias redações, que perderam pessoas e ferramentas de trabalho.

Em causa estão publicações como a Visão, a Exame, o Jornal de Letras, a Activa e a Caras. Os trabalhadores pedem soluções para a crise que a empresa enfrenta e respostas para a sua falta de condições económicas. “Há um preconceito em relação a esse apoio aos media”, diz Manuel Halpern, jornalista do Jornal de Letras, Artes e Ideias. “Durante a pandemia foi feito um pacote de apoio através da publicidade e não me parece que nenhum órgão de comunicação tenha perdido a sua imparcialidade face ao governo”.

“Apesar dos erros de gestão que esta administração cometeu de forma algo escandalosa, nada disto funciona sem apoios”, explica o jornalista. É mesmo de um problema estrutural que estamos a falar, e embora se fale de arranjar outros financiadores para os títulos, os jornalistas presentes têm a opinião que a solução passa pelos apoios públicos. Outras adaptações, como a transição para o digital seriam um “golpe” para este título, mas também para os outros do grupo. “Temos de respeitar os leitores que são fiéis e gostam de ler o jornal em papel”, diz Manuel.

Joana Loureiro, jornalista e delegada sindical da Visão, também percebe que o problema é estrutural. “Há um ano atrás quando o grupo Global Media estava a lutar nas ruas nós já estávamos a passar dificuldades”, explica. “Essa situação tem-se prolongado ao longo do ano. Precisamos de apoio do governo e de desmistificar os apoios governamentais”.

A jornalista considera que até agora foram tidas “medidas muito ténues” e que “não resolvem nada” na crise do jornalismo em Portugal. “Sem órgãos de informação que funcionem como contrapoder temos uma sociedade mais pobre”, defende.

“O grupo está em insolvência” e corre-se o risco de a Visão, como os outros títulos, desaparecer, avisa a delegada sindical. “Vermos títulos históricos como estes a desaparecerem, que já fizeram tanto pela democracia, é triste” especialmente num momento em que “vemos a desinformação a sagrar por aí”. “Estamos a cavar o buraco mais fundo”, lamenta.

Apesar de um ano duro, que começou com a crise do grupo Global Media e acaba com a crise da Trust in News, a luta trouxe alguma esperança e alegria aos jornalistas, que enchem a praça Camões com cânticos e conversas. Os jornalistas da Visão, da Caras, da Activa e do Jornal de Letras estão em escada nos degraus entoando cânticos como se fossem um coro. “Sem jornalismo não há democracia”, gritam e recebem a resposta de volta do público.

Bloco defende proteção de trabalhadores e títulos

O deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro esteve presente na concentração, em apoio dos jornalistas. "No imediato, é necessário proteger o emprego e assegurar o pagamento da totalidade dos salários e subsídios em atraso a este conjunto de trabalhdores", defendeu. 

Mas, segundo o deputado, "é necessário mais", uma vez que nos últimos anos se multiplicaram restruturações acionistas que "deixaram vários grupos de media nas mãos de acionistas sem condições de idoneidade". É o caso de Marco Galinha na Global Media e Luís Delgado na Trust in News.

"É urgente garantir a transparência de toda a cadeia de propriedade das empresas e grupos de comunicação social, assim como a avaliação da idoneidade dos seus acionistas e administradores antes de existir qualquer alteração na estrutura acionista", sublinhou José Soeiro."E pensar em políticas públicas que salvaguardem a informação como bem público e a pluralidade de títulos".