A chamada “Geringonça”, ou “maioria de esquerdas”, que nos governou durante a XIII Legislatura, suscitou desde o início muitas reservas (sobretudo entre os seus detratores), mas no final do dia superou todas as expectativas pela positiva, seja na esfera política, seja na esfera económica, mesmo entre os seus apoiantes de primeira hora (como eu, na verdade avant la lettre).
O compromisso político democrático implica que os partidos que participam numa “coligação” admitem priorizar determinados temas e secundarizar outros, de modo a viabilizar uma aliança. Foi precisamente isso que aconteceu em Portugal, tal como em vários outros países europeus com soluções destas. No final do exercício, o PS pode reivindicar o seu papel de âncora fundamental no cumprimento dos compromissos europeus e nas contas públicas equilibradas, enquanto que a “esquerda radical” (Bloco de Esquerda e PCP/PEV) pode reivindicar a sua significativa influência numa governação mais progressista e distributiva em matéria socioeconómica. Claro que houve várias divergências entre os partidos de esquerda, mas elas foram sempre geridas com lealdade política e sentido de responsabilidade. Deve notar-se, porém, que houve áreas onde o PS se apoiou à direita (leis do trabalho, apoios ao sector financeiro, etc.) e em que a inflexão para o centro do centro, na melhor das hipóteses, foi clara.
Naturalmente, todos e cada um dos partidos numa democracia pretende em primeiro lugar aumentar o seu poder por via do aumento da sua força eleitoral. E claro que as soluções de governo serão determinadas pelos resultados eleitorais, mas também é verdade que, num sistema como o nosso, a mediação partidária – parlamentar será sempre um sine qua non. As várias esquerdas já se manifestaram disponíveis para conversar com vista a uma eventual reedição da “maioria de esquerdas”, assim os resultados o requeiram. Do meu ponto de vista, o mais importante é a não existência de uma maioria absoluta de um só partido (pelas tendências para uma “governação musculada” que sempre gera, e pelo agravar do centrismo ideológico no caso do PS), e a uma distância significativa da dita, bem como a existência de acordos escritos que permitam uma governação estável (com ou sem coligação formal) e que, desejavelmente, incluam os partidos da aliança atual. Se eu estivesse num sistema com duplo voto, provavelmente votaria para reforçar os dois partidos à esquerda do PS, mas como só tenho um voto, apoiarei claramente o Bloco de Esquerda porque é aquele que me garante, em principio, uma maior influência para uma governação progressista na arena socioeconómica, um europeísmo crítico, e uma atitude firme em defesa da democracia em Portugal e no mundo.
Texto de André Freire, Politólogo, Professor Universitário