Eleições nos Açores: uma análise dos resultados

29 de outubro 2020 - 19:18

As eleições realizadas no domingo saldaram-se não apenas pela perda da maioria absoluta do PS, mas também da esquerda no seu conjunto. O Bloco conseguiu o melhor resultado de sempre do partido em eleições regionais. Artigo de Jorge Martins.

porJorge Martins

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O Bloco de Esquerda teve o melhor resultado de sempre em eleições regionais e elegeu António Lima e Alexandra Manes
O Bloco de Esquerda teve o melhor resultado de sempre em eleições regionais e elegeu António Lima e Alexandra Manes

As eleições realizadas no domingo, na região autónoma dos Açores, saldaram-se não apenas pela perda da maioria absoluta do PS, mas também da esquerda no seu conjunto.

Ao mesmo tempo, conduziram à entrada de um grupo parlamentar da extrema-direita na Assembleia Legislativa Regional.

 

O sistema político açoriano

Os Açores são, constitucionalmente, uma região autónoma do território português, dotado de um conjunto de competências próprias, vertidas no respetivo estatuto de autonomia.

As funções tradicionais de soberania do Estado português (defesa, relações externas, justiça, segurança pública) competem ao governo da República, enquanto outras (como a moeda) foram já transferidas para a União Europeia.

Porém, a região dispõe de poder legislativo em algumas áreas (economia e planeamento regional; agricultura, pescas e florestas; comércio interno; emprego; educação; saúde; transportes e comunicações; ciência e tecnologia; ambiente e recursos naturais; turismo; cultura e outras), embora sempre no respeito pelo quadro constitucional e pelas leis da República aplicáveis ao conjunto do território português.

O Estado central é representado pelo representante da República na região, cuja função é, não apenas a representação da soberania nacional no arquipélago, mas também a fiscalização da constitucionalidade das leis regionais. É nomeado pelo Presidente da República. A sua residência oficial situa-se em Angra do Heroísmo.

Até 2004, denominava-se ministro da República e era nomeado pelo governo central, algo que levava a conflitos institucionais frequentes entre os executivos nacional e insular, em especial quando eram de “cores políticas” diferentes. Nesse ano, uma revisão constitucional levou à consagração do atual regime, que aprofundou a autonomia e pacificou institucionalmente as relações entre o Estado e as regiões autónomas.

O poder executivo autonómico é da responsabilidade do Governo Regional, cujo presidente, nomeado pelo representante da República, de acordo com os resultados eleitorais, é, na prática, o primeiro-ministro da região. Os membros do gabinete não possuem o título de ministros, mas apenas de secretários de Estado. Está sedeado em Ponta Delgada.

Por sua vez, o poder legislativo reside no Parlamento da região, denominado Assembleia Legislativa Regional. Esta é unicameral, sendo constituída por 57 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de quatro anos. Tem a sua sede na Horta.

Relativamente à sua divisão administrativa, as ilhas não possuem existência jurídica, exceto para efeitos eleitorais, sendo a divisão oficial os 19 municípios e as respetivas freguesias. A região tem autonomia para criar, extinguir e alterar os limites das suas autarquias.

Um sistema eleitoral peculiar

De acordo com a exigência constitucional, os Açores dispõem de um sistema de representação proporcional.

Contudo, dada a existência de nove ilhas em três grupos diferentes, cada qual com as suas especificidades e em que algumas delas rivalizam entre si, houve que garantir uma representação minimamente equitativa de todas.

Contudo, há uma enorme disparidade demográfica entre elas. Assim, dos 229.002 eleitores recenseados, São Miguel dispõe de quase 128.251 (cerca de 56%) e a Terceira 52.584 (perto de 23%). Seguem-se o Pico (13.622) e o Faial (13.037), enquanto São Jorge (8.716), Santa Maria (5.402), Graciosa (3.933) e Flores (3.120) têm muito pouca população, para já não falar no Corvo (337).

Para conciliar a representatividade simultânea da população e das ilhas, cada uma destas constitui um círculo eleitoral. Na distribuição dos mandatos por ilha, todas dispõem, automaticamente, de dois, pelo que 18 estão automaticamente alocados. Depois, cada ilha recebe um mandato adicional por cada 7250 eleitores e pelas maiores frações superiores a 1000, até se perfazerem os 52 lugares a atribuir nas circunscrições insulares.

Atualmente, São Miguel elege 20, a Terceira 10, o Pico e o Faial ambos quatro, São Jorge, Santa Maria, Graciosa e Flores três cada e o Corvo dois.

Os cinco que restam são atribuídos através de um círculo de compensação, que garante uma maior proporcionalidade dos resultados.

Primeiramente, contam-se os votos e atribuem-se os mandatos, através do método de Hondt, em cada uma das nove ilhas. Depois, a partir do total de votos obtidos na região (ou seja, a soma daqueles), calculam-se, através da mesma fórmula eleitoral, os mandatos que cabem a cada força política no todo regional.

