Eleições na Turquia: Um país dividido a um passo da ditadura?

30 de outubro 2015 - 22:59

Com a repressão sobre os media e a oposição curda, aumentam os receios de que em caso de maioria absoluta para o partido do presidente Erdogan este domingo, ele possa avançar para um regime presidencialista autoritário. Artigo de Patrick Cockburn, na Turquia.

PARTILHAR
O Presidente turco Recep Tayyip Erdogan antecipou as eleições e abriu guerra à minoria curda no país. Foto da Presidência da Turquia.

A Turquia vai a votos este domingo numas eleições legislativas que ameaçam aumentar a polarização num país que já está profundamente dividido.

Em jogo está a forma como o Presidente Recep Tayyip Erdogan e o seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), que governa a Turquia desde 2002, pode estabelecer o regime de partido único e aproximar-se do monopólio do poder político.

A eleição ainda não está decidida, mas na Turquia a campanha alargou as linhas de fratura entre curdos e turcos, seculares e islâmicos, maioria sunita e minoria alevita. No estrangeiro, os resultados podem determinar o maior grau de envolvimento na guerra civil na Síria e no Iraque.

Muita gente pôs em espera as suas decisões até ser conhecido o resultado eleitoral. Ersin Umut Guler, um ator e encenador, está à espera de perceber de ele reduzirá as tensões políticas, permitindo-lhe trazer de volta à Turquia o corpo do seu irmão Aziz do norte da Síria, onde foi morto em combate contra o Estado Islâmico a 21 de setembro ao pisar uma mina.

As autoridades turcas recusaram permitir que os restos mortais de Aziz pudessem atravessar a fronteira, já que apelida os curdos adversários do Estado Islâmico de “terroristas” ligados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), contra quem trava uma guerra de guerrilha desde 1984.

Os quatro meses e meio de cerco a Kobane e o rescaldo da última eleição legislativa, a 7 de junho, serviram ambos para reacender o conflito armado entre o Estado turco e a minoria curda.

“Isto parece saído da Antígona [que foi proibida de enterrar o corpo do seu irmão morto em batalha]”, diz Guler. “É uma decisão arbitrária justificada pelo reinício da guerra entre a Turquia e o PKK, não estão a deixar passar nenhum cadáver na fronteira”. Ele sublinha que Aziz era um cidadão turco que foi combater o Estado Islâmico enquanto membro de um grupo socialista e não fez parte do PKK. O pai de Aziz foi para a Síria e recusa-se a regressar até que possa trazer consigo o corpo do filho.

Os quatro meses e meio de cerco a Kobane e o rescaldo da última eleição legislativa, a 7 de junho, serviram ambos para reacender o conflito armado entre o Estado turco e a minoria curda.

Ankara ficou chocada por ver a emergência de um pequeno estado curdo no norte da Síria e é acusada pelos curdos de ajudar o Estado Islâmico a atacá-los.

Isto afastou os curdos conservadores e religiosos da Turquia, que antes votavam AKP mas mudaram para o pró-curdo Partido Democrático do Povo (HDP) na última eleição. Isso permitiu ao partido passar a barreira dos 10% e conquistar representação parlamentar, tirando ao AKP e a Erdogan a maioria, pela primeira vez em 13 anos.

As relações entre o governo e os curdos deterioraram-se rapidamente, com Erdogan e os dirigentes do AKP a acusarem repetidamente o HDP, que é a favor do cessar-fogo, de ser um instrumento do PKK.

A 20 de julho um bombista suicida do Estado Islâmico matou em Suruc 32 jovens socialistas que estavam a caminho de Kobane para ajudar na reconstrução. Depois de dois polícias turcos terem sido mortos em retaliação, o exército e a força aérea reataram os ataques ao PKK no sudoeste da Turquia e no Iraque.

A 10 de outubro, outro atentado suicida do Estado Islâmico matou 102 manifestantes pela paz em Ankara, naquele que foi o maior ataque terrorista na Turquia. Os partidos da oposição acusam as autoridades de não os defender contra o Estado Islâmico e cancelaram os comícios pré-eleitorais.

A campanha eleitoral tem sido extremamente violenta com manifestantes a atacarem as sedes do HDP e jornais da oposição. Murat Yetkin, um dos principais jornalistas no diário secular liberal Hurriyet, lembra como por duas vezes a sede do jornal foi atacada por bandos em setembro, partindo as janelas todas. Um colunista foi depois atacado e ficou com o nariz e costelas partidas.