As listas que tiverem obtido menos lugares nos círculos insulares que os que lhe cabem a nível regional, vão buscar os mandatos em falta ao círculo de compensação; aquelas cujos valores sejam iguais têm o seu número de eleitos definido; as que conseguirem eleger mais deputados nas circunscrições insulares que os que lhes cabem a nível da região, mantém-nos. Neste último caso, o(s) lugar(es) obtido(s) por essa(s) lista(s) é(são) retirado(s) da contagem efetuada a nível regional para efeito de apuramento dos mandatos a atribuir no círculo de compensação.

Até 2006, este último não existia, tendo sido acrescentado nesse ano, para fazer face à crescente desproporcionalidade dos resultados. As eleições regionais de 2008 foram as primeiras que decorreram de acordo com este novo sistema eleitoral.

Como se pode ver, trata-se de um sistema algo peculiar, mas que poderia ser adotado, obviamente com as necessárias adaptações, às eleições legislativas nacionais.

O contexto eleitoral

Nas eleições legislativas regionais de 2016, o PS viu reduzir-se a sua votação, mas voltou a vencer com maioria absoluta, apesar de Carlos César, que governava desde 1996, não ter podido recandidatar-se, devido à lei da limitação dos mandatos, sendo substituído por Vasco Cordeiro.

O facto de se encontrar há 24 anos consecutivos à frente dos destinos da região, 20 dos quais com maioria absoluta, foram desgastando a administração socialista, que foi criando os vícios habituais de uma longa permanência no poder, em especial o cada vez maior clientelismo e caciquismo, traduzidos em crescentes tiques autoritários.

Acresce, ainda, o facto de o governo regional não ter conseguido resolver os problemas sociais que afetam a população do arquipélago, onde uma parte ainda muito significativa vive em situação de pobreza, algo que a pandemia veio agravar.

É certo que a administração regional deu uma resposta sanitária razoavelmente positiva à crise da Covid e Vasco Cordeiro tentou “puxar dos galões” do seu executivo nesse campo, mas esse argumento não teve o impacto que esperava.

Por outro lado, neste ato eleitoral, apresentaram-se novas forças políticas com ambições de entrar no Parlamento, como o Chega (CH) e a Iniciativa Liberal (IL), enquanto PAN e PPM surgiam reforçados. Os dois primeiros beneficiavam do seu novo estatuto de partidos parlamentares a nível nacional, o segundo de ter aumentado bastante a sua votação nas legislativas e o terceiro pelo prestígio do seu líder regional.

Análise dos resultados eleitorais

Vou, agora, proceder à análise dos resultados das diferentes forças políticas concorrentes. Começarei pelo Bloco de Esquerda, por ser o nosso partido, e, depois, seguirei a ordem da percentagem de votos recebidos.

Na evolução relativamente às últimas regionais, advirto já que, nas ilhas mais pequenas, as percentagens de crescimento (positivo ou negativo) devem ser lidas com algum cuidado, dado o pequeno tamanho do universo eleitoral.

Do ponto de vista político, há a referir que, como, à exceção de São Miguel e da Terceira, as outras ilhas possuem menos de 15 mil habitantes, as eleições aí realizadas acabam por assumir um certo carácter autárquico, em que, por vezes, a colocação de um candidato popular por parte de uma dada força política, tal como a sua saída, pode levar a transferências de voto teoricamente pouco prováveis em termos puramente ideológicos.

Bloco de Esquerda: um bom resultado em condições difíceis

O Bloco de Esquerda obteve 3,8% dos votos, uma ligeiríssima subida face a 2016, em que conseguira 3,7%, mantendo os dois lugares que, então, conquistara.

Não sendo brilhante, foi, contudo, o melhor resultado de sempre do partido em eleições regionais, até porque, tendo descido consideravelmente a abstenção, a pequena subida percentual esconde um ganho de mais de 5.000 votos. Ainda para mais, foi obtido em condições muito difíceis, tanto do ponto de vista político como logístico.

Ao nível político, se é certo que o desgaste do governo do PS seria, teoricamente, favorável a um maior crescimento do Bloco, a verdade é que teve como contraponto, do lado do partido governamental, uma campanha agressiva de apelo ao chamado “voto útil”, acenando com a instabilidade política, com recurso ao argumento do medo.

Também o aparecimento de novas formações, algumas com um discurso populista sem escrúpulos, levaram muitas pessoas atrás, capitalizando o voto de protesto, que, de outra forma, poderia ser captado pelo Bloco de Esquerda e outras forças políticas de esquerda.

Ao nível logístico, a situação de pandemia limitou bastante as ações de campanha, o que desfavoreceu o Bloco, que não pôde fazer a sua habitual campanha de contactos de rua com a mesma frequência.

Por tudo isto, mesmo não sendo caso para “embandeirar em arco”, está de parabéns o Bloco de Esquerda/Açores e, em especial o camarada António Lima (reeleito diretamente em São Miguel) e a camarada Alexandra Manes (no círculo de compensação).

A nível territorial, o melhor resultado ocorreu em Santa Maria (11,6%), seguido, a grande distância, de São Miguel (4,3%) e, depois, Flores (3,8%), Faial (3,6%) e Terceira (3,2%). Mais fracos os desempenhos no Pico e em São Jorge (1,9% em ambas as ilhas), bem como na Graciosa (1,1%). No Corvo, zero votos (!...).

Em relação às últimas regionais, o Bloco registou o maior crescimento nas Flores (+198,7%), seguindo-se em Santa Maria (+161,3%) e, depois, o Pico (+69,1%). Em todos eles, conquistando eleitorado à CDU e, em menor grau, ao PS. Em São Miguel (+3,2%) e Terceira (+1,8%) os acréscimos foram mais modestos, fruto da penetração em algumas franjas socialistas e comunistas, embora tenha havido pequenas fugas para o PSD, a IL e, principalmente na primeira, para o PAN.

Nas restantes ilhas, houve perdas: residuais na Graciosa (-0,9%); em São Jorge (-30,4%), para os socialistas e, residualmente, para o CH; no Faial (-44,1%), na direção da CDU e, em menor grau, do PS, enquanto, no Corvo, a descida foi de 100% (na realidade, de um voto para zero!...), o que, obviamente, não tem significado estatístico.

No conjunto do território, o Bloco conservou 84% do seu eleitorado de há quatro anos (2,8%), a que somou 0,5% da abstenção e jovens eleitores (0,7%), 0,5% do PS (0,2%), 1,5% da CDU (0,1%) e valores residuais de outras opções de voto.

Relativamente a perdas, deixou fugir 4,5% para o PS, 2,5% para o PSD, 1,5% para o PAN, a IL e a abstenção, 1,0% para a CDU, o PPM, o CH e outros partidos e 0,5% para o CDS.

PS: uma vitória com sabor a derrota

O PS, liderado pelo presidente do governo regional, Vasco Cordeiro, sofreu um desaire eleitoral, já que, apesar de ter sido o partido mais votado, com 39,1% dos votos, que lhe valeram a conquista de 25 mandatos, ficou muito aquém dos 46,4% e 30 lugares que conseguira em 2016, levando à perda da maioria absoluta que detinha há 20 anos.

Um resultado negativo, que se deve muito ao desgaste do executivo, pelas razões que enumerei acima.

Do ponto de vista geográfico, o partido obtém o melhor resultado na Graciosa (47,4%), seguido do Pico (44,8%), de Santa Maria (44,0%) e da Terceira (41,3%). Em São Miguel ficou, praticamente, na média regional (39,0%) e nas restantes ilhas os resultados foram menos brilhantes, mas nunca abaixo dos 30%: Corvo (35,2%), São Jorge (32,0%), Faial (30,3%) e Flores (30,0%).

Venceu em sete das nove ilhas, tendo sido derrotado apenas no Faial (pelo PSD) e no Corvo (pela coligação local PPM-CDS) e em 12 dos 19 municípios do arquipélago, perdendo três em São Miguel (Ponta Delgada, Ribeira Grande e Nordeste), o do Faial (Horta) e um das Flores (Santa Cruz das Flores) para o PSD, um de São Jorge (Velas) para o CDS e o do Corvo para a já referida coligação de direita.

Como se pode verificar pela evolução face a 2016 a nível de ilhas, foi, em geral, nas mais pequenas que se aguentou melhor, tendo inclusive subido nas Flores (+26,8%), graças à implosão da CDU, e no Pico (+13,5%),onde foi buscar grande parte do eleitorado do CDS e algum do PSD.

No Corvo (-4,2%) e no Faial (-6,9%) a descida foi pequena, com as perdas para a CDU e o PSD nesta última ilha parcialmente compensadas com franjas do Bloco de Esquerda. Mais significativas as que ocorreram em Santa Maria (-12,3%), com fugas para o Bloco e, em menor grau, para o PPM; na Graciosa (-13,0%), para o PSD; na Terceira (-15,8%), na direção de PSD, IL, CH e, em menor dimensão, para Bloco de Esquerda e PAN, mesmo tendo apanhado alguns vindos da CDU, e em São Jorge (-19,0%), onde “voaram” para o CDS e o CH. Mas o pior desempenho dos socialistas verificou-se em São Miguel (-20,8%), onde muitos votos fugiram em massa para o PSD e outros para CH, IL, PAN e, em menor grau, PPM e Bloco, não sendo compensados por alguns que conquistou à CDU e ao CDS.

A nível regional, o PS segurou 85% do seu eleitorado de há quatro anos (35,4%) e foi buscar 1,5% à abstenção e jovens eleitores (2,0%), 2% ao PSD (0,6%), 18% à CDU (0,4%), 4% ao CDS (0,3%), 10% ao PAN (0,1%), outro tanto a pequenos partidos (0,1%) e 4,5% do Bloco (0,1%), a que se junta 1,5% de brancos e nulos (0,1%) e 5% do PPM.

Ao invés, perdeu 7% para o PSD, 2% para a abstenção, 1,5% para o CH, 1% para a IL e cerca de 0,5% para cada uma das restantes opções de voto.

PSD: cresceu, mas ainda falta um bocado para o poder

O PSD, liderado por José Manuel Bolieiro, melhorou o seu resultado de 2016, mas continua longe do primeiro lugar. O partido recebeu agora 33,7% dos sufrágios e elegeu 21 deputados, contra os 30,9% e 19 eleitos de 2016.