A campanha eleitoral tem sido extremamente violenta com manifestantes a atacarem as sedes do HDP e jornais da oposição. Murat Yetkin, um dos principais jornalistas no diário secular liberal Hurriyet, lembra como por duas vezes a sede do jornal foi atacada por bandos em setembro, partindo as janelas todas. Um colunista foi depois atacado e ficou com o nariz e costelas partidas.

Esta semana, trabalhadores reforçavam as barreiras defensivas na entrada do edifício, mas existe a sensação de que todas as instituições críticas de Erdogan estão sob assédio permanente.

Yetkin diz que a polarização na Turquia atingiu o zénite, e há o perigo, caso Erdogan alcance a maioria de 276 em 550 lugares do parlamento (agora o AKP tem 258 deputados), ele estabeleça um regime presidencialista autoritário.

As sondagens mostram que as intenções de voto nos quatro principais partidos não mudaram muito desde a eleição de junho, com o AKP a liderar com pouco mais de 40%. Isso coloca-o a poucos lugares da maioria absoluta e caso falhe pode procurar uma coligação com o mais secular Partido Republicano do Povo (CHP) ou a extrema-direita do Partido de Ação Nacionalista (MHP).

Mas Erdogan nunca mostrou simpatia por coligações ou por diluir o seu próprio poder.

As suas hipóteses de sucesso podem ser maiores do que parecem, já que muitas instituições e centros de poder, como o exército, a justiça e a maior parte dos media, foram domesticadas e colocadas sob o seu controllo.

Ainda esta semana em Ancara, a polícia forçou a entrada na sede da empresa Koza-Ipek Holding, dona de dois jornais e dois canais televisivos, para aplicar uma ordem do tribunal a nomear um painel de curadores.

O AKP tem uma vantagem esmagadora no que toca a fazer campanha e influenciar o eleitorado. Uma estudo sobre os canais de televisão pública mostra que, nos últimos 25 dias, deram 30 horas de cobertura ao AKP e 29 horas às atividades de Erdogan, enquanto o CHP teve direito a 5 horas, o MHP 1 hora e 10 minutos e o HDP 18 minutos.

Erdogan também pode ganhar com um sentimento comum a muitos eleitores de que o AKP representa a estabilidade, mesmo que isso signifique uma viragem em direção à ditadura, e que todas as outras alternativas significam instabilidade e incerteza com prejuízos para a economia.

A economia turca já não produz o crescimento espetacular que teve até 2012. Quem tem boas qualificações encontra dificuldades em arranjar um emprego ou, quando o perde, de conseguir outro.

Dilsah Deniz, uma mulher na casa dos vinte com uma licenciatura em Relações Internacionais, trabalhava como gestora numa empresa de armamento, mas a desvalorização acentuada da moeda turca no último ano impediu a compra de matérias-primas na Europa. As duas fábricas fecharam, ela perdeu o emprego e não conseguiu ainda encontrar outro.

Ela diz que muitas empresas suspenderam as entrevistas a candidatos a emprego até conhecerem o desfecho das eleições. E espera que mais estabilidade melhore as suas hipóteses de conseguir trabalho.

A Turquia, que estava preparada para se tornar uma grande potência no Médio Oriente em 2012, é agora praticamente excluída enquanto influência na maior parte da região. Um novo avanço dos curdos sírios pode levar Ancara a ponderar uma intervenção militar direta.

Qualquer que seja o resultados das eleições, ela pode ficar desiludida. A violência que abala a Síria e o Iraque está a alastrar à Turquia e os ataques bombistas do Estado Islâmico envenenaram as relações entre turcos e curdos.

Pior ainda, o envolvimento da Turquia na Síria não impediu a criação de um novo quase-Estado curdo ao longo de 400 quilómetros da fronteira Sul da Turquia, que atualmente é gerido pelo ramo sírio do PKK.

A Turquia, que estava preparada para se tornar uma grande potência no Médio Oriente em 2012, é agora praticamente excluída enquanto influência na maior parte da região. Um novo avanço dos curdos sírios pode levar Ancara a ponderar uma intervenção militar direta.

O resultado da eleição de domingo é imprevisível, mas já desencadeou ou acentuou poderosas forças de divisão. Erdogan pode querer controlá-las a seguir às eleições, mas terá dificuldade em fazê-lo.


Artigo publicado no diário The Independent