Um dos fatores que levou a que a subida ficasse aquém do esperado pelos seus dirigentes foi o aumento da concorrência à direita, com o aparecimento em força do CH e, em menor grau, da IL, a par com a boa prestação do PPM e alguma resiliência de um enfraquecido CDS. Sendo o PSD um dos dois grandes partidos do sistema, apenas beneficiou de uma parte do descontentamento com o governo do PS, indo o voto de protesto para formações marginais, algumas de caráter populista.

Claro que, sendo a principal força política alternante, espera que, um dia, o poder lhe caia nas mãos “de maduro”, mas ainda falta um bocado para isso acontecer. E, dada a recomposição que se verifica à direita, as coisas podem não ser assim tão simples.

Porém, ao contrário do que tem acontecido desde 1996, em que, a cada derrota nas eleições regionais (e, às vezes, até antes destas), se assiste à demissão do líder “laranja”, tudo indica que, desta vez, José Manuel Bolieiro, que já foi presidente da Câmara de Ponta Delgada, se mantenha na liderança.

Até porque, agora, a esquerda deixou de ter maioria parlamentar e o PSD até poderia formar governo, se aceitasse aliar-se com a extrema-direita (e vice-versa), o que, felizmente, não parece ser o caso.

A nível territorial, o partido obteve o melhor resultado na Graciosa (41,6%), logo seguido do Faial (41,0%), onde venceu, de São Miguel (36,6%) e do Pico (36,5%). Nas restantes ilhas, os resultados foram mais fracos, tendo ficado já bem abaixo da média regional na Terceira (28,5%) e nas Flores (28,3%) e com desempenhos ainda mais fracos em Santa Maria (23,3%), no Corvo (22,3%) e, sobretudo, em São Jorge (18,4%).

Apenas venceu na ilha do Faial, tal como em 2016, e em cinco municípios: três em São Miguel (Ponta Delgada, Ribeira Grande e Nordeste), no do Faial (Horta) e um nas Flores (Santa Cruz das Flores).

Em relação às últimas regionais, a maior subida ocorreu nas Flores (+34,5%), indo buscar muitos votos à CDU e alguns ao CDS, seguida de São Miguel (+19,7%), onde, beneficiando de algum prestígio do seu líder na ilha, captou muitos eleitores do PS, do CDS e alguns da CDU, e da Graciosa (+13,3%), onde “pescou” no eleitorado socialista.

Nas restantes ilhas, baixou as suas percentagens, residualmente no Faial (-0,3%), na Terceira (-1,1%), aqui perdendo votos para a IL, e no Pico (-3,5%), para o PS, aqui parcialmente compensada com alguns vindos do CDS. Mais significativas foram as suas perdas em São Jorge (-13,5%), para CH e CDS; no Corvo (-14,8%), para a coligação PPM-CDS, e em Santa Maria (-20,0%), na direção do PPM.

A nível regional, o PSD conservou 91% do seu eleitorado de há quatro anos (25,0%), conquistou 3% (3,9%) no conjunto dos abstencionistas e jovens eleitores (em grande parte, nos primeiros) e captou 16,5% do CDS (1,1%), 12,5% do PAN (0,2%), 12% de pequenos partidos (0,2%), 5% da CDU (0,2%), 2,5% do Bloco de Esquerda (0,1%) e 5% do PPM.

Em contrapartida, deixou fugir 3% para o CH, 2% para o PS, 1% para o CDS, o PPM, a IL e a abstenção e 0,5% para o PAN e para pequenas formações.

 

 

O CDS, liderado por Artur Lima, foi um dos derrotados deste ato eleitoral, obtendo 5,5% dos votos e três deputados, quando, em 2016, chegara aos 7,2% e elegera quatro representantes.

Tendo em conta a perda de popularidade do partido, expressa na hecatombe sofrida nas últimas legislativas e da qual ainda não recuperou, apesar da mudança de líder, e o aparecimento de novas forças com ambições à direita, estavam preenchidas as condições para o desastre.

Contudo, apesar das perdas sofridas, os populares contrariaram as piores previsões e mantiveram-se como terceira força política, muito graças a um estilo de oposição construtiva e à sua implantação em algumas ilhas.

Apenas lhes falhou a possibilidade de poderem fazer maioria com o PS e, dessa forma, acederem à área do poder.

O seu melhor resultado ao nível dos círculos insulares ocorreu no seu tradicional bastião de São Jorge (31,6%), onde ficou apenas 0,4% atrás do PS e venceu no concelho de Velas. Seguiram-se as Flores (11,7%) e a Terceira (9,5%), onde está razoavelmente bem implantado e, depois, o Faial (6,0%) e o Pico (4,5%). Muito fracos os resultados de São Miguel (1,6%), Graciosa (1,3%) e Santa Maria (1,2%). No Corvo, concorreu aliado ao PPM na coligação vencedora na ilha.

Relativamente a 2016, apenas subiu em São Jorge (+20,8%), onde foi buscar muitos votos ao PSD e alguns ao PS, compensando pequenas perdas para o CH.

Em todas as outras onde concorreu, desceu. As menores descidas ocorreram na Terceira (-6,4%), na direção de PSD, CH e IL, e no Faial (-8,4%), para PSD e, em menor grau, PPM. Já foram grandes na Graciosa (-27,2%), para os “laranjas”, tal como nas Flores (-31,3%) e em Santa Maria (-33,4%), em ambas na direção, especialmente, dos monárquicos. Contudo, as grandes hecatombes ocorreram em São Miguel (-51,8%), onde é tradicionalmente débil e perdeu muito eleitorado para PSD, CH, IL e PPM, e no Pico (-68,3%), onde viu fugir grande parte dos eleitores que conquistara nas últimas regionais, a maioria para o PS e alguns para o PSD.

A nível regional, o CDS conservou apenas 65,5% do seu eleitorado de há quatro anos (4,2%), indo buscar 0,5% (0,7%%) de abstencionistas e jovens eleitores (em grande parte, dos primeiros), 1,0% ao PSD (0,3%), 0,5% ao PS (0,2%), 2,0% à CDU (0,1%) e pouco mais a outras opções de voto

Inversamente, perdeu 16,5% para o PSD, 5% para o CH, 4% para o PS, 3% para o PPM, 2,5% para a IL, 2% para a abstenção, 1% para outros partidos, 0,5% para o Bloco e valores residuais para as restantes opções.

CHEGA: a extrema-direita chegou e entrou com força

Um dos dados mais significativos e mais preocupantes desta eleição foi o bom resultado obtido pelo Chega, partido populista de extrema-direita, liderado, no arquipélago, por Carlos Furtado, que obteve 5,1% dos sufrágios e consequente eleição de dois deputados.

O CH aproveitou a situação de debilidade de muitos açorianos, que se agravou com a pandemia, bem como o descontentamento de muitos com o governo do PS, com a política e os políticos para fazer uma campanha populista e demagógica.

Afirmando-se como força antissistema, zurziu na corrupção dos políticos, nos “tachos” e em políticas de apoio social, como o rendimento mínimo, que, no seu entender, favorece aqueles que designa por “parasitas”, num ataque implícito às minorias étnicas, tudo isso conjugado com um discurso nacionalista e tradicionalista de defesa dos “valores tradicionais”. Conseguiu, assim, convencer muitos eleitores, em especial entre os mais pobres e menos instruídos, bem como alguns pequenos empresários, desesperados com a crise económica gerada pela pandemia.

Para o efeito, contou com a presença quase constante do líder nacional e principal figura do partido, o deputado André Ventura, o que ajudou muito o CH a fazer passar a sua mensagem.

A isso se juntou a captação de antigos dirigentes regionais e locais do PSD, CDS e outras formações direitistas, que garantiram bons desempenhos em algumas ilhas.

A nível dos círculos insulares, o seu melhor resultado verificou-se em São Jorge (9,1%), seguido de São Miguel (5,6%) e na Terceira (5,4%). Vêm, depois, o Pico (3,6%) e o Faial (3,0%). Piores foram os da Graciosa (1,5%) e de Santa Maria (1,4%). Nas Flores e no Corvo, não concorreu.

A distribuição geográfica do seu voto mostra que este é, essencialmente, urbano e suburbano, como se pode ver pelo voto a nível das freguesias de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo, em especial.

À escala concelhia, vemos que, em São Miguel, teve a maior percentagem de votos na Lagoa (9,2%), de onde é natural o seu líder regional, seguida por Vila Franca do Campo (7,1%), Ribeira Grande (5,5%) e Ponta Delgada (5,1%). Nos dois concelhos orientais da ilha, mais rurais (Povoação e Nordeste), ficou mais abaixo (3,7% e 3,2%, respetivamente). Contudo, o município onde teve o melhor resultado foi o da Calheta, na ilha de São Jorge, onde chegou aos 13,4%.

Os seus votos vieram, principalmente, de 2% dos abstencionistas e alguns jovens eleitores (2,6%), a que acresceram 3% do PSD (0,9%), 1,5% do PS (0,7%), 9% de votos brancos e nulos (0,4%), 5% do CDS (0,3%), 2,5% da CDU (0,1%), 8,5% de pequenos partidos (0,1%) e valores residuais de outras forças políticas.

PPM: uma subida com laivos de alguma surpresa

Uma surpresa destas eleições foi a clara subida do PPM, que obteve 2,4% dos sufrágios, elegendo dois deputados, quando, em 2016, apenas tinha conseguido 0,9% e a eleição solitária do seu líder regional, Paulo Estêvão, na ilha do Corvo.

Este bom resultado dos monárquicos deveu-se, quer ao bom trabalho do seu único parlamentar, quer à “transferência” de alguns candidatos vindos de PSD e CDS, com influência a nível local.

Se considerarmos o Corvo, onde concorreu em coligação com o CDS e venceu, terá tido aí o seu melhor resultado (40,1%), que garantiu a reeleição de Paulo Estêvão.

Onde concorreu isoladamente, o seu melhor desempenho ocorreu nas Flores (18,2%), onde conseguiu, com alguma surpresa, eleger um deputado, e em Santa Maria (12,6%), onde foi a terceira força política. Nas restantes ilhas, os resultados foram mais fracos, embora tenha ficado acima da média regional na Graciosa (3,6%) e à volta desta no Faial (2,6%) e em São Miguel (2,3%). Ficou abaixo desse valor em São Jorge (1,5%), Terceira (0,8%) e Pico (0,6%).

Em relação aos resultados de há quatro anos, cresceu em todas as ilhas, tendo tido algumas subidas percentuais “estratosféricas”, devido, quer aos fracos resultados de então, quer ao reduzido universo populacional de algumas ilhas, pelo que há que ter cuidado a analisar esses números.

Foi assim em Santa Maria (+2203,6%), muito à custa de votantes do PSD e, em menor grau, do CDS e do PS, e na Graciosa (+673,3%), onde tinha muito poucos votos e terá captado alguns votantes “laranjas”, tal como na Terceira (+145,3%) e em São Jorge (+120,2%). Em São Miguel (+93,4%) terá ido buscar votos ao CDS e, em menor grau, ao PS, tal como no Faial (+79,0%) e no Pico (+60,6%), onde terá também entrado em franjas do PSD.

Nas Flores, onde não concorrera em 2016, apoiando, então, o CDS, recebeu votos de eleitores populares e alguns “laranjas” e beneficiado do “trambolhão” da CDU na ilha. No Corvo, a atual coligação com o CDS subiu 25,1% face ao último ato eleitoral, em que os populares não concorreram, apoiando, na altura, a candidatura monárquica.

A nível regional, o PPM manteve 85% do seu pequeno eleitorado de há quatro anos (0,7%), conquistou 0,5% de abstencionistas e jovens eleitores (0,7%) e foi buscar 1% ao PSD (0,3%), 3% ao CDS (0,2%), 0,5% ao PS (0,2%), 16,5% a pequenos partidos (0,2%), 3% à CDU (0,1%) e valores residuais a outras opções de voto.

As perdas foram relativamente pequenas, dada a reduzida dimensão do seu universo eleitoral de 2016. Deste, 5% foram para o PSD, 2,5% para a IL, 1,5% para CH, PS, pequenos partidos e abstenção, 1% para o CDS, 0,5% para o BE e quase nada para os restantes.

IL: Duas ilhas bastaram para chegar ao Parlamento

Tal como tinha acontecido a nível nacional, também nos Açores a IL garantiu o acesso à representação parlamentar. Apesar de apenas ter apresentado candidaturas em São Miguel e na Terceira, as duas maiores ilhas do arquipélago, conseguiu 1,9% dos votos a nível regional, o suficiente para eleger um deputado.

Sendo um partido cujo apoio assenta, essencialmente, no eleitorado urbano jovem e mais abastado, a opção de apenas se candidatar nas ilhas mais povoadas e urbanizadas deu frutos.

Beneficiou, principalmente, com o desencanto de vários eleitores da direita liberal com a oposição desenvolvida por PSD e CDS (de onde são provenientes alguns dos dirigentes regionais da IL) e, também, de uma franja de eleitores descontentes com a administração socialista e à procura de algo novo.

A nível insular, foi ligeiramente melhor o resultado da Terceira (2,9%) que o de São Miguel (2,5%). Porém, na votação por concelhos, a sua votação mais elevada ocorreu em Ponta Delgada (3,6%), seguida de Angra do Heroísmo (3,1%). E, se descermos ao nível das freguesias, é nas que se situam no centro dessas cidades que se encontram os valores mais altos, na casa dos 5%-6%, o que confirma o que referi acima sobre a natureza sociológica do seu eleitorado.

O partido captou 0,5% de abstencionistas e jovens eleitores (0,7%), principalmente destes últimos, 1% nos eleitorados do PS (0,4%) e do PSD (0,3%), 2,5% no do CDS (0,2%), 5% nos votos brancos e nulos (0,2%), 5,5% em pequenas formações (0,1%) e valores reduzidos nas restantes forças políticas.

PAN: objetivo atingido, mas esperava-se um pouco mais

O PAN também conseguiu entrar na Assembleia Regional, ao obter, também, 1,9% dos votos, fazendo eleger o seu líder regional, Pedro Neves. Em 2016, ficara-se por 1,4% e nenhum eleito.

Apesar do bom resultado, esperava-se um pouco mais, tendo em conta o recente crescimento do partido a nível nacional, mesmo considerando a cisão que levou à saída, entre outros, do eurodeputado Francisco Guerreiro e da deputada eleita por Setúbal, Cristina Rodrigues. Se compararmos com a estreante IL, mesmo tendo concorrido a seis ilhas, teve menos oito (!...) votos que aquela, que só se apresentou em duas.

O facto de haver novas formações com possibilidades de aceder ao Parlamento retirou ao PAN o efeito de novidade e a possibilidade de ser um dos principais depositários do voto de protesto.

A nível territorial, o seu eleitorado é, essencialmente, urbano, pelo não surpreende que o seu melhor resultado tenha ocorrido em São Miguel (2,6%). Seguem-se, depois, um pouco abaixo da média regional, a Terceira, o Faial e o Pico (1,5% nas três) e as Flores (1,4%), enquanto em São Jorge não foi além de uns parcos 0,4%. Nas restantes três ilhas, não concorreu, ao contrário do que sucedera há quatro anos.

Em relação aos resultados de 2016, cresceu em todas as ilhas, tendo tido uma fortíssima subida percentual nas Flores (+244,8%), à custa da CDU, embora esse número seja inflacionado pelo baixo valor da sua votação de então, e no Pico (+138,7%), onde foi buscar eleitores de pequenos partidos e ocorre um efeito estatístico semelhante. Nas ilhas mais urbanizadas, cresceu razoavelmente na Terceira (+37,0%), em São Miguel (+32,8%) e no Faial (+27,5%), círculos onde penetrou, essencialmente, no eleitorado do PS e em pequenas franjas do Bloco, que compensaram fugas para PSD, IL e PPM.

Das ilhas onde concorreu, apenas perdeu votos em São Jorge (-44,6%), para PS e, residualmente, para PSD, Bloco de Esquerda, CDS e CH. Naquelas onde, agora, não se apresentou (Santa Maria, Graciosa e Corvo), terá visto o seu eleitorado de 2016 ir para o PPM (na primeira), para a coligação entre este e o CDS (na última) e para PSD e PS (na segunda).

A nível regional, o PAN conservou apenas 62% dos seus eleitores de há quatro anos (0,8%), mas captou 0,5% entre abstencionistas e, principalmente, jovens eleitores (0,7%), mais igual percentagem no eleitorado do PS (0,2%) e do PSD (0,1%), 1,5% no do Bloco (0,1%) e valores reduzidos noutras opções de voto.

Quanto a perdas, as maiores foram na direção do PSD (12,5%) e do PS (10%), seguidas, a grande distância, para o PPM (3,5%), pequenos partidos (3%), Bloco (2,5%), IL (2%), abstenção (2%), CDS e CH (1%).

CDU: uma derrota amarga que se soma a outras

A CDU, liderada por Marco Varela, foi uma das grandes derrotadas destas eleições, já que, com 1,7% dos votos, perdeu o deputado que havia conseguido em 2016, quando obtivera 2,6%, ficando fora da assembleia regional.

A coligação liderada pelo PCP pagou caro o mau momento do partido a nível nacional, que sofre, assim, a sexta derrota consecutiva, depois das presidenciais, autárquicas, europeias, regionais da Madeira e legislativas.

A saída do prestigiado João Corvelo, um veterinário que havia levado a CDU ao triunfo na ilha das Flores e fora o representante solitário dos comunistas no hemiciclo regional, acabou por revelar-se fatal.

Acrescem, ainda, o aparecimento de forças da direita populista, que penetraram em algum do seu eleitorado, e a situação de pandemia, que dificultou a campanha da CDU, em geral muito assente nos contatos de rua, e que contribuíram, igualmente, para este péssimo resultado.

Na análise da distribuição geográfica do seu voto, o seu melhor resultado verificou-se no Faial (8,7%). Depois, mais longe, seguiram-se as Flores (3,2%), São Jorge (2,6%), Santa Maria (1,8%), Pico (1,5%), Terceira (1,2%), São Miguel (0,9%!...), Corvo (0,7%) e, por fim, a Graciosa (0,2%)

Relativamente aos resultados de 2916, cresceu significativamente no Faial (+91,1%), onde tinha uma boa candidata, em especial à custa do Bloco, bem como, em menor grau, do PS, e muito ligeiramente no Pico (+0,8%).

Nas restantes ilhas, perdeu votos. Em São Jorge (-13,2%), terá deixado fugir alguns para CDS e CH, não compensados por alguns vindos do Bloco; na Terceira (-22,4%) e, especialmente, em São Miguel viu “voar” eleitores para PS, PSD, CH, BE e, ainda, alguns para PPM e PAN. No Corvo (-55,2%), onde candidatou o seu líder regional, a descida (de quatro para dois votos) não teve significado estatístico, enquanto na Graciosa (-56,6%) perdeu para o PS e em Santa Maria (-77,7%) para o Bloco e, menos, para o PPM.

Contudo, a descida mais dramática ocorreu nas Flores (-90,2%), onde passou de primeira força política, com 32,5% dos votos e um deputado eleito diretamente pelo círculo, para sexta, com 3,2%, apenas à frente do PAN. A saída do popular deputado João Corvelo, que não integrou as listas para estas regionais, foi mal compreendida pelo eleitorado e os comunistas acabaram por pagar um preço alto por essa decisão. PS, PPM, PSD, Bloco de Esquerda e, em menor grau, CDS e a abstenção muito beneficiaram dos sufrágios perdidos pela CDU na ilha.

A nível regional, só conseguiu manter 61% dos seus eleitores de há quatro anos (1,4%), a que se juntam apenas 0,5% do PS (0,2%), 1% do Bloco (0,1%) e 1% de pequenos partidos.

Ao invés, viu fugir votos em todas as direções: 18% para o PS, 7,5% para o PSD, 3% para o PPM, 2,5% para o CH, 2% para o CDS, 2% para a abstenção, 1,5% para o Bloco, 1% para o PAN e 0,5% para as restantes opções de voto.

Pequenos partidos: votações residuais

As outras forças políticas concorrentes às eleições tiveram votações residuais: Aliança (0,4%), Livre (0,4%), MPT (0,2%) e MRPP (0,1%).

Em 2016, tivemos: PURP (0,5%), MPT (0,4%), MRPP (0,3%), Livre (0,2%) e PDR (0,1%).

Brancos e nulos: novas forças políticas na base da sua diminuição

Um aspeto marcante destas eleições foi a descida da percentagem de votos brancos e nulos, que se ficaram pelos 3,7% (2,5% os primeiros e 1,2% os segundos), quando, nas últimas regionais, aqueles atingiram os 5,3% (2,9% e 2,4%, respetivamente).

A presença de novas forças políticas, em especial da extrema-direita, explica esta queda. No fundo, são eleitores que exprimiam a sua raiva e ódio através da anulação do voto (são os nulos que caem para metade!...), provavelmente com “bocas” e/ou palavrões à mistura, e encontraram, agora, um partido para dar força às suas frustrações e ao seu descontentamento com a política e os políticos.

Na verdade, foi para o CH (9%) que se dirigiram mais estes eleitores, seguidos da IL e do PSD (5% para ambos ), a primeira por ser também uma novidade política e o segundo por ser o partido alternante e aparecer com algumas hipóteses de destronar os socialistas. A abstenção terá recebido 3%, PS e pequenos partidos ambos 1,5%, PPM e PAN os dois 1%, Bloco de Esquerda e CDS 0,5% um e outro e CDU muito pouco.

Para além dos 72% que mantiveram a sua opção (3,4%), apenas se lhes juntaram 0,5% vindos do PS (0,2%), 4,5% de pequenos partidos (0,1%), sendo residuais os provenientes de outras forças políticas.

Abstenção: continua alta, mas desceu significativamente

Os Açores são conhecidos pelas elevadas taxas de abstenção, seja qual for o tipo de eleição. Esta terá várias causas, desde o descontentamento com a política e os políticos, tanto regionais como nacionais, numa região ainda marcada pela pobreza e iliteracia de uma elevada fatia da população, a que se somará uma abstenção técnica (vulgo “eleitores fantasmas”) acima da média. Neste ato eleitoral, ela caiu bastante, passando dos 59,2% de 2016 (um recorde em eleições regionais) para 54,6%.

Tal como em relação aos votos não válidos, também aqui a presença de novas forças políticas explica essa quebra, para a qual um dia de bom tempo também contribuiu.

Os antigos abstencionistas dirigiram o seu voto, maioritariamente, para o PSD (3%), o CH (2%) e o PS (1,5%). Cada uma das restantes forças políticas levou cerca de 0,5%, à exceção da CDU e pequenos partidos, que poucos captaram.

Em contrapartida, 91% dos abstencionistas de há quatro anos (53,9%) voltaram a não comparecer nas urnas, tendo recebido a “companhia” de 2% vindos do PS (0,4%), 1% do PSD (0,2%) e 3% de brancos e nulos (0,1%). Os restantes pouco somaram.

E agora, Açores?

Face a estes resultados, com o PS sem maioria absoluta e faltando-lhe um deputado para conseguir uma maioria parlamentar com o CDS (para a qual ambos os partidos estariam disponíveis) ou à esquerda com Bloco de Esquerda e PAN, parece que restam duas hipóteses: um governo minoritário do PS, com apoios alternados à esquerda e à direita, negociando medida a medida, como a nível da República, ou uma “geringonça” pentapartidária que junte direita e extrema-direita, num quadro político à andaluza.

Para já, o primeiro cenário é, por defeito, o mais provável. Se era perfeitamente possível, mesmo não sendo fácil, juntar PSD, CDS, PPM e IL, mais difícil é agregar o CH a essa hipotética coligação. Desde logo, porque seria um “choque” a nível nacional e não parece que os partidos da direita tradicional (e, aqui, por razões táticas, até mais o CDS que o PSD) estejam dispostos a aliar-se ao partido de Ventura. Por seu turno, este já “fechou a porta” a um tal entendimento, afirmando recusar o seu apoio aos que apelida de “partidos do sistema”. No fundo, não quer “sujar as mãos” antes das próximas legislativas, onde espera obter um grupo parlamentar relativamente robusto e tornar incontornável a sua participação numa futura maioria de direita a nível nacional.

E não espantaria que, face a um eventual impasse político, não viessem a realizar-se, a curto prazo, novas eleições. Alguns dirigentes do PS açoriano parecem apostar nesse cenário, onde esperariam a penalização dos partidos mais pequenos e o regresso à maioria absoluta. Mas, não só não é certo que tal viesse a ocorrer, mas também poderia “sair o tiro pela culatra” aos socialistas, que, dessa forma, estariam a abrir o caminho do regresso do PSD ao poder.

 

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